Conquistar o título de unicórnio nunca foi fácil, mas, nos últimos anos, a corrida ficou ainda mais árdua. Com juros altos, desvalorização cambial e investidores mais seletivos, as startups precisam apresentar mais do que uma expansão acelerada — sustentabilidade financeira e eficiência operacional tornaram-se requisitos básicos para entrar no grupo de empresas avaliadas pelos investidores em 1 bilhão de dólares ou mais. A era das avaliações generosas ficou para trás. Hoje, apenas 22 startups brasileiras fazem parte desse seleto clube, e somente aquelas capazes de manter as contas saudáveis seguem na disputa.
Mesmo com todas as dificuldades, algumas startups nascidas aqui continuam firmes rumo ao topo. Em seu relatório Corrida dos Unicórnios 2025, a plataforma de inovação Distrito apontou nove startups brasucas como as mais próximas de alcançar esse status (veja o quadro). O Distrito publica esse estudo anualmente desde 2019 e previu corretamente onze dos 25 unicórnios brasileiros que surgiram nesse período.
Entre as aspirantes citadas está a Mottu, startup de aluguel de motos fundada pelo empreendedor curitibano Rubens Zanelatto. Com experiência em logística, ele identificou uma oportunidade ao observar a realidade dos entregadores que trabalham com motos. “A moto no Brasil é cara e o trabalhador de baixa renda não tem acesso a crédito”, diz. Criada em 2020, a Mottu enfrentou desafios como a necessidade de capital intensivo e riscos de inadimplência. Com tecnologia de rastreamento, Zanelatto conquistou investidores e cresceu rapidamente. Hoje, opera em mais de 120 cidades, cobrindo cerca de 1 200 municípios, com mais de 100 000 motos alugadas e faturamento anual de 1 bilhão de reais. A Mottu se destacou ao verticalizar operações, montando sua própria fábrica na Zona Franca de Manaus e importando kits desmontados da Índia. “Somos a primeira fábrica de motos do mundo que não vende motos. Toda a produção é exclusiva para nossa operação”, afirma Zanelatto. Além do Brasil, a empresa já tem mais de 5 000 motos alugadas no México e planeja expansão para outros mercados.
Nem sempre o sucesso vem na primeira tentativa, como demonstra a trajetória de Alexandre Zolko, fundador da startup CRMBonus. Filho de empreendedores da moda, acumulou fracassos antes de acertar a mão. Sua rede de calçados MyShoes chegou a ter 100 lojas, mas encolheu para apenas três unidades antes de ser vendida. “Cometi o erro clássico: me senti poderoso e achei que podia abrir várias empresas ao mesmo tempo. Resultado: tudo deu errado”, recorda. Em 2018, Zolko criou a CRMBonus, inicialmente como um programa de cashback para dar impulso a vendas da marca de moda da família. A ideia evoluiu para uma plataforma sofisticada de fidelização e inteligência de dados, utilizada por marcas como Aramis, Vivara e Osklen. “Somos como um Google off-line: sabemos onde e como impactar cada cliente na hora certa”, diz. Com mais de 100 milhões de consumidores alcançados, a empresa projeta quadruplicar seu faturamento — atualmente de 250 milhões de reais anuais — até 2027.
Às vezes, a inovação nasce da identificação de problemas óbvios no mercado, como aconteceu com a startup Flash, de gestão de RH. Ricardo Salem, Pedro Lane e Guilherme Lane detectaram as deficiências nos benefícios corporativos brasileiros: ofertas engessadas, burocráticas e ineficientes. “A Flash nasceu literalmente de um almoço”, conta o sócio Pedro Lane sobre a origem do negócio, em 2015. A startup consolidou em um único cartão e aplicativo todos os benefícios oferecidos pelas empresas — alimentação, transporte, combustível, farmácia e educação. Depois evoluiu para se tornar uma plataforma completa de gestão da jornada do colaborador, integrando processos como admissão, controle de ponto, reembolsos e gestão de viagens. Atualmente, atende cerca de 35 000 companhias e movimenta mais de 1 bilhão de reais em transações mensais. “Mais da metade das empresas do país ainda gerencia o RH por planilhas e WhatsApp. A Flash quer digitalizar tudo isso”, diz o presidente, Ricardo Salem.
