O novo sempre vem, mas Belchior segue atual e revelador. Em meio a uma leva de projetos que celebram o cantor e compositor morto em 2017, o show “Amar e mudar as coisas” faz sua estreia carioca, dias 4 e 5, no Teatro Rival Petrobras. No palco, Karina Buhr, Marisa Orth e Taciana Barros se debruçam sobre o legado do artista, entre interpretações de suas músicas e leituras de textos e depoimentos deixados pelo homenageado.
“A obra dele nos traz essa sensação de pertinência, tanto nas questões críticas ao país quanto no romantismo”, diz Marisa. Neste caso, ela cita como exemplo versos de “Divina comédia humana”, cantada por Taciana no espetáculo. “É um homem hétero que assume esse sentimento de amor e diz coisas como ‘estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol, quando você entrou em mim como um Sol no quintal’.”
O projeto surgiu em 2017, como parte da agenda de lançamento da biografia “Belchior: Apenas um rapaz latino-americano” (Todavia), de Jotabê Medeiros. Deu tão certo, que segue, desde então, rodando os palcos do país. “Na primeira noite, já fiquei pasmo com a interpretação delas. Depois, o show ganhou autonomia, criou asas”, recorda-se o autor, observando que o músico sempre foi gravado por grandes intérpretes femininas, como Elis Regina (1945-1982). “Num mundo rústico em relação às mulheres, a poesia dele é muito emancipatória neste sentido. E elas são as primeiras a perceber isso.”
Acostumada a cantar composições próprias, Karina Buhr afirma que soou um tanto desafiador mergulhar no repertório de outra pessoa. “Sempre me importei com o que a música está dizendo. Mas, no caso dele, correu tudo tranquilamente e ficou natural”, afirma. “Uma das coisas que mais gosto de fazer é ressignificar as criações. E as letras dele estão sempre em movimento. É como se fossem ganhando novos sentidos a cada show.”
É por isso que, segundo o trio, cada noite é como uma estreia. As cantoras concordam também que a estrela ali é a composição. Daí o figurino discreto e a escolha por arranjos com violão, guitarra e baixo, sem bateria. “Quando comecei a pesquisa, encontrei versões acústicas superlindas das canções dele”, comenta Taciana Barros, sobre a inspiração. “O duro foi definir o repertório. Ele só tem música boa, é um golaço atrás do outro.”
O terreno vasto, por outro lado, permite que o show esteja sempre com novidades. “Galos, noites e quintais”, que era declamada, passou a ser cantada, assim como novos trechos de entrevistas e textos são incorporados conforme o trio desbrava esse universo. No que cabe ao público, avisa Taciana, a interpretação é livre. “Belchior era existencialista. Os temas são profundos, batem nas pessoas de maneiras diferentes”, comenta. Mas há uma coisa imutável: “Entra e sai presidente, Belchior continua a ser também a voz dos oprimidos”.