As soluções de privacidade seriam as principais responsáveis pelo atraso no desenvolvimento e implementação do Drex, a moeda digital de banco central (CBDC) brasileira?
Após a divulgação do “Relatório do Piloto Drex – Fase 1” pelo Banco Central (BC) em 26 de fevereiro, disseminou-se entre as entidades do mercado um entendimento de que as soluções de privacidade ainda são insuficientes e estão travando os avanços do “real digital.”
No entanto, representantes do Congresso Nacional e de empresas envolvidas nos consórcios participantes do Piloto Drex contestam esta percepção, sob a alegação de que o foco exagerado nas limitações das soluções apresentadas ignora os avanços alcançados na primeira fase de testes.
Em participação no podcast “Brazil Crypto Report”, Marcos Viriato, CEO e cofundador da Parfin, afirmou que as três soluções testadas na primeira fase do piloto resolvem os problemas de privacidade do Drex, cumprindo os requisitos inicialmente estabelecidos pelo BC:
“Eu entendo que o objetivo da primeira fase do piloto era resolver o problema da privacidade. De forma geral, resolver questões de privacidade em uma blockchain implica em ocultar os dados dos contratos inteligentes com criptografia. Quando você criptografa os dados, por princípio, você não pode acessá-los. Isso impede que você interaja com aquele contrato inteligente. Essa é a grande questão, porque você compromete a componibilidade e a programabilidade do Drex.”
Viriato explica que o Drex tem seu próprio trilema. Diferentemente de blockchains públicas, que precisam equacionar descentralização, segurança e escalabilidade, o trilema da CBDC brasileira inclui privacidade, programabilidade – a capacidade de suportar contratos inteligentes programados para executar certas ações automaticamente – e a componibilidade – a integração eficiente de diferentes sistemas e softwares.
“Quando você resolve dois desses problemas, o terceiro fica prejudicado”, explica Viriato, cuja empresa, a Parfin, desenvolveu o Rayls, uma das soluções de privacidade testadas na fase 1 do piloto. “É muito difícil endereçar privacidade, componibilidade e programabilidade”.
As demandas de programabilidade e componibilidade estão sendo devidamente endereçadas na fase 2 do Piloto Drex, que explora 13 potenciais casos de uso para o “real digital.”
“Ainda não existe no mercado uma solução que seja uma bala de prata, capaz de resolver tudo de uma vez só. Isso está em desenvolvimento”, afirma Viriato.
Ricardo Paixão, assessor técnico do Congresso Nacional, destacou as restrições do BC à ausência de um recurso de segurança para congelamento de ativos em todas as soluções testadas.
Paixão explicou que o BC precisa adequar-se ao SISBAJUD, um sistema que permite a execução de ordens judiciais para bloqueio de valores com celeridade.
“O Banco Central precisa estar em conformidade com esse sistema, aplicando suas diretrizes de forma ampla e irrestrita em todo o sistema financeiro, e ainda está se buscando a tecnologia para isso”, afirmou.
Viriato argumentou que os consórcios não focaram explicitamente nesse problema porque a implementação de um recurso para bloqueio de ativos é de fácil execução.
Veredito do BC sobre as soluções de privacidade
O relatório do BC conclui que as três soluções testadas no piloto foram bem sucedidas em garantir a privacidade do Drex, mas comprometeram outras funcionalidades devido a limitações de arquitetura.
Desenvolvida por meio de uma parceria entre o JP Morgan e a Consensys, o Anonymous Zether adota a tecnologia criptográfica de prova de conhecimento zero em uma solução de privacidade baseada em contas.
Segundo o relatório, o Anonymous Zether garante a privacidade e o anonimato das transações, mas também oculta essas operações das autoridades financeiras, que não conseguem acompanhar as operações na rede, identificar as transferências efetuadas ou determinar em qual carteira o ativo se encontra.
Outras deficiências do Anonymous Zether identificadas pelo BC e as empresas que participaram dos testes são limitações de programabilidade e escalabilidade.
