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terça-feira, abril 29, 2025

‘Correção de rota’ de Trump terá de vir por pressão interna, diz Azevêdo

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O diplomata aposentado e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) Roberto Azevêdo acredita que Donald Trump poderá dar o braço a torcer e suavizar sua política tarifária se o Congresso, o Judiciário e empresas privadas americanas começarem a exercer pressões mais incisivas sobre o governo.

“Acho que uma correção de rota dificilmente virá da Casa Branca espontaneamente”, disse Azevêdo. Para ele, a pressão por ajustes nas novas regras ganhará força quando os consumidores passarem a sentir os efeitos das altas do preços dos importados e a economia americana entrar em marcha lenta ou em marcha ré. “Há uma expectativa crescente nos Estados Unidos de um cenário de recessão se avizinhando. Que a inflação vai subir é uma certeza matemática.”

Azevêdo liderou a OMC entre 2013 e 2020. Atualmente é presidente global de Operações da Ambipar, grupo privado de soluções ambientais. Ele concorda com muitos analistas que veem a nova política americana como uma ruptura à ordem global. E diz que as disputas entre os EUA e os países mais afetados pelas tarifas acabarão atingindo outros campos das relações diplomáticas. A seguir, os principais trechos da entrevista que Azevêdo concedeu ao Valor da casa onde vive em Stamford, Connecticut:

Valor: Como definir as mudanças trazidas pelas tarifas impostas pelos EUA?

Roberto Azevêdo: Acho que estamos vivendo um momento verdadeiramente histórico, e eu não estou usando essa palavra de maneira leviana. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando foram criadas as instituições de Bretton Woods, as Nações Unidas, o sistema veio evoluindo ao longo dos anos. Estamos falando de 1947, quase 80 anos atrás. A ordem internacional, seja política, seja a econômica – com as Nações Unidas, o Conselho de Segurança, a Organização Mundial de Saúde, Organização Internacional do Trabalho, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, que antes era Gatt – o sistema veio evoluindo. O sistema que existe hoje não é o mesmo que existia em 1947, quando foi criado. Ele foi evoluindo com negociações, com adaptações, e a realidade política e econômica foi mudando ao longo dos anos.

O que estamos vendo hoje não é mais uma evolução, mas uma ruptura com aquele modelo e com aquela ordem internacional que veio evoluindo ao longo das últimas oito décadas. Como isso acontece? Sobretudo na área econômica, com as tarifas que o presidente Trump está adotando, que violam todas as regras que foram acordadas ao longo desse período, mas também na ordem política. A retirada dos EUA da Organização Mundial de Saúde, da Convenção do Clima e colocando em questionamento vários outros organismos e agências. Então, efetivamente, é uma ruptura muito forte, muito grave e nós não sabemos dizer o que vai substituir essa ordem, o que vem depois disso.

Valor: Ao promover tamanha ruptura, tamanho descontentamento pelo mundo, os EUA estão se tornando um país menos confiável?

Azevêdo: Tendo presente que o que está acontecendo neste momento é a ruptura de vários acordos, inclusive que aconteceram durante o primeiro mandato do presidente Trump. Um negociador, qualquer que seja ele, que aceite, pelo valor de face, o que os americanos vierem a oferecer ou a apresentar estará diante de um risco acentuado. Aceitar o que for apresentado em uma negociação sem levar em consideração todo o contexto político e econômico subjacente ao momento que nós vivemos hoje, seria um risco muito alto para esse negociador.

Valor: China e Europa já anunciaram suas reações às tarifas americanas. O que esse aumento generalizado nas tarifas poderá causar à economia mundial?

Azevêdo: Se olharmos para a história, a última vez que vimos um movimento parecido com esse foi em 1930, quando os EUA subiram suas tarifas com aquela lei Smoot-Hawley, que é o que nós temos de mais próximo do que está acontecendo hoje. Em 1930, os EUA, através dessa lei, subiram as tarifas com argumentos parecidos, inclusive necessidade de aumentar a arrecadação fiscal. E o que, na verdade, levou à grande depressão comercial [não estou falando da depressão econômica; a depressão econômica aconteceu e ia acontecer, não necessariamente está ligada a isso], quando em quatro anos dois terços do comércio global desapareceu, não foi apenas a subida das taxas americanas, foram as retaliações impostas depois.

Valor: A animosidade entre EUA e vários países, criada pelas tarifas, tende a contaminar outras áreas das relações bilaterais? Ou disputas como essa começam e terminam limitadas à seara comercial?

Azevêdo: Raramente. Muito provavelmente, eu diria com uma altíssima probabilidade, elas vão contaminar outras áreas da política internacional. E isso, sobretudo, no caso em que nós estamos vendo as tarifas sendo usadas para pressionar outros países para conseguir objetivos que não têm nada a ver com objetivos comerciais. Inicialmente, pelo menos, Canadá e México, em que os EUA pediam um controle maior das fronteiras para evitar tráfico de drogas, conter fluxos migratórios. No caso até da Dinamarca com a questão da Groenlândia. Enfim, a probabilidade de que as tensões que vão surgir no contexto comercial, que elas atinjam outros aspectos da política internacional, isso me parece um dado quase que certo.

Por exemplo, do ponto de vista geopolítico. Não é por acaso que você vê a China hoje com diálogos de alto nível muito mais intensos com tradicionais parceiros americanos, no caso da Europa, no caso do Japão, no caso da Coreia. Essas conexões internacionais, as rotas das cadeias de suprimento, tudo isso terá que ser repensado. A confiabilidade dos parceiros precisará ser requalificada.

