As deliberações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre seus planos de impor as chamadas tarifas recíprocas se aproximam cada vez mais do momento decisivo, mas sua equipe ainda está finalizando o grau e a abrangência dos novos impostos sobre os produtos importados pelo país, que ele revelará na tarde desta quarta-feira (2).
Em reuniões na terça-feira (1), a equipe de Trump continuava a discutir as opções na mesa antes do evento de anúncio das medidas, no Jardim das Rosas, da Casa Branca, programado para começar nesta quarta-feira, às 17h no horário de Brasília, horário de fechamento dos mercados financeiros dos EUA. Embora o próprio Trump tenha dito no início da semana que já havia “definido” uma abordagem, a Casa Branca ainda não chegou a uma decisão firme sobre o plano tarifário, segundo fontes.
Comenta-se que há várias propostas em consideração, como de aplicar um sistema tarifário com dois escalões de alíquotas fixas para os países e outra de um plano de reciprocidade mais particularizado, caso a caso. Na primeira opção, os países veriam seus bens se tornando alvos de uma alíquota de 10% ou de uma de 20%, dependendo de suas barreiras tarifárias e não tarifárias sobre produtos dos EUA.
A menos de 24 horas do anúncio de Trump, Washington e Wall Street amanheceram na terça-feira dominadas por rumores e sussurros, em meio à corrida para tentar descobrir os detalhes finais, na qual se acotovelavam empresas, países e os lobistas que são pagos para influenciar a agenda do presidente. O “The Wall Street Journal” noticiou que assessores de Trump estudavam uma opção mais particularizada. Já a rede de TV americana Fox News informou na terça que Trump ainda cogitava uma alíquota global fixa de 20%.
Em meio a toda a especulação, a Casa Branca permaneceu em silêncio a respeito dos detalhes do plano de Trump, antes do anúncio formal do presidente.
No início desta quarta-feira na Ásia e Europa, os mercados financeiros aguardavam os detalhes com apreensão. As ações retomaram trajetória de queda, os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA mantiveram-se próximos dos níveis mais baixos em um mês e o ouro subiu para uma cotação pouco abaixo de seu recorde recente. Nesse meio-tempo, autoridades monetárias dos EUA e de outros países levantaram novas preocupações sobre as perspectivas para o crescimento econômico, a confiança do consumidor e a inflação.
O Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse a parlamentares que as tarifas representaram um teto – o nível mais alto que teriam; depois, os países-alvo poderiam tomar medidas que permitiriam reduzir as alíquotas, disse o deputado republicano Kevin Hern, de Oklahoma, à rede de TV americana “CNBC”. Antes, na terça-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que as tarifas entrariam em vigor de imediato, mas que Trump estaria aberto a negociações futuras.
“Certamente, o presidente está sempre disposto a atender um telefonema, sempre disposto a uma boa negociação”, disse ela.
Levando tudo em consideração, as movimentações de último minuto indicam que a abrangência e os detalhes do tão aguardado anúncio ainda estão em transformação mesmo enquanto o foco já começa a passar para toda a pompa do evento – apelidado de a celebração do “Tornar os EUA Ricos de Novo”.
Membros do gabinete ministerial e parlamentares foram convidados para o anúncio, assim como representantes de trabalhadores e executivos da indústria siderúrgica americana, segundo as fontes. A equipe de Trump planeja se espalhar pela mídia ao longo do dia para promover a visão do presidente, disse Harrison Fields, porta-voz da Casa Branca, na terça, em entrevista.
Mesmo com a proximidade do evento, abordagens mais generalizadas ainda permanecem na mesa.
Sob a abordagem de dois escalões, as alíquotas mais altas seriam aplicadas aos países vistos como os maiores infratores, tanto em termos de tarifas propriamente ditas quanto de medidas não tarifárias que são facilmente quantificáveis e funcionam como barreiras às importações dos EUA. Nesta semana, por exemplo, a Casa Branca criticou as práticas comerciais da União Europeia (UE), Japão, Índia e Canadá.
Sob outra abordagem, os EUA aplicariam alíquotas recíprocas particularizadas, sob medida para cada país, com base nas que eles cobram e em suas barreiras não tarifárias. Essa abordagem foi sinalizada publicamente durante semanas, mas algumas deliberações recentes indicam que ela não está mais no cerne do plano.
Também houve conversas sobre voltar à proposta original de Trump: uma tarifa global fixa, a ser aplicada de forma uniforme sobre trilhões de dólares em importações. Além disso, o “The Wall Street Journal” também noticiou que Trump estuda um plano mais direcionado, que aplicaria uma alíquota inferior a 20% a um grupo mais restrito de países.
“[Trump está] com sua equipe de comércio exterior e tarifas, neste momento, aperfeiçoando isso para garantir que seja um acordo perfeito para o povo americano e o trabalhador americano, disse ontem Leavitt a repórteres.
Seja qual for a abordagem que Trump enfim adotar, as tarifas poderiam ter amplo alcance e atingir até países com os quais os EUA não têm um desequilíbrio comercial, de forma que seriam um dos maiores novos impostos de importação na história dos EUA.
As tarifas também abririam uma janela para novas negociações com os diversos países, muitos dos quais já conversavam com autoridades do governo antes do anúncio, de forma que novos acordos comerciais podem fazer com que as alíquotas continuem sendo modificadas ao longo das próximas semanas e meses.
Mesmo assim, as novas tarifas já poderiam ser aplicadas rapidamente, afetando cargas já a caminho dos EUA.
Embora a Casa Branca tenha dito que as tarifas entrariam em vigor de imediato, é mais provável que sejam impostas às 00h01 da quinta-feira (3), horário de Nova York, quando as taxas que incidem sobre as importações de automóveis também começam a valer. O governo adiou a implementação de algumas tarifas anunciadas anteriormente, sobre bens chineses, mexicanos e canadenses, em razão de preocupações logísticas. Agora, situações semelhantes poderiam voltar a entrar em cena.
O processo interno frenético e a correria de última hora não são incomuns para Trump, que adotou uma abordagem semelhante no caso das tarifas automotivas anunciadas na semana passada. No entanto, isso também sinaliza que há um debate interno genuíno sobre uma questão que, segundo alertam analistas externos, poderia levar o país a uma recessão.
A incerteza tem sacudido os mercados, levando economistas a reduzir suas projeções de crescimento e forçado bancos centrais a passar a levar em conta o possível impacto inflacionário dos custos das importações.
Trump quer arrecadar US$ 700 bilhões ao ano com as tarifas, disse um de seus assessores comerciais de linha mais dura, Peter Navarro, no domingo.
Na segunda-feira, Trump disse que já tomou uma decisão “há muito tempo”, mas sem revelá-la. Leavitt reiterou a declaração, embora a Casa Branca tenha se recusado a comentar sobre as várias propostas supostamente em estudo.
Outras questões importantes continuam indefinidas, como o destino das tarifas já aplicadas à China, Canadá e México, e depois em parte retiradas para os dois vizinhos. A Casa Branca não informou se elas seriam substituídas pelas que vão ser anunciadas por Trump nesta quarta-feira ou se sua decisão de isentar bens comercializados sob o pacto comercial continental também poderia ser de alguma forma estendida às novas taxas. O presidente também prometeu tarifas futuras para produtos de setores considerados chave, como o farmacêutico, o de semicondutores e o madeireiro.