A Rayls, da Parfin, é uma solução baseada em prova de conhecimento zero que utiliza ledgers segregados, interoperáveis e compatíveis com a Ethereum Virtual Machine (EVM), para adicionar privacidade em redes DLT permissionadas.
“A versão avaliada garante a privacidade e o anonimato das transações”, diz o relatório. As ressalvas dizem respeito à falta de um mecanismo de controle para que as autoridades competentes possam acompanhar as transferências, identificar as carteiras, efetuar movimentações ou executar bloqueios totais ou parciais de saldo, em caso de necessidade.
“É essencial que as autoridades tenham visibilidade e controle sobre o token para cumprir suas obrigações legais, regulamentares ou contratuais”, afirma o BC.
A solução foi elogiada pela robustez da privacidade e por seus recursos de interoperabilidade, mas tanto o BC quanto os participantes do piloto fizeram objeções à complexidade da arquitetura e à infraestrutura necessária para uma ampla adoção.
Desenvolvida pela Ernst & Young, a Starlight é uma solução de privacidade e anonimato que usa prova de conhecimento zero para viabilizar a criação de aplicações de privacidade para DLTs compatíveis com a EVM.
A solução garante a privacidade e o anonimato das transações, com boa resposta às demandas de escalabilidade e interação com contratos inteligentes, mas não oferece recursos de componibilidade e requer o acesso a dados privados off-chain.
Durante os testes, houve relatos de falhas, quebras de sincronismo e consistência das informações. Assim como as demais, a Starlight também oculta as operações das autoridades financeiras.
Expectativas exageradas do mercado
“Há uma expectativa de que o sistema opere integralmente on-chain desde o início, mas talvez seja necessário ter alguns componentes off-chain que mais tarde possam migrar para a rede”, afirmou Leandro Pereira, CEO da Nuclea, empresa especializada na tokenização de ativos do mundo real (RWA).
O executivo alertou que as expectativas exageradas do mercado podem ser prejudiciais ao desenvolvimento do Drex. Segundo Pereira, as dificuldades relatadas pelo BC não devem ser encaradas como problemas, mas como desafios naturais de um processo complexo de integração do sistema legado às novas tecnologias financeiras:
“Você não vai trocar um sistema pelo outro. É uma curva. Talvez, daqui a alguns anos, com a evolução da tecnologia, alguns sistemas serão totalmente substituídos, mas no começo eles terão que coexistir, ser complementares. O desenvolvimento do projeto está seguindo seu curso normal, enfrentando desafios que outros modelos experimentais ou pilotos de CBDCs já enfrentaram ou ainda terão que enfrentar. A mensagem para o mercado é que nós precisamos parar de tentar acelerar o processo.”
Os constantes atrasos no cronograma do Drex contribuem para alimentar a frustração do mercado, causando a impressão de que o projeto não está avançando conforme o previsto pelo BC.
“Por isso houve essa reação exagerada por parte do mercado, de que a privacidade não foi resolvida, que as soluções falharam”, acrescentou Viriato. “Não, a privacidade foi bem sucedida em si, mas as outras demandas do BC, incluindo a escalabilidade, não foram abordados ou testados propriamente nesta primeira fase.”
Embora o BC tenha rejeitado a inclusão de novas propostas na fase 2 do piloto e adiado por tempo indeterminado o lançamento do Drex, a tokenização de ativos do mundo real e a digitalização do sistema financeiro seguirão avançando no Brasil, afirmaram os executivos.
Viriato destacou que a regulação do mercado de ativos digitais deve entrar em vigor até o fim do primeiro semestre, trazendo maior clareza e segurança para que empresas ainda à margem entrem nesse mercado.
Com isso, ele prevê também um aumento do interesse institucional pela tokenização de ativos e a adoção da tecnologia blockchain, com o Drex atuando como uma infraestrutura fundamental nesse processo. Por tudo isso, afirmou Viriato, “2025 será um ano decisivo para o Drex e a tokenização de ativos do mundo real no Brasil.”
Conforme noticiado recentemente com exclusividade pelo Cointelegraph Brasil, a fase 2 do Piloto Drex terá quatro etapas e o desenvolvimento de software já está em andamento.