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- Author, BBC News Mundo
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Quando era criança, Amanda Nguyen, filha de refugiados vietnamitas nos Estados Unidos, costumava parar diante do céu para contar estrelas antes de entrar em casa.
Ela e a mãe tinham um ritual doloroso: depois de matar o tempo numa livraria ou biblioteca, a mãe entrava primeiro na casa para verificar se o pai — um homem violento e abusivo — estava de bom humor.
Talvez tenha sido esse hábito de buscar refúgio entre as estrelas que despertou o amor de Amanda pela astronomia.
Esse amor a levou, em 14 de abril, a se tornar a primeira mulher vietnamita a viajar ao espaço, integrando a primeira tripulação formada só por mulheres desde o voo solo da soviética Valentina Tereshkova, em 1963.
Mas — e sem diminuir a importância desse feito — esse não foi o primeiro marco extraordinário da trajetória de Amanda Nguyen, hoje com 33 anos.
Em 2016, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sancionou uma lei proposta por Nguyen para proteger os direitos de sobreviventes de violência sexual. Em 2019, ela foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz. Em 2022, foi eleita uma das mulheres do ano pela revista Time.
E isso sem contar que, em 2014, fundou a ONG Rise, dedicada à defesa de vítimas de violência sexual, e publicou sua autobiografia em março de 2025.
Um antes e um depois
Pode-se dizer que a vida de Nguyen se divide em duas fases: antes e depois de 2013.
Faltando apenas três meses para se formar em Astrofísica pela Universidade de Harvard — e poucos dias para completar 22 anos —, Amanda foi estuprada durante uma festa de fraternidade. Seus sonhos de ser astronauta da Nasa ou espiã da CIA pareciam ter ruído.
Depois de uma avaliação médica no hospital, uma enfermeira lhe explicou suas opções: ela poderia autorizar a coleta de amostras de DNA para exame forense vinculadas ao seu nome ou anonimamente, caso decidisse prestar queixa formal mais tarde.
Os prazos para denunciar um estupro nos EUA variam de acordo com o estado, mas, em Massachusetts, onde Nguyen vivia, é possível fazê-lo até 15 anos após o crime.

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Nguyen escolheu o anonimato. Após anos de dedicação aos estudos, sabia que tanto a Nasa quanto a CIA investigam rigorosamente o histórico dos candidatos — inclusive se há processos judiciais em aberto. Optou por não associar seu nome às provas naquele momento, para não comprometer seus planos futuros.
Sabia também, porque fora alertada, que levar um caso de estupro aos tribunais poderia levar de dois a três anos — e que a taxa de condenações girava em torno de 1%.
Poucos dias depois, ainda abalada pelo trauma, recebeu uma notícia absurda e devastadora: teria que pagar cerca de US$ 5 mil pela análise de DNA, que seria destruída em seis meses.
“O sistema estava contra mim, parecia manipulado. E isso me pareceu uma traição ainda maior do que ter sido estuprada”, disse Nguyen ao jornal britânico The Guardian, anos depois.
A jovem brilhante e entusiasmada de Harvard parecia ter desaparecido.
“Foi como uma transformação química. Eu tinha perdido a vida. Me sentia o esqueleto daquela estudante feliz. Como uma folha seca que nunca mais voltaria a ser verde.”
“Mas eu podia me transformar em outra coisa”, completou — e foi o que fez. Converteu o trauma em combustível para lutar.
Ativista por acidente
Sem planejar, Amanda se tornou uma das principais ativistas pelos direitos de vítimas de violência sexual nos EUA e no mundo.
Com apoio de outros sobreviventes, advogados e aliados, fundou a Rise e elaborou o projeto da Lei dos Direitos dos Sobreviventes de Agressão Sexual, sancionada em 2016. A legislação garante, entre outros pontos, que amostras de DNA não sejam destruídas antes do prazo legal e que a vítima não tenha que arcar com os custos dos exames.

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“Sou uma ativista acidental porque não era isso que eu queria ser. Queria ser astronauta”, contou Amanda à publicação Service95 em março deste ano.
“Mas adiei meus sonhos para lutar pelos meus direitos, porque ninguém mais faria isso por mim.”
Depois da aprovação da lei nos EUA, Amanda passou a receber mensagens de sobreviventes de diversos países. Muitos queriam os mesmos direitos em seus sistemas de justiça.
Sua luta, então, ganhou dimensão global: em 2022, a ONU aprovou uma resolução com diretrizes para o tratamento de provas em casos de violência sexual nos países-membros.
Transformar dor em luta
O sofrimento de Amanda e sua busca por justiça são tema de sua autobiografia, Saving Five, onde ela também narra a história dos pais — refugiados vietnamitas que se conheceram nos EUA após fugirem, separadamente, da queda de Saigon em pequenas embarcações.
Guiados pelas estrelas durante a travessia, os dois chegaram ao país praticamente sem nada. Essas histórias ouvidas na infância também ajudaram a despertar o fascínio de Amanda pela astronomia.

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Mas a violência vivida em casa, por causa do pai, ela também soube transformar.
Dedicou-se com afinco aos estudos — o que não só lhe dava perspectiva de futuro, como permitia passar mais tempo no campus de Harvard, onde o pai não podia entrar por ordem judicial.
“Sobreviver à minha infância me deu as ferramentas para sobreviver a um sistema judicial quebrado”, afirmou Nguyen.
Hoje, esses anos de dor parecem ter ficado para atrás.
Ao retornar da missão espacial NS-31 — ao lado da cantora Katy Perry, da apresentadora Gayle King, da cineasta Kerianne Flynn, da engenheira aeroespacial Aisha Bowe e da jornalista Lauren Sánchez (noiva de Jeff Bezos) — Amanda deixou uma mensagem emocionante:
“Quero que todo sobrevivente, toda pessoa que adiou um sonho, saiba que seu sonho é válido. Mesmo que pareça impossível — como ir ao espaço —, ele importa. E você também pode realizá-lo. Se eu consegui, você também consegue”, disse a NBC Los Angeles.