Em um dia que já vinha sendo contaminado pelo fluxo de notícias em torno da guerra comercial, o discurso do presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, pesou sobre os ativos dos EUA nesta tarde. Ele alertou para os efeitos da política tarifária sobre a economia americana, reiterou que não há pressa para cortar juros e afirmou que o banco central não irá intervir caso o mercado de ações afunde. As bolsas de Nova York fecharam em firme queda nesta quarta-feira, puxados pelo setor de tecnologia. Os rendimentos dos Treasuries e o dólar também ampliaram as perdas durante as declarações de Powell.
Em Wall Street, o índice Dow Jones teve queda de 1,73%, aos 39.669,39 pontos, o S&P 500 recuou 2,24%, aos 5.275,70 pontos, e o Nasdaq cedeu 3,07%, aos 5.275,70 pontos, aprofundando as perdas vistas mais cedo. No S&P 500, tecnologia (-3,94%) liderou as perdas, um setor que já apresentava queda desde a abertura, com a notícia de que o governo americano aplicou restrições à venda de chips IA H20 da Nvidia e MI2308 da AMD e semelhantes para a China. Ambas as empresas ficaram entre as maiores quedas do Nasdaq, com a AMD terminando o dia em baixa de 7,35% e a Nvidia, de 6,87%.
Nesta tarde, Powell alertou que os efeitos da política comercial americana provavelmente irão afastar o banco central americano de suas duas principais metas: a estabilidade de preços e o máximo emprego, uma vez que a desaceleração da economia deve afetar o mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, ele reiterou que a política monetária está bem posicionada e sinalizou que não pretende se apressar para tentar acalmar os mercados.
“Podemos nos deparar com um cenário desafiador em que as metas do nosso duplo mandato entrem em conflito. Se isso acontecer, iremos considerar o quão distante a economia está de cada uma dessas metas e os diferentes horizontes de tempo em que essas lacunas poderão ser fechadas”, ele disse em evento nesta tarde. Ao ser perguntado, após o discurso, se o Fed interviria caso o mercado de ações despencasse, Powell respondeu: “Não”.
Na visão do JPMorgan, o ponto mais notável do discurso de Powell foi a repetição de que o Fed está bem-posicionado para esperar por maior clareza antes de considerar qualquer ajuste na postura da política monetária, o que também foi dito por outros dirigentes do Fed. Para o banco, o próximo movimento será de afrouxamento monetário, porque o desemprego alto deve durar mais do que a inflação elevada. No entanto, em linha com o discurso desta terça, os analistas não esperam que esse movimento ocorra em breve.
O consultor econômico-chefe da Allianz, Mohamed El-Erian, diz que a queda no mercado de ações refletiu a mensagem de que o Fed não irá correr para cortar os juros americanos. No entanto, ele pondera por que os rendimentos dos Treasuries não reproduziram isso, especialmente em um momento em que o mercado de títulos americanos está sob pressão. “Suspeito que isso tenha a ver com a percepção no mercado de renda fixa de que o Fed será forçado a cortar os juros em junho, à medida que o desemprego aumente nos próximos meses”, disse.
Por volta das 18h (de Brasília), os rendimentos dos Treasuries com vencimento em dois anos caíam para 3,784%, de 3,864% no fechamento anterior, e os rendimentos dos Treasuries com vencimento em dez anos recuavam para 4,282%, ante 4,339% na última sessão. O índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente uma cesta de outras seis moedas fortes, registrava queda de 0,94%, aos 99,27 pontos.
Em nota, Steven Ricchiuto e Alex Pelle, economistas do Banco Mizuho, explicam que, para parte do mercado, a inclinação da curva de juros futuros está sendo causada pela fuga dos investidores estrangeiros em resposta à guerra comercial de Trump e o aumento dos juros reais acabará sufocando o crescimento. Diante disso, os investidores estão especulando que o Fed será forçado a reduzir os juros para sustentar a liquidez. No entanto, eles veem que não haverá necessidade de novos cortes.
“Com um sistema financeiro sólido, mercados ainda favoráveis e ampla liquidez, não há motivos que justifiquem novos cortes de juros”, dizem os economistas. “Os possíveis efeitos inflacionários de um choque de oferta, comparados a um crescimento real um pouco menor, reforçam nossa projeção de que não haverá cortes do Fed em 2025.”