Haverá uma competição predatória na busca de mercados. E nada disso ajudará o crescimento econômico global”

— Roberto Azevêdo

Valor: Com os mercados financeiros reagindo de forma tão negativa é de se esperar que haja alguma correção de rota na política das tarifas por parte de Trump?

Azevêdo: Acho que uma correção de rota dificilmente virá da Casa Branca espontaneamente. Mas poderá vir caso, sobretudo o Congresso americano, o próprio sistema judiciário americano e outros começarem a colocar pressão na administração Trump, inclusive o setor privado. A queda dos mercados não é por acaso, não é acidental. Há uma expectativa crescente nos EUA de um cenário de recessão se avizinhando. Que a inflação vai subir é uma certeza matemática. Não resta dúvida que a inflação vai subir. Podemos discutir com que velocidade os preços vão subir, em que grau, mas que os preços vão subir é uma realidade inescapável.

A única coisa que pode conter essa pressão inflacionária é uma recessão brutal, em que a demanda vai cair e por falta de demanda os preços não vão subir. Quem ganha com o aumento das tarifas? Alguns setores nos EUA. A ideia é, inclusive, de trazer indústrias e fábricas para dentro dos EUA. Isso não acontecerá da noite para o dia. É um processo que vai levar, talvez, um quinquênio. Não vai acontecer durante o governo Trump.

Os beneficiários serão pontuais, setoriais. Alguns Estados que talvez recebam as indústrias. Algumas milhares de pessoas que vão conseguir empregos nessas fábricas, nesses setores que estão se estabelecendo nos EUA. Isso no caso em que essa transposição para o território doméstico seja possível, que nem sempre será. Seja por questões de logística, de viabilidade econômica, dos meios de produção. Então teremos esse processo que não será imediato, será de longo prazo.

Segundo, os beneficiários serão localizados, serão tópicos, mas haverá um custo que vai se alastrar pela economia inteira. Porque a inflação vai pegar todo mundo, vai pegar toda a população, independentemente da sua orientação ideológica ou econômica. As pessoas serão afetadas. A recessão econômica vai tirar oportunidades de emprego, vai desempregar pessoas em todo o espectro dos setores produtivos. Isso será uma tensão política interna muito real e elevada. Não sei dizer até que ponto essa política da Casa Branca conseguirá ir adiante sem ajustes de curso à luz dessas pressões. Agora, como que esses ajustes serão feitos, de que maneira, com negociações, sem negociações, isso não tenho como dizer e duvido que alguém possa.

Valor: Qual será o impacto para o comércio e para a economia global se esse novo quadro de tarifas perdurar por este ano todo?

Azevêdo: É outra certeza matemática. As tarifas em todos os continentes, seja aplicada contra quem seja, produzirá claramente dois fenômenos. O primeiro, é um fenômeno da redução do comércio global. Até porque a demanda vai diminuir. E a segunda coisa que vai acontecer é a reorientação dos fluxos comerciais. Produtos que iriam para um mercado, que de repente se fechou, esses produtos vão procurar outros mercados. E esses outros mercados vão querer se proteger. A União Europeia está falando que já vai começar a se preparar para o influxo de produtos chineses. A União Europeia apenas disse o que todo mundo está pensando, que produtos que iriam para os EUA, ou para a China, ou para a Europa, ou para a Índia, iriam para onde quer que fosse, de repente vão ter que encontrar um outro lugar. Haverá uma competição predatória na busca de mercados. E nenhum desses fenômenos ajuda o crescimento econômico global.

Valor: Apesar dos dobramentos negativos, há espaço para ganhadores em outros países? No caso do Brasil, como produtor de commodities alimentares e minerais: há um novo espaço para exportadores brasileiros explorarem?

Azevêdo: Não tenho dúvida. Hoje eu estava prestando atenção no noticiário americano e em três ou quatro entrevistas diferentes o Brasil foi citado como um potencial ganhador, pelo menos no curto prazo desse possível fechamento de mercados para produtos agrícolas americanos, commodities americanos. Então, isso, sim, pode acontecer. Agora, por outro lado, qual a garantia que nós temos que a situação não vai ser alterada mais à frente? Eu acho que esses são ganhos pontuais, alguns setores no Brasil podem se beneficiar disso de maneira pontual e de curto prazo. A longevidade desse ganho é difícil de dizer. No curto prazo, sem dúvida alguns setores brasileiros verão oportunidades. Não sei exatamente quais. Dependerá muito de como essas negociações internacionais vão evoluir e como que esses arranjos para evitar retaliação e tarifas recíprocas podem se desenvolver e afetar os nossos fluxos de comércio.

Valor: A Malásia está tentando articular uma reação conjunta dos países do sudeste da Ásia. O senhor prevê reações coordenadas aos EUA começarem a acontecer?

Azevêdo: Seria quase que impensável achar que os países não iriam se coordenar. Se eu fosse um negociador eu iria procurar saber o que os outros estão pensando em fazer. A forma como essa coordenação acontecerão, os resultados dessa coordenação, o êxito dessas coordenações que vão acontecer, tudo isso é difícil de prever. Mas imaginar que vão todos ficar calados, olhando só para o seu umbigo tentando negociar bilateralmente com os EUA, eu acho que é uma visão muito limitada.

Valor: Essa coordenação fortaleceriam países a pressionar os EUA?

Azevêdo: Difícil saber qual será o efeito. Difícil dizer porque um movimento desse tipo pode gerar até reação antagônica dos EUA de querer dobrar a posta.

Valor: No caso do Brasil, seria uma coordenação com os parceiros dos Brics ou com outros países sul-americanos?

Azevêdo: Em uma situação como essa o país tem que testar tudo, falar com todos, ver todas as possibilidades e tentar fazer uma estratégia que tenha a maior probabilidade de êxito possível.

[Fonte Original]

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