- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da franquia Gremlins.
Lançada em duas partes de cinco episódios cada separadas por pouco mais do que sete meses, a segunda temporada do prelúdio animado do clássico Gremlins, que conta a história de como o ancião Sr. Wing conheceu o fofíssimo Gizmo, desloca a ação para os Estados Unidos, inicialmente para São Francisco, depois que o jovem Sam Wing (Izaac Wang) e os demais descobrem que Mogwais maus foram para lá, algo que serviu de cliffhanger na supreendentemente boa primeira temporada da série criada por Tze Chun. No conjunto, a nova temporada ganhou o novo subtítulo The Wild Batch, traduzido por aqui como A Geração Selvagem – uma referência direta ao segundo filme da franquia -, ainda que o serviço de streaming em que a obra foi disponibilizada tenha mantido o subtítulo original na tela de apresentação da série, o que decidir repetir em minha crítica.
Tratam-se de duas partes marcadamente diferentes, a primeira delas lidando essencialmente com Sam, Elle (Gabrielle Nevaeh Green), que descobrimos que se chama Elle-Marie, e Gizmo (A.J. LoCascio), ao lado de Chang (Simu Liu), filho do chefão de Chinatown que eles conhecem em Alcatraz logo no primeiro episódio, tendo que lutar contra o novo chefão local que, claro, é ninguém menos do que Algernon/Cabeça (George Takei em mais um excelente trabalho de voz), agora Chefe Cabeça, o Mogwai mau superinteligente e falante que apareceu na temporada inaugural. Na segunda, o grupo parte em uma jornada pelo meio-oeste dos EUA em busca do deus da água Kung Kung para soltá-lo de sua prisão de forma que Elle consiga salvar a vida de sua mãe que se tornara uma espécie de ninfa da água. Permeando as duas partes, há um mistério: o sempre pacato e bonzinho Gizmo começa a perder o controle e, com os olhos vermelhos, passa a ter comportamento semelhante aos Mogwais maus.
Nenhuma das duas partes, porém, consegue chegar ao nível de qualidade da temporada anterior que se esforçava para ampliar a mitologia dos Mogwai, mas de maneira restrita às criaturas, sem desviar muito desse foco. No segundo ano, as comportas para um mundo mágico são escancaradas, começando já no primeiro episódio com uma Alcatraz mal-assombrada controlada por carcereiros desmortos e continuando com a história da mãe de Elle que deágua (he, he, he) no tal Kung Kung, que poderia muito bem ser um kaiju de filmes e séries japonesas. No entanto, a temporada continua divertida e tem bons momentos, especialmente na primeira metade em que a história de como Cabeça tornou-se o chefão de Chinatown é bem diferente daquela que poderíamos imaginar, com uma boa subversão de expectativas que chega até mesmo a reposicionar o superinteligente Mogwai na série, retirando-lhe a pecha de vilão unidimensional e abrindo espaço para bem mais, o que abre espaço para a performance vocal de Takei que elogiei mais acima.
Quando a ação sai de São Francisco e começa a ganhar contornos de faroeste, ela perde um pouco o fôlego e até mesmo suas raízes nos Gremlins, já que eles se tornam raros e são basicamente substituídos pelo restante da família Wing que chega esbaforida aos EUA atrás de Sam. Há ainda boas ideias, como uma cidade cujos habitantes são todos fugitivos da lei e os fantasmas de personagens famosos – reais ou não – da mitologia americana, como o xerife afrodescendente Bass Reeves (Keith David), o líder militar nativo americano Gerônimo (Michael Greyeyes) e o pioneiro Johnny Appleseed (Timothy Olyphant), mas elas só contribuem para afastar a temporada daquilo que deveria ser seu foco, ou seja, os Mogwais. Sim, Gizmo e Cabeça continuam abrilhantando a telinha, mas só. Aquela anarquia e caos que nos acostumamos a imaginar quando pensamos em Gremlins e que está muito presente na temporada inaugural fica por um bom tempo no banco de reservas nesse segundo ano, enfraquecendo a impressão de conjunto.
Pelo menos o design de personagens e a animação em si continuam excelentes, com uma recriação “mística” de locações icônicas da Costa Oeste dos EUA no começo do século XX que funciona à perfeição, além da reimaginação dos personagens icônicos que mencionei acima. A animação em 3D suavizada para um pseudo-2D pelo uso de cel shading, cortesia dos estúdios Blue Spirit Productions and 88 Pictures, é dinâmica, fluida e muito bonita, impressão amplificada pela oportunidade que se tem de trabalhar cenários ainda mais expansivos que os da primeira temporada, notadamente o deserto americano e os dois episódios finais que lidam com o gigantesco Kung Kung. Pode ser que Tze Chun não tenha conseguido alcançar o potencial que o desenvolvimento da mitologia dos Mogwai certamente tinha, mas a segunda temporada sem dúvida diverte, mesmo que também desaponte aqui e ali.
Gremlins: Segredos dos Mogwai/A Geração Selvagem – 2ª Temporada (Gremlins: Secretes of the Mogwai/The Wild Batch – EUA, 03 de outubro de 2024 e 10 de abril de 2025)
Desenvolvimento: Tze Chun (baseado em personagens criados por Chris Columbus)
Direção: Jasmine Goggins, Vaughn Ross, Stephanie Gonzaga, Alexandra Chiu
Roteiro: Tze Chun, Anna Christopher, Brendan Hay, Sarah Nerboso, Felicia Ho, Jo Claes
Elenco: Izaac Wang, Ming-Na Wen, B. D. Wong, James Hong, A. J. Locascio, Gabrielle Nevaeh Green, George Takei, Simu Liu, Yael Grobglas, Eric Bauza, Michael Paul Chan, Grey DeLisle, Sungwon Cho, Keith David, Will Forte, Zach Galligan, John Glover, Michael Greyeyes, Alex Hernandez, Keisuke Hoashi, Kelly Hu, Haviland Morris, Laraine Newman, Timothy Olyphant
Duração: 230 min. (10 episódios)