O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, enfatizou que a autoridade monetária fez um “esforço grande” para avançar para um terreno de juros contracionistas com alguma segurança e destacou o comportamento recente das expectativas de inflação. O dirigente, porém, enfatizou que há necessidade de ter “flexibilidade e cautela” diante de um aumento das incertezas globais e disse que a dinâmica das expectativas inflacionárias ainda demanda vigilância por parte do BC.
Os comentários foram feitos durante a participação de Galípolo em um painel de um evento da J.Safra Asset nesta segunda-feira. “Precisamos ter a certeza de que a inflação está convergindo e a política monetária está tendo os efeitos desejados”, disse o dirigente, ao enfatizar que as expectativas ainda estão desancoradas e que há uma necessidade de “dar o devido tempo” para os efeitos da política monetária.
Na avaliação de Galípolo, há um “descompasso” no momento entre a política monetária brasileira e o mundo, “muito em função do comportamento doméstico, de uma economia que segue mostrando resiliência e um dinamismo maior”.
Nesse sentido, ele também nota que há alguma inversão no comportamento das expectativas inflacionárias deste ano, enquanto ocorre o contrário no mundo.
Galípolo ressaltou que há algumas vantagens do ponto de vista do Brasil em relação à guerra comercial em vigor. No evento, ele comentou que o país pode ganhar espaço do ponto de vista da exportação de commodities e observou que há uma dependência menor das exportações e um maior “driver” da economia doméstica para crescimento, além de o Brasil ter uma diversificação grande de parceiros comerciais, segurança alimentar e energética, um volume robusto de reservas internacionais e um setor privado com exposição menor a dívida em dólar sem algum tipo de hedge.
Além disso, o dirigente deu destaque às discussões que emergiram com o início da guerra comercial, como os impactos fiscais e as discussões sobre ativos seguros. Na visão do dirigente, não há uma sinalização de mudança mais rápida sobre uma saída dos ativos americanos nem sobre uma substituição do dólar ou do mercado de Treasuries.
“A profundidade do mercado americano, hoje, é praticamente impossível de substituir. O mercado de títulos é praticamente dez vezes maior que o europeu”, exemplificou Galípolo.
Ele apontou, ainda, que há um sentimento de maior “desconforto” com a relação dívida/PIB de alguns países avançados. “Permanece a discussão sobre sustentabilidade no tempo e que demandaria algum tipo de mudança mais estrutural para desviar dessa rota”, afirmou o dirigente.
Ao ser perguntado se uma desaceleração no mercado de trabalho seria um fator necessário para que o Banco Central reduza o grau de aperto monetário, Galípolo preferiu não apontar uma variável de forma isolada, mas afirmou que esse seria um processo “lógico e esperado” dos efeitos do aperto monetário.
“Sempre existe o desejo de identificar qual é a variável, mas a gente quer reunir o maior número possível de variáveis para ter confiança de que o processo de aperto monetário está levando a inflação para onde a gente quer”, apontou.
Falando sobre o mercado de trabalho, o presidente do BC afirmou que preferia não indicar um ponto específico, mas que a instituição entende que um arrefecimento seria um processo natural e vem indicando isso em sua comunicação recente.
“Está bastante claro na nossa comunicação de que quando dizemos que estamos aguardando os processos naturais, esperados e lógicos de defasagens da política monetária, é destes mecanismos que estamos falando. A gente espera justamente nessa ordem [demanda desacelerando, produção desacelerando e, em seguida, o mercado de trabalho] de como os fios são cortados em um processo como esse. De onde começamos a assistir a desaceleração, até chegar em outros setores, até vermos um processo de convergência de inflação”, afirmou Galípolo.
Assim, segundo o presidente da instituição, a discussão sobre uma “desinflação imaculada” – ou seja, uma redução nos preços que não provocasse uma desaceleração na atividade econômica – ficou para trás.
“Não há uma variável que sirva como um gatilho, até porque estamos bastante incomodados com as expectativas, que continuam bastante desancoradas. A gente quer entender e em que patamar precisamos deixar os juros para atender à meta”, apontou.
Sobre o comportamento da inflação implícita (expectativa de inflação refletida nas taxas de juros dos títulos públicos), Galípolo afirmou que, apesar da melhora apresentada desde o último Copom, foi um período bastante volátil em termos de mercado, o que “costuma sujar o processo”. “É claro que vamos levar em conta essas informações, mas devemos ter uma dose de cautela adicional para o consumo desses dados”, finalizou.