Enquanto algumas startups encontram seu caminho rapidamente, outras precisam de tempo para descobrir sua verdadeira vocação. A Blip, fundada por Roberto Oliveira em 1999 como TakeNET, oferecia serviços de internet móvel e ringtones. Foi apenas duas décadas depois, com a explosão dos aplicativos de mensagens, que encontrou seu ponto de virada. Quando o WhatsApp passou a dominar a comunicação digital, a empresa fez uma guinada estratégica: tornou-se parceira oficial da plataforma. “Transformamos o que parecia um inimigo em aliado”, afirma Oliveira. Hoje, a Blip conecta empresas a clientes via WhatsApp, com soluções de atendimento, vendas e engajamento. São mais de 4 000 empresas atendidas no Brasil — como Itaú e GM — e clientes em 33 países. Com investidores como Microsoft e SoftBank, espera ultrapassar 1 bilhão de reais em receita recorrente em 2025. “Nosso sonho é sermos reconhecidos como uma empresa brasileira que conquistou o mundo com tecnologia”, diz o fundador.

O mercado brasileiro oferece oportunidades gigantescas em setores específicos, como mostra o caso da Petlove. A empresa vê no país, terceiro maior do mundo no setor pet, seu principal campo de expansão. “Ainda temos muito espaço para crescer aqui”, afirma Talita Lacerda, presidente da Petlove. Fundada em 1999 pelo médico veterinário Marcio Waldman como a primeira loja eletrônica de produtos pet do país, hoje combina vendas digitais com lojas físicas e franquias, especialmente para alcançar a classe C, que representa metade de sua base de clientes. Mais de 85% das vendas vêm de modelos de assinatura, como o Clube Petlove (frete grátis e descontos de até 25% por 9,90 reais mensais) e o RePet (compra programada). Em 2024, a empresa faturou 1,75 bilhão de reais e projeta ampliação de 40% em 2025. “Crescer rápido é bom, mas nunca pode vir à custa da experiência do cliente”, afirma Talita.
Especializada em infraestrutura tecnológica, a Celcoin é outra aspirante a unicórnio. Fundada em 2016 pelo empreendedor Marcelo França, começou oferecendo serviços ao consumidor final, mas logo percebeu que o caminho para escalar era diferente: fornecer infraestrutura para bancos digitais, fintechs e empresas de outros setores. Hoje, atende mais de 600 clientes, faturou 330 milhões de reais em 2024 e processa 250 bilhões de reais por ano — a meta é dobrar esse volume em 2025. “Estamos jogando o jogo do infinito”, diz França, sobre o potencial que enxerga para sua empresa. A estratégia inclui expansão internacional — já está presente no Chile — e aquisições que reforcem sua oferta de open banking e pagamentos integrados.

Também atuando no setor financeiro, o Stark Bank é mais uma promessa de unicórnio. Fundada em 2018 pelo goiano Rafael Stark, a fintech nasceu com o objetivo de simplificar a vida financeira das empresas, oferecendo uma plataforma que centraliza desde pagamentos e recebimentos até conciliação bancária e controle de gastos. “Enquanto muitas fintechs oferecem apenas um produto, nosso banco é multiproduto, e isso contribuiu consideravelmente para nosso crescimento”, diz Stark. O negócio movimenta 280 bilhões de reais por ano e, em 2024, obteve lucro de 50 milhões de reais. Entre seus investidores está o family office de Jeff Bezos, fundador da Amazon.
Para Gustavo Gierun, fundador e presidente do Distrito, as startups que despontam como candidatas a próximos unicórnios do Brasil compartilham de algumas características essenciais: foram forjadas em ambiente desafiador, têm acesso estratégico a capital e são lideradas por empreendedores experientes e resilientes. “Elas passaram por um verdadeiro funil. Mantêm crescimento consistente mesmo em contextos adversos e aprenderam a equilibrar escala com eficiência”, afirma. Mais do que números, o que move essas empresas é a ambição de transformar suas trajetórias em exemplos de que, mesmo em tempos incertos, ainda é possível construir negócios de impacto — e sonhar grande, sem tirar os pés do chão.
Publicado em VEJA, abril de 2025, edição VEJA Negócios nº 13