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quinta-feira, abril 24, 2025

Crítica | Something Is Killing the Children (Alguma Coisa Está Matando as Crianças) – Livro Um – Plano Crítico

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Lembro-me claramente do anúncio da BOOM! Studios lá atrás, em meados de 2019, do lançamento da minissérie em cinco edições Something is Killing the Children (que a Devir traduziu ao pé da letra para Alguma Coisa Está Matando as Crianças, mas inexplicavelmente usa os dois ao mesmo tempo, com ênfase no original em inglês) criada por James Tynion IV, roteirista que gosto muito. Acho que fechei os olhos em algum momento logo depois e os reabri somente em 2025, deparando-me com um Livro Um da série em quadrinhos com nada menos do que 15 edições e que é apenas a ponta do iceberg do que parece ser uma franquia que seu autor e a editora multiplicaram exponencialmente com spin-offs e uma estrutura mensal infindável e que, se tudo der certo, será adaptado como série em breve conforme anunciado. Fiquei genuinamente espantado quando me dei conta da proporção que a coisa tomou nesses pouco mais de cinco anos, o que, claro, deixou-me ainda mais curioso para ler esse começo.

Quando acabei a leitura desse grande arco inicial – composto por três arcos menores de cinco edições – que se passa fundamentalmente na cidadezinha de Archer’s Peak, rodeada por floresta, cujas crianças estão sendo misteriosamente assassinadas por criaturas monstruosas, com a caçadora de monstros Erica Slaughter chegando em meio ao horror e ao caos para tentar resolver o problema, percebi muito claramente tanto a razão para a obra ter sido anunciada como uma humilde minissérie quanto para ela ter ganhado o status de furacão editorial. Trata-se de uma narrativa muito simples que é exatamente o que descrevi, ou seja, crianças sendo caçadas por monstros e esses monstros sendo caçados por uma jovem de cabelos prateados que, em ação, usa preferencialmente dois facões e um lenço tampando sua boca como cowboys no Velho Oeste, só que com o desenho de mandíbulas ferozes nele. Em outras palavras, a receita para cinco velozes, furiosas, sanguinolentas e autocontidas edições estava lá da mesma maneira que a fórmula para que a série caísse no gosto popular também estava, com espaço suficiente para expansões casos o sucesso viesse como veio, expansão essa que se dá tanto com a narrativa perdendo um pouco de seu vigor e abrindo espaço para histórias paralelas, como também com a criação de toda uma mitologia por trás da misteriosa e milenar organização da qual Erica faz parte, a Ordem de São Jorge (sim, aquele santo que mata dragões), mais exatamente a facção Casa de Slaughter.

Guardadas as devidas proporções, o que James Tynion IV faz é muito esperto e se assemelha à produção de novelas no Brasil, em que o gosto popular muito diretamente dita o tamanho e o caminho que a obra seguirá. Mas não se enganem, pois Something Is Killing the Children não tem estrutura de novela, pelo menos não nesse grande arco inicial de 15 edições, mas sim o de um filme de horror que, porém, só assusta pela premissa – afinal, a mortandade de crianças é horrível por si só e o roteirista não economiza nesse quesito – e não por sua execução, já que, nela, o que vemos é mais uma narrativa com muita ação com toques de horror e não o contrário. Claro que há aquele mistério a conta-gotas sobre Erica e a natureza dos monstros, algo que é explorado por intermédio do coprotagonista James (um avatar do roteirista?), criança que sobrevive ao massacre que abre a história e que se junta à caçadora, tornando-se basicamente a conexão do leitor com esse mundo estranho e secreto de monstros e seus caçadores. O roteiro, portanto, consegue reunir tudo o que “vende”, ou seja, violência, sangue, sequências com muita ação, mistérios e, claro, uma caçadora protagonista que é como a epítome da heroína invencível com visual bacana, muito na linha da Noiva, em Kill Bill, resultando em uma leitura fácil, básica, mas decididamente divertida, ainda que por vezes repetitiva e “apelona” no que se refere ao nível de morticínio. É conteúdo de menos para páginas demais, não há dúvida, mas o conjunto é suficientemente harmônico e fluido para funcionar.

Fazendo parceria com James Tynion IV, temos o italiano Werther Dell’Edera capitaneando a arte de todas as edições. Com traços fortes e um estilo que constrói ambientações, personagens e criaturas que fogem do realismo e que misturam caricaturas com exageros visuais para funcionar, sem preocupações com detalhamento ou com movimentações que obedecem leis da física (de novo, não é realista e não é para ser), o artista mostra grande comando da narrativa, ganhando bastante espaço para trabalhar de seu jeito, sem economizar nas páginas duplas, nas experimentações com quadros e revelando-se muito inspirado especialmente com os caçadores humanos e sua mitologia que parece a fusão da máfia italiana com filmes dos anos 70 de artes marciais. Com relativamente poucos diálogos, esse espaço visual para Dell’Edera é, para todos os efeitos, desimpedido e ele não se faz de rogado ao aproveitar todos os momentos para fazer sua arte explodir nas páginas, com a materialização da violência criada por Tynion IV, mas sem se valer de um nível de explicitude daqueles que poderiam ser desconcertantes e desnecessariamente gráficos. Ele encontra um equilíbrio em uma história já extremamente violenta, equilíbrio esse que é outro fator que torna fácil a leitura desse volumão de quase 400 páginas.

No final das contas, porém, Something Is Killing the Children joga seguro e bem ali na “mediana” para quase que cientificamente agradar o maior número possível de leitores. A parceria de Tynion IV com Dell’Edera é azeitada e isso impede que a narrativa se perca em ação genérica e, por outro lado, faz bom uso de todos os clichês do gênero sem nenhuma vergonha de ser feliz. Não sei se há justificativa real para esse sucesso todo que a publicação teve e continua tendo, mas é perfeitamente visível o porquê de ela ter chegado ao ponto que chegou, com essas 15 primeiras edições lidando com um arco narrativo completo passado na cidadezinha atormentada por monstros sanguinário que abre caminho para um mergulho maior em Erica Slaughter e todo o potencialmente rico pano de fundo mitológico responsável por seu surgimento. Se eu fiquei surpreso com o tamanho que o projeto diminuto teve em cinco anos, eu com certeza não duvido que ele continue firme e forte por pelo menos mais cinco anos, isso se não for além.

Alguma Coisa Está Matando as Crianças – Livro Um (Something Is Killing the Children – Book One, EUA – 2019-2021)
Contendo: Something Is Killing the Children #1 a 15
Roteiro: James Tynion IV
Arte: Werther Dell’Edera
Cores: Miquel Muerto
Letras: AndWorld Design
Editoria: Gwen Waller, Eric Harburn
Editora original: BOOM! Studios
Datas originais de publicação: setembro a dezembro de 2019 e janeiro de 2020 (arco um); março e de junho a setembro de 2020 (arco dois); outubro a dezembro de 2020 e janeiro e fevereiro de 2021 (arco três)
Editora no Brasil: Devir
Data de publicação no Brasil (encadernado): dezembro de 2021
Tradução: Guilherme Miranda
Páginas: 384



[Fonte Original]

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