Como o próprio título insinua, Chip Zdarsky lida com diversas consequências neste arco, começando pela repercussão da guerra em Hell’s Kitchen de Fim do Inferno. Fisk se aproveita do momento como manobra política, enquanto Matt, como sempre, assume o papel de mártir, se entregando à polícia pela morte acidental do bandido no começo do sexto volume da saga. Gosto bastante da transição do roteiro, que vai organicamente da balbúrdia do arco anterior para uma história mais íntima e pé no chão com o herói, lidando agora diretamente com seu erro como Demolidor, ao mesmo passo que o Rei do Crime reorganiza suas estratégias para enfrentar uma certa família bilionária que tem humilhado o antagonista.
Seguindo a abordagem de revisitação à tramas do cânone, Zdarsky tece aqui um drama de tribunal, algo recorrente nos volumes anteriores do herói. É interessante como o autor é esperto em utilizar a premissa para amarrar elementos da run do Mark Waid, como o retorno de Kirsten McDuffie, questões sobre a identidade do protagonista e a vitória de Matt na Suprema Corte dos Estados Unidos para heróis poderem testemunhar usando máscaras, não apenas em termos de mitologia e algumas quebras dramáticas que agregam à história até aqui (o foco na cumplicidade de Matt e Foggy; um olhar para seu coração partido com Kirsten; e uma leitura jurídica bem-vinda para o papel de super-heróis no meio legal), mas também de continuação do desenvolvimento anterior do personagem, que foi bastante descartado no quinto volume precário de Charles Soule.
Falando nele, algumas das suas pontas soltas também são resolvidas nesse arco. A terrível inserção do irmão gêmeo de Matt é lidada em um Anual um pouco atrapalhado em seus elementos místicos de realidade, mas que reorganiza a participação de Mike na vida do protagonista, servindo aqui como um ponto de conflito pessoal – e até fraternal – com o Homem Sem Medo. E de outro lado narrativo, o retorno esquisito de A Mão no volume anterior ganha um destaque grande nesse arco, mais no sentido de preparação ainda, mas com ideias instigantes, como o retorno de Stick, o papel de Matt e de Elektra como “rei e rainha” em uma espécie de profecia histórica, pistas de um passado ainda maior da organização ninja e, por fim, a insinuação de um sacrifício. Muito do que Zdarsky faz nessa linha narrativa me lembrou histórias do Punho de Ferro, então fiquei animado, até porque o desfecho do arco traz um twist inusitado: Elektra assumindo o manto de Demolidor enquanto Matt está preso, o que abre certas possibilidades curiosas e um palco para a assassina brilhar.
Rebobinando um pouco, a trajetória até a prisão de Matt também é curiosa, porque Zdarsky se desvia de um drama de tribunal mais típico, mostrando pouco de manobras jurídicas ou do próprio tribunal em si. Grande parte do destaque aqui é para a opinião pública, que em certos momentos acho estranha (a agressividade contra o Demolidor, como se ele tivesse deliberadamente matado um inocente, e não um bandido que estava roubando uma loja), mas que de maneira geral está em linha com as simbologias do arco sobre os significados do traje do Demolidor, bem como as preparações que o herói faz para proteger seu bairro infernal antes de ir para a cadeia. Inclusive, é nesse espectro que o autor se aproveita com algumas participações especiais, primeiro com o Homem de Ferro, que traz um contraste para os objetivos de um herói urbano (um olhar para diferenças de classes, pobreza, criminalidade local, etc), e segundo com o Homem Aranha, que resgata as questões de moralidade – e hipocrisia – da sua aparição no início do volume.
Os momentos servem para mostrar diferentes perspectiva dentro desse universo e trazem um nível de integração que nem sempre podemos ver nas histórias mais herméticas e autocontidas do Demolidor. Também aprecio como o núcleo com o teioso, além de bem-humorado e dramaticamente denso em discussões de culpa, serve para manter a ligação com a subtrama de Fisk, que muda sua estratégia com o submundo, colocando Libris como líder e mexendo alguns pauzinhos para contra-atacar os bilionários (fiquei feliz aqui, porque queria muito que Zdarsky não abandonasse esse encaminhamento da história, ainda mais agora com a preparação de uma nova jornada contra A Mão). De maneira geral, Verdade / Consequência é um arco de estabelecimento e transição depois do clímax da guerra no último arco, mas Zdarsky evita fazer algo de caráter puramente introdutório, continuando com destreza suas diversas tramas, enquanto resolve/amarra pontos de volumes anteriores. Apesar de ser um arco de pouca ação, de poucos destaques artísticos (a arte aqui é bem funcional apenas, até com uma mudança constante de artistas) e de poucas conclusões, é um dos blocos que mais gostei durante essa run, com elementos dramáticos profundos, ótima coordenação do cânone, posições difíceis para Matt e diversos preparativos que chamam a atenção para o restante do volume.
Demolidor: Verdade / Consequência (Daredevil: Truth Dare) — EUA, setembro de 2020 a janeiro de 2021
Contendo: Daredevil – Vol.6 #21 a 25 + Anual #1
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n°5 (Panini, outubro de 2021)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Marco Checchetto, Francesco Mobili, Mike Hawthorne, Manuel Garcia
Cores: Nolan Woodard, Mattia Iacono, Victor Olazaba, Marcio Menyz, JP Mayer
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Devin Lewis, Nick Lowe, C.B. Cebulski, Danny Khazem
Editora: Marvel Comics
135 páginas