Jogando com as fronteiras entre o dito e o indizível, o novo livro da artista visual Natalie Salazar Entre silêncio, palavra e delírio – publicado pela Editora & Galeria Degustar – também parece habitar um espaço tênue entre livro e objeto de arte. Com tiragem limitada de quinhentos exemplares numerados, encartes e outros recursos editoriais, o projeto gráfico assinado por Fernanda Porto procura traduzir em textos e imagens silêncios percebidos pela autora quanto ao passado de sua família de origem judaica atravessado pela perseguição nazista no contexto da Segunda Guerra.
Segundo a autora, o livro foi concebido a partir de diário escrito durante uma residência artística na Casa do Povo, espaço cultural criado por judeus exilados da Shoá em 1953, mas seu processo de elaboração remonta a uma extensa investigação sobre seu passado familiar.
“Ao reler o diário após a residência, percebi que todas as palavras usadas eram tentativas de traduzir os silêncios, as palavras excessivas e os delírios que reconheço desde a infância. Para lidar com essa ‘familiaridade incômoda’, fui retirando as vozes altas e os falatórios, deixando apenas o que me parecia essencial: as vozes baixas, as palavras ainda não sabidas, os sons internos”, conta a autora.
A escritora, que espera que esse livro possa dar voz aos traumas e testemunhos que ainda não foram vividos e recorda que sua avó, que motivou essa investigação – “muito silenciosa” quanto aos traumas vividos no campo de concentração –, dizia que o número marcado em seu braço era o telefone de uma amiga. “Não havia palavras capazes de expressar sua experiência. Meu avô, por outro lado, escreveu 14 romances. Nos almoços de domingo, sentava-se à mesa e narrava detalhadamente as histórias da guerra. Ele não acreditava mais em Deus, mas acreditava no ser humano”, conta a artista, “não acreditava em destino, mas sim na perseverança — e escrevendo, ele perseverava. Escrever esse livro foi minha tentativa de me relacionar tanto com o que o silêncio pode dizer quanto com o que as palavras podem trazer”.
Ainda segundo ela, o livro busca dialogar com um contexto mais amplo de deslocamentos forçados e violências sofridas por outros povos na atualidade: “A literatura deve abrir possibilidades para refletirmos sobre acontecimentos passados e presentes a partir das experiências, dores e heranças vividas”. E conclui: “Espero que este livro possa nos trazer novas formas de escuta, novas palavras e novos diálogos.”
O livro Entre silêncio, palavra e delírio, organizado e editado pela curadora, professora e pesquisadora Galciani Neves, com posfácio de Patricia Wagner, será lançado nesta terça-feira, 8 de abril, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Iguatemi, em São Paulo.