Star Trek: Lower Decks, uma daquelas raras séries tão prazerosas e refrescantes que eu queria que nunca acabasse, infelizmente foi cancelada pelo Paramount+ em sua quinta temporada. Como quem não tem cão caça com gato, restou-me matar as saudades da criação de Mike McMahan com a minissérie de meras três edições escrita por Ryan North que a IDW publicou em 2022 e que foi seguida por dois one-shots, um parte de um crossover com outras séries da franquia que chegou a concorrer ao prêmio Eisner e outra que é mais uma graphic novel do tipo “escolha o seu próprio caminho”. Achei que a editora não investiria mais do que de maneira esparsa nos personagens, mas, para minha felicidade, enganei-me e, no final de 2024, ela lançou uma publicação mensal de Lower Decks com North novamente no leme.
As seis primeiras edições serão colecionadas em um encadernado com o subtítulo Segundo Contato e a estrutura escolhida por North foi a de uma história completa – ou episódio completo, como queira – a cada dois números, o que resulta, aqui, em três histórias diferentes que, diferente da série, não são interligadas por um assunto maior que fica como pano de fundo. São realmente três histórias independentes, mas contadas de maneira semelhante, sempre com um “comentário” breve e hilário ao final de cada página como foi como a minissérie de 2022 que, aliás, tem seus eventos levados em consideração já que o Drácula holográfico é mencionado. Nesse (re)começo da série em quadrinhos, North cria narrativas bem diferentes uma da outra, mas que fazem uso de três dos maiores tropos narrativos de Star Trek em geral e de Lower Decks: (1) as referências às outras séries da franquia; (2) as realidades paralelas e (3) as viagens no tempo.
Enquanto que referências às outras séries são uma constante em todas as histórias, a primeira delas faz desse artifício sua base, depois que a Cerritos esbarra em uma abandonada, mas perfeita USS Bonaventure, nave da Federação desaparecida há mais de um século, o que acaba levando o grupo formado por Mariner, Tendi, Rutherford, Boimler e T’Lyn para uma arena de combate com seus “mentores” favoritos da mitologia de Star Trek, valendo especial destaque para o pedido de Boimler, que é o de ter Picard como seu mentor, mas não qualquer Picard, mas sim o Picard no começo da série A Nova Geração em que ele era mais ríspido. Na segunda história, um sistema solar desaparece e a Cerritos descobre que uma dimensão paralela está para tomar o lugar da dimensão normal, levando-os a enfrentar criaturas incorpóreas que, claro, passam a controlar a tripulação. Finalmente, no terceiro arco, os oficiais saem em um missão secreta pelo tempo, enquanto Mariner, descobrindo o segredo, arregimenta seus amigos para fazer o mesmo e descobrir quem está alterando a linha temporal.
As três histórias são muito boas e, tenho certeza, funcionariam maravilhosamente bem como três episódios da série animada de McMahan. No papel, porém, a coisa muda de figura, pois, diferente do que Ryan North fez na minissérie de 2022, em que ele conseguiu equilibrar aventura e texto, aqui ele privilegia muito mais os diálogos longos e razoavelmente complexos, freando um pouco a cinética da narrativa. Fica evidente que o próprio North sabe que explicar os conceitos todos que ele precisa explicar – as famosas “tecnobaboseiras” – para suas ideias funcionarem não é fácil e ele faz uso de bons expedientes para criar um ambiente jocoso que conversa bem com o leitor, mas isso acaba não sendo o suficiente para tornar ágeis as viradas de páginas. Cada história varia um pouco nesse quesito, evidentemente, mas todas elas carregam esse problema nos ombros que tiram um pouco do brilho que elas certamente teriam na telinha. Além disso, o artifício de “comentar” cada página ao seu fim fica um pouco cansativo, mesmo que sejam uma ou duas frases somente.
A arte, apesar de haver mudança da equipe da duas primeiras edições para as restantes, não muda consideravelmente, já que deve ter havido uma decisão editorial de se manter tanto quanto possível o exato visual da série, de maneira a não dificultar a transição de espectadores para leitores. Apesar de entender essa escolha, especialmente nesse começo de uma nova série, gosto mais quando os artistas têm a liberdade de aplicar seus estilos e, sinceramente, espero que isso aconteça em futuro próximo.
Mesmo assim, o primeiro encadernado da mensal de Lower Decks é inegavelmente divertido e inteligente, com North capturando com precisão a maneira como McMahan sempre trabalhou a série. Há, sem dúvida alguma, uma infinitude de possiblidades nos quadrinhos, já que a série foi cancelada e será um prazer acompanhar as aventuras de Mariner e companhia mesmo que seja na versão em papel (ou digital, claro, se essa for sua praia).
Star Trek: Lower Decks (2024) – Vol. 1: Segundo Contato (Star Trek: Lower Decks (2024) – Vol. 1: Second Contact – EUA, 2024/25)
Contendo: Star Trek: Lowers Decks (2024) #1 a 6
Roteiro: Ryan North
Arte: Derek Charm (#1 e #2), Jack Lawrence (#3 a #6
Cores: Charlie Kirchoff (#3 a 6)
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Cassandra Jones, Heather Antos
Editora: IDW Publishing
Datas originais de publicação: 13 de novembro e 18 de dezembro de 2024; 15 de janeiro, 12 de fevereiro, 12 de março e 09 de abril de 2025
Páginas: 168