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- Author, Guillermo D. Olmo
- Role, BBC News Mundo
Poucas ideias geram tanto consenso entre economistas quanto o fato de que tarifas de importação são uma má ideia.
Apesar de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmar estar convencido de que a imposição de tarifas sobre importações de outros países vai gerar “resultados históricos” que tornarão seu país “rico de novo”, a maioria dos economistas considera essa medida um obstáculo ao progresso.
Mas a maioria dos especialistas aponta que essa medida vai ser prejudicial, e que os principais prejudicados provavelmente serão os consumidores e as empresas americanas.
Como a ciência econômica chegou a essa conclusão negativa sobre as tarifas?
O que são tarifas e o que dizem seus defensores?
Tarifas são impostos cobrados sobre produtos importados que são pagos na alfândega pelos importadores.
Por exemplo, se uma empresa americana quiser importar madeira no valor de US$100 (R$ 568) e o governo americano tiver aplicado uma tarifa de 10% sobre o país de origem do produto, a empresa vai ter que pagar US$ 110.
Durante décadas, as tarifas foram um instrumento de políticas econômicas protecionistas, usadas em diferentes países por governos que buscavam proteger a indústria local da concorrência externa.
Os defensores do protecionismo acreditavam que a imposição de tarifas favoreceria o desenvolvimento da indústria nacional, que eles consideravam fundamental para o desenvolvimento econômico, e que estaria sendo prejudicado pela entrada de produtos estrangeiros.
Foi essa lógica defendida, entre outros, por Alexander Hamilton, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, que propôs a imposição de tarifas para frear as importações da Grã-Bretanha e permitir que a indústria da jovem república americana decolasse.
A teoria protecionista sustentava que as restrições à concorrência estrangeira ajudariam a indústria nacional, que, com menos concorrentes de fora, poderia aumentar seus lucros e empregar mais trabalhadores locais. Além disso, equilibraria a balança comercial e contribuiria para a capitalização do país.
É a mesma lógica aparentemente adotada por Trump mais de dois séculos depois, ao defender que os carros americanos sejam fabricados dentro dos Estados Unidos e que a receita gerada pelos impostos sobre importação compense a arrecadação perdida com a redução de tributos que ele prometeu.

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O que dizem os economistas de hoje sobre as tarifas
Há décadas, a ideia de que tarifas sobre importações fazem mais mal do que bem é dominante.
Nas palavras de Erika York, analista da Tax Foundation, um centro de análises dos Estados Unidos, “barreiras comerciais, como as tarifas, têm demonstrado causar mais prejuízos econômicos do que benefícios”.
“[As tarifas] aumentam os preços, reduzem a oferta de bens e serviços, o que resulta em queda na renda, redução de emprego e uma menor produção”, diz York.
As tarifas impactam as margens de lucro dos fabricantes e importadores, o que em muitos casos vai impactar no preço final dos produtos, contribuindo para uma possível queda do consumo e, consequentemente, do crescimento econômico.
“Quando um produto é mais caro para uma empresa, ele será vendido por um preço mais alto para o consumidor, e o consumidor vai ter que pagar mais ou decidir não comprar, o que vai desacelerar a economia”, explica Sebnem Kalemli-Özcan, professora de economia da Universidade Brown.
Por isso, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, alertou que as tarifas propostas por Trump têm “alto risco de gerar mais desemprego e mais inflação”.
Os especialistas também criticam a “obsessão” de usar a balança comercial como um indicador da prosperidade de um país.
Trump costuma dizer que o déficit comercial dos Estados Unidos é prova de que seu país está sendo explorado pelo resto do mundo há anos.

