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quarta-feira, maio 14, 2025

Crítica | O Sertanejo, de José de Alencar – Plano Crítico

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Ao longo de seu projeto literário focado em expandir as discussões sobre a formação da nacionalidade brasileira por meio da ficção, o escritor romântico José de Alencar entregou enredos diversos que saíram do território fluminense para deflagrar a sua visão acerca dos costumes e da versatilidade de nossa cultura em espaços distantes da capital. Interessante, e criticado por muitos, é a sua visão de determinados lugares apenas pelas pesquisas, pois em casos como O Gaúcho, por exemplo, o autor sequer esteve no Rio Grande do Sul para uma composição literária, digamos, mais verossímil. Independentemente disso, mesmo que a produção chamada de regionalista seja vulnerável nesses quesitos, Alencar entregou um manancial de histórias que tentava entender o país que tinha passado por um processo recente de independência em relação ao seu processo de colonização. Foram os primeiros passos para essa busca por compreensão da nossa identidade. Depois, outros autores foram complementando e fazendo os devidos ajustes nesses estudos. O Sertanejo, publicado em 1875, é uma dessas histórias, narrativa que descreve a árida paisagem do sertão nordestino, introduzindo em os personagens numa história tipicamente romanesca, delineada por rompantes de amor e conflitos sociais envolvendo as principais questões políticas da época.

A narrativa gira em torno de Severino, um personagem que, apesar de suas tentativas de se definir, torna-se uma representação genérica do povo sofrido da região, enfrentando a fome, a sede e a miséria. O protagonista, Arnaldo Loureiro, é um vaqueiro cearense simples, mas determinado, que luta por seus ideais e por um amor: o de Dona Flor, a meia-irmã do capitão-mor, Arnaldo Campelo. Arnaldo é apresentado como um personagem enigmático, que se destaca por sua dedicação e submissão ao patrão, sendo um funcionário exemplar que até dorme nas árvores da mata. Seu único rival na história é Marcos Fragoso, enquanto Dona Flor é prometida a Leandro Barbilho. Durante o dia do casamento, um tiroteio acaba resultando na morte de Leandro. Arnaldo, tentando consolar Flor em seu luto, mostra sua coragem e dignidade. No desfecho, o capitão-mor reconhece as qualidades de Arnaldo e lhe concede o direito de usar seu sobrenome, Campelo, simbolizando um reconhecimento de valor dentro da história.

Dividido em duas partes, O Sertanejo nos apresenta quarenta e um capítulos, e se inicia com uma narrativa em terceira pessoa que apresenta o contexto nordestino do século XVIII, centrando-se na figura do herói Arnaldo, que é descrito como um cavaleiro medieval em um ambiente rústico. Arnaldo é apaixonado por D. Flor. Mas um sentimento que será gerenciado em meio aos conflitos e disputas de sua trajetória. O enredo se desenrola em 1764, em Quixeramobim, Ceará, onde o Capitão-mor e sua esposa, D. Genoveva, retornam de Recife e se deparam com o interesse de Marcos Fragoso por D. Flor. Um incêndio na floresta provoca um desmaio de Flor, que é socorrida por Arnaldo, embora ela não recorde quem a salvou. No desenvolvimento da trama, a culpa pelo incêndio é inicialmente atribuída a Jó, um morador próximo da fazenda, mas Arnaldo descobre que o verdadeiro culpado é Aleixo Vargas, conhecido como Moirão, que agiu motivado por uma humilhação imposta pelo Capitão.

Para proteger Jó da ira do Capitão Gonçalo, Arnaldo esconde-o em uma caverna, enquanto tenta lidar com as repercussões do incêndio e as relações complexas entre os personagens. E, nesse contexto, a narrativa explora temas de honra, amor e a busca por justiça em um cenário marcado pela rusticidade da pecuária nordestina. Ao longo de suas extensas 247 páginas, José de Alencar descreve detalhadamente as paisagens do sertão e a cultura local, colocando o vaqueiro como um símbolo de força e resistência. O romance, ambientado no Ceará, retrata o sertanejo de forma heroica, destacando suas virtudes, a conexão com a terra, e a relação que possui com a natureza, religiosidade e tradições regionais. Enraizado nas características do Romantismo, a obra exalta a natureza, o patriotismo e a idealização do amor e da mulher, apresentando Arnaldo como um personagem mítico que se sente em casa entre as árvores e o mato. Em linhas gerais, um romance bastante descritivo, desafiador para propostas com os leitores atuais, mas ainda assim, uma obra importante para quem deseja compreender a história da formação da literatura brasileira, diversa e bastante envolta em polêmicas.

Em O Sertanejo, contemplamos a natureza como um elemento central, pois o autor não a utiliza apenas como cenário, mas como um personagem que influencia profundamente a vida dos indivíduos e molda suas identidades. Em sua abordagem chamada de regionalista, Alencar desenvolveu um estilo que mistura a linguagem coloquial e a erudita, com a intenção de transmitir a musicalidade e a riqueza do idioma português, incorporando expressões populares e regionalismos. Como já apontado em outros textos, o escritor é considerado um precursor do nacionalismo literário no Brasil. Sua escrita promove um sentimento de pertencimento e orgulho em relação à cultura e às raízes brasileiras. Mesmo com os protagonistas masculinos, a sua perspectiva regionalista também destaca a figura feminina, explorando a condição da mulher na sociedade patriarcal da época, além de retratar a força das mulheres na construção da identidade regional. É uma fase que encontrou ressonância na posteridade, desdobrando-se em histórias de outros escritores e consolidando a literatura como um espaço para a expressão da diversidade cultural do país. O Romance de 30, por sinal, deve bastante ao que se iniciou por aqui.

O Sertanejo (Brasil, 1875)
Autor: José de Alencar.
Editora: Ática – Série Princípios.
Páginas: 247



[Fonte Original]

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