Coogler costura um cenário de muito desejo, mas também de muita dor. A passividade do homem branco, que testemunha arroubos mais intensos dos irmãos e ventila entre sussurros que “essa raça só dialoga pela violência”, sugere que o racismo da região pode estar amortecido, mas não silenciado. O clima de reencontro cede lugar aos poucos para a cautela, rendendo-se, afinal, à música e à celebração.
A jornada para recuperar seu lugar de pertencimento em uma sociedade segregada já adiciona camadas valiosas a “Pecadores”, mas não tarda para Coogler revelar a ameaça de vampiros como tempero bombástico da mistura. Caçado por nativos americanos, Remmick (Jack O’Connell) é atraído pela música e, transformando primeiro um casal de fazendeiros em monstros como ele, cerca o clube, aumenta seus seguidores e promete a todo o grupo “libertação” – seja lá o que isso signifique.
“Pecadores” liga, então, outra chave e abraça a estrutura de filme de terror B, ao estilo “Um Drink No Inferno” ou “30 Dias de Noite”, com uma das motivações clássicas do gênero: precisamos ficar vivos até o amanhecer. Nada em “Pecadores”, contudo, é reciclado ou derivativo. Coogler mantém algumas regras de um século de vampiros no cinema, inventa novas, reinterpreta outro tanto e faz com que algo que já vimos antes pareça único e original.
Quem busca um filme-pipoca assustador para conferir em turma com o cinema cheio, pode confiar no talento do diretor em entreter. O elenco é bárbaro, com a figura imponente de Michael B. Jordan emanando carisma em suas duas manifestações. Mas não me parece que “Pecadores” usa o medo para causar uma simples resposta química, e sim como elemento totêmico que oferece a paciência do tempo. Ser vampiro e imortal, numa sociedade racista, não soa como má ideia.
O maior truque de artistas como Ryan Coogler – ou Jordan Peele, ou Barry Jenkins – é fazer com que a máquina trabalhe para eles. “Pecadores” exibe a assinatura de seu autor em cada uma de suas várias camadas. É cinema com algo a dizer operando em escala de blockbuster, sendo as frases escritas na interação entre personagens e na fluidez de suas ações. Quando isso acontece, o resultado é mágico.