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Contudo, a balança comercial é apenas um indicador que mede o fluxo de bens e serviços e de capital, o que reflete nos fluxos financeiros, mas não necessariamente na saúde da economia.
York dá um exemplo de por que se focar apenas na balança pode ser enganoso.
Imagine que uma empresa americana envia um carregamento no valor de US$ 100 milhões à França. Como a quantia está saindo do país, ela é registrada como déficit para os Estados Unidos.
Se após vender os produtos na França, esse mesmo navio volta com mercadorias francesas avaliadas em US$ 30 milhões para serem vendidas, há uma redução no déficit na balança comercial, mas ele ainda soma US$ 70 milhões.
Só que, no fim das contas, essa empresa americana vendeu um total de US$ 130 milhões entre os dois países.
Outro ponto levantado pelos especialistas é que o protecionismo foi abandonado devido à percepção de que, embora possa trazer benefícios a curto prazo para um determinado setor industrial, a longo prazo acaba sendo prejudicial para a economia no geral.
Os agricultores locais, por exemplo, podem aumentar suas vendas e sua participação de mercado quando não têm que enfrentar concorrência estrangeira.
Mas, em larga escala, a falta de concorrentes levará a um encarecimento dos preços dos produtos e, possivelmente, a uma queda da qualidade que acabará afetando todos os consumidores.
“À medida que os consumidores gastam mais em produtos sobre os quais foi imposto a tarifa de importação, eles têm menos dinheiro para gastar em outros. Assim, uma indústria é sustentada às custas de outras”, explica York.
As tarifas também são consideradas um imposto pouco justo, uma vez que incidem sobre os produtos sem considerar o nível de renda dos consumidores.
Como geralmente resultam em aumento dos preços, acabam afetando mais as pessoas com menos renda.
Por exemplo, se o preço dos abacates sobe 15% como resultado das tarifas, o impacto será maior para as famílias que têm pouca ou nenhuma margem financeira para lidar com esse aumento.

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Segundo um estudo publicado por um grupo de economistas na revista acadêmica Journal of Purchasing and Supply Management, as tarifas acabam sendo prejudiciais até mesmo para setores que deveriam ser protegidos por elas.
“Ainda que as tarifas possam oferecer alguma proteção a certas indústrias, elas também podem criar ineficiências” tanto para essas empresas quanto para seus parceiros e clientes na cadeia de suprimentos, afirma o estudo.
O que a história nos ensina sobre as tarifas
A ideia de que o livre comércio é uma forma de prosperidade está presente entre os economistas clássicos há muitos séculos.
Adam Smith, considerado o pai da ciência econômica moderna, já defendia essa ideia em seu livro A riqueza das nações, de 1776.
Smith argumentou que o livre comércio permitiria a cada país se especializar nos produtos que lhe eram mais convenientes e com os quais obteria mais lucro, em vez de ter que produzir toda a demanda do seu mercado.
Várias experiências do passado levaram os economistas ao consenso atual sobre as tarifas e o protecionismo.
Robert Gulotty, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, lembra da Lei de Embargo de 1807, aprovada nos Estados Unidos para restringir o comércio com a Grã-Bretanha e a França.
“[A lei] teve como efeito uma redução drástica das importações e exportações dos Estados Unidos e a expansão do comércio britânico na América do Sul, o que levou à guerra de 1812”, entre os Estados Unidos e sua antiga metrópole.

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Recentemente, Joseph S. Stiglitz, Nobel de Economia, disse em uma conferência que o programa protecionista implementado pelos Estados Unidos na década de 1930, quando o país sofria uma grave crise econômica provocada pelo colapso da Bolsa em 1929, foi “um fator importante que contribuiu para a Grande Depressão”.
“Não foi um programa de criação de emprego. Foi um programa de destruição de emprego”, disse Stiglitz, alertando que a imposição de tarifas por um país pode desencadear medidas de retaliação de outros, algo que acontece há anos entre os Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo.
“Sabemos que esse tipo de guerra comercial leva a uma redução nas condições de vida da população”, afirmou Stiglitz.
Castigados por experiências como a da década de 1930, os líderes mundiais optaram, após o fim da Segunda Guerra, por remover barreiras comerciais no mundo todo, um movimento impulsionado, sobretudo, pelos Estados Unidos.
A assinatura em 1948 pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) resultou em um sistema de maior abertura comercial e na eliminação generalizada de tarifas, o que levou à criação da Organização Mundial do Comércio em 1995, um legado que é visto positivamente pela maioria dos economistas.

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Foi na era da globalização que, segundo Erika York, “o mundo abandonou as políticas comerciais protecionistas, movendo em direção a um sistema de comércio aberto baseado em regras”, algo que “tem gerado benefícios, em geral, como aumento de renda, preços mais baixos e mais opções para os consumidores”
Após a Segunda Guerra Mundial, também se iniciou um processo de integração, que levou à criação da União Europeia, fundamental para a reconstrução do continente após o desastre deixado pela guerra e para o desenvolvimento que a Europa tem experimentado desde então.
Além disso, estudos sobre os episódios mais recentes, como as tarifas impostas a produtos chineses durante a primeira presidência de Trump, também revelaram mais prejuízos do que benefícios, e mostraram que quem acabou sofrendo o impacto dessa medida foram os consumidores americanos.