Num cenário em que a franquia “O Atirador” jamais aspirou ao patamar dos blockbusters hollywoodianos, “O Atirador: O Fim de um Assassino” se sobressai como um desvio criativo da fórmula habitual, buscando mais leveza e fluidez onde antes reinava a sisudez. O oitavo filme da franquia assume sua natureza B com despretensão quase cômica, investindo num tom mais lúdico e autorreferente que, embora possa afastar os puristas da série, oferece ao espectador casual uma proposta refrescante. Ao abraçar o absurdo inerente ao seu enredo — um atirador de elite injustamente acusado, uma conspiração que envolve a CIA e assassinos de aluguel, e um protagonista que foge da prisão para limpar seu nome —, o longa se revela mais interessado em entreter do que em convencer, e é justamente nessa virada de chave que encontra sua identidade mais marcante.
A trama gira em torno de Brandon Beckett (Chad Michael Collins), agora nas cordas após ser incriminado por um assassinato de alto escalão — um crime que, como o espectador logo descobre, tem os contornos de um jogo sujo arquitetado por figuras obscuras. Há ecos óbvios de “A Arte da Guerra” e “Jack Reacher” nesse dispositivo narrativo do herói armado contra o sistema, mas “O Fim de um Assassino” o ressignifica com ironia e descaramento. A sequência em que Brandon é surpreendido em casa pela SWAT, enquanto joga um videogame militar, é tão estilizada quanto implausível — mas a estilização é o ponto. A introdução com tipografia retrô e cores saturadas remete ao universo dos fliperamas dos anos 80, um gesto visual que, embora fugaz, sintetiza o espírito do filme: um espetáculo de ação autoconsciente e quase camp.
Se a verossimilhança é sacrificada sem remorso — soldados que se resumem a figurantes, explosões econômicas e antagonistas caricatos que poderiam ter saído de um pastiche de James Bond —, o que sustenta o interesse do público é o ritmo ágil e o equilíbrio entre humor e tensão. Rosenberg (Ryan Robbins), encarregado de investigar o caso, se destaca não por sua acuidade investigativa, mas por seu sarcasmo constante, um alívio cômico que funciona melhor do que a maioria das reviravoltas previsíveis. Já Franklin (Lochlyn Munro), o agente que acredita ter capturado o verdadeiro culpado, representa o estereótipo do policial cego pelas evidências de segunda mão — muitas delas apenas citadas, nunca mostradas, um artifício que enfraquece a credibilidade do enredo, mas que também se alinha ao tom assumidamente superficial do filme.
Ainda assim, há méritos narrativos. A relação entre Brandon e seu pai, Thomas Beckett (Tom Berenger), finalmente ganha alguma textura emocional após anos de interações apáticas em filmes anteriores. O roteiro injeta breves flashbacks e diálogos mais íntimos, não o suficiente para gerar uma verdadeira profundidade dramática, mas o bastante para sugerir um esforço de humanização entre os tiroteios. Thomas, agora mais recluso e desgastado, funciona como o mentor relutante, e embora sua presença não seja a mais empolgante, ela cumpre o papel de âncora emocional — ainda que alguns espectadores torçam para que o personagem não retorne em futuras sequências.
Mas é Lady Death, interpretada por Sayaka Akimoto, quem rouba a cena. Sua personagem, uma assassina de origem asiática contratada para eliminar Beckett e apagar os rastros do crime inicial, é uma das poucas figuras que realmente trazem densidade à narrativa. Sua introdução é estilizada e eficaz, seu código moral é ambíguo e sua presença em cena — embora subutilizada — transmite perigo real. Em uma franquia acostumada a vilões unidimensionais, Lady Death surge como um raro ponto alto: bela, letal e com nuances que a colocam no mesmo patamar técnico dos Beckett. Sua ausência em boa parte da metragem só reforça a impressão de que a produção não soube aproveitar todo o seu potencial.
No campo técnico, o filme ousa com algumas escolhas visuais inesperadas. A divisão da tela em painéis simultâneos e o uso pontual do dolly zoom à la Hitchcock imprimem personalidade à direção, ainda que não sustentem uma estética coesa. A trilha sonora, com forte influência eletrônica, acentua essa tentativa de diferenciação, reforçando o caráter pop do projeto. Apesar dos tropeços estruturais, o filme consegue gerar entretenimento pelo exagero e pela disposição em não se levar a sério. Se há algo de novo em “O Atirador: O Fim de um Assassino”, está na coragem de abandonar qualquer pretensão de realismo para entregar uma narrativa acelerada, visualmente estilizada e, acima de tudo, autoconsciente.
Por mais que o arco “herói injustiçado em fuga” já esteja gasto no cinema de ação, o filme consegue injetar fôlego nesse clichê ao mesclá-lo com uma atmosfera quase detetivesca, intercalada por comentários sarcásticos e reviravoltas óbvias, mas funcionais. É um produto que não se propõe à complexidade e, talvez por isso mesmo, acerte onde outros erraram: ao reconhecer seus próprios limites e brincar com eles. Embora esteja longe de ser o ápice da franquia, essa oitava entrada é, paradoxalmente, uma das mais memoráveis — não por sua excelência, mas por sua ousadia em reformular uma fórmula já esgotada.
Filme:
O Atirador: O Fim de um Assassino
Diretor:
Kaare Andrews
Ano:
2020
Gênero:
Ação/Thriller
Avaliação:
8/10
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Helena Oliveira
★★★★★★★★★★