O vaivém da política tarifária do governo Trump vem causando estragos na economia global, inclusive no setor de viagens. Até 9 de abril, quando foi anunciada a suspensão de 90 dias dos encargos recíprocos, o dólar estava dando sinais de enfraquecimento, os hotéis enfrentavam custos operacionais mais altos e os viajantes estavam nervosos quanto às reservas.
Mesmo antes da imposição dessas taxas, o índice mais recente do Conference Board sobre a confiança do consumidor já estava no nível mais baixo dos últimos 12 anos, o que pode ter provocado um arrefecimento na demanda por viagens. Além disso, de acordo com uma pesquisa realizada com os membros da Sociedade Norte-Americana de Assessores de Viagem, do início de abril, quase 54% relataram uma diminuição na procura motivada pela preocupação econômica.
No momento, continua valendo a tarifa básica de 10% sobre a maioria dos países, com exceção da China, com uma taxação de 145%. Embora ninguém saiba o que vai acontecer depois da pausa de 90 dias, aqui vai uma análise de como esses encargos, ou mesmo a ameaça de efetivação, podem afetar o setor de viagens.
O dólar se mantém – por enquanto
No início do ano, o dólar e o euro estavam com valores semelhantes; atualmente o câmbio está em torno de US$ 1,10 por euro, o que significa que uma diária de hotel de cem euros sai por US$ 110.
— Normalmente é de se esperar que a imposição de tarifas seja ligeiramente positiva para o dólar. Vimos esse fenômeno na primeira rodada, que afetaria o México e o Canadá, revertido rapidamente assim o presidente revogou a taxação — diz Michael Melvin, diretor executivo do mestrado em finanças quantitativas da Universidade da Califórnia em San Diego.
Entretanto, de acordo com o centro de pesquisa de políticas apartidário Budget Lab, da Universidade de Yale, a retaliação de outros países pode neutralizar o efeito sobre o dólar. E embora tenha caído ligeiramente em relação a outras moedas, incluindo a libra esterlina e o iene japonês, as taxas de câmbio ainda são relativamente favoráveis para os norte-americanos no exterior, especialmente no Canadá e no México.
Desaceleração do tráfego aéreo
Para as companhias aéreas, as tarifas podem encarecer o custo da construção dos aviões, mas suas preocupações são outras, mais imediatas.
— O problema agora é a incerteza econômica e o risco de recessão — afirma Brian Sumers, autor do newsletter sobre aviação Airline Observer, observando que as empresas aéreas vêm percebendo uma procura menor desde a posse de Trump. — Quando a pessoa está preocupada em relação ao futuro, a tendência é gastar menos. Não sabe como ficarão os investimentos ou se continuará empregada dali a seis meses, ou seja, vai adiar o planejamento de viagens e a compra de passagens.
Em março, os analistas do Bank of America descobriram que as viagens domésticas tiveram um início lento em 2025, o que atribuíram à queda da confiança do consumidor, ao mau tempo e à Páscoa tardia.
Ainda não se sabe como isso se refletirá nas tarifas, uma vez que é sabido que as companhias aéreas reduzem a capacidade para poder manter os preços. Esta semana, a Delta Air Lines anunciou que vai reduzir o crescimento planejado para o segundo semestre.
— De modo geral, a expectativa é de que os preços caiam e que haja mais assentos vazios — declara Sumers.
Os hotéis em dificuldades
Os hotéis compram uma variedade enorme de produtos — desde lençóis e móveis até eletrônicos e vinhos — e, com isso, podem ver os custos operacionais subirem devido aos aumentos do preço das importações forçados pelas tarifas.
— Embora o setor de hospitalidade consiga absorver parte dessas despesas adicionais em curto prazo, é provável que pelo menos parte do aumento acabe sendo repassada aos clientes — confirma Becky Liu-Lastres, professora associada do departamento de turismo, eventos e gestão esportiva da Universidade de Indiana em Indianápolis.
Além disso, o setor, que depende de imigrantes e portadores de visto, enfrenta a ameaça de uma possível escassez de mão de obra devido à postura rigorosa do governo em relação à questão, segundo David Sherwyn, professor de hospitalidade, recursos humanos e direito da Faculdade de Administração Hoteleira Nolan da Universidade Cornell.
Antigamente, os hotéis conseguiam oferecer preços menores para atrair os hóspedes, mas se tiverem uma equipe limitada para cuidar da casa cheia talvez prefiram aceitar uma ocupação menor para manter as tarifas altas.
Segundo Jan Freitag, diretor nacional de análise do setor de hospitalidade do Grupo CoStar, empresa de análise de imóveis comerciais, é bem provável que haja uma redução de reformas e construção de novos hotéis por causa do aumento dos custos.
As viagens nacionais crescem
Em períodos anteriores de recessão econômica, os norte-americanos optaram por não ir tão longe e por fazer as reservas mais perto da data da partida, duas tendências que, segundo os especialistas, podem voltar.
Em uma pesquisa com mil adultos realizada entre os dias 3 e 5 de abril, a agência de marketing e comunicação MMGY Global constatou que 83% dos entrevistados ainda pretendiam viajar — o que significa uma queda de apenas 4% em relação a uma pesquisa semelhante realizada em fevereiro —, mas que a maioria pretendia alterar os planos.
Trinta por cento já pensavam em fazer viagens mais curtas; 29% disseram que trocariam um roteiro internacional por outro, doméstico; e 24% optariam por um meio de transporte mais barato.
Cruzeiro em águas agitadas
Os alertas de viagem emitidos pelos governos estrangeiros, consequência das detenções recentes ocorridas na fronteira, e o boicote dos canadenses, afetados pelas tarifas e incomodados com a sugestão de que seu país deva ser anexado ao vizinho, ameaçam o turismo internacional dos EUA, inclusive os cruzeiros, muitos dos quais partem de seus portos para o Caribe.
— Vai afetar também o setor de cruzeiros — confirma Vinod Agarwal, professor de economia da Universidade Old Dominion, em Norfolk, na Virgínia. — Os canadenses que pretendem viajar para o Caribe, por exemplo, talvez não queiram mais passar pelos EUA.
Entretanto, o turismo marítimo tem mais proteção tarifária do que outros setores.
— Muitas vezes a compra de suprimentos como alimentos é feita em portos estrangeiros, isentando-o assim de taxas de importação — explica Gordon Ho, professor de gestão e organização da Faculdade de Administração Marshall da Universidade do Sul da Califórnia e ex-diretor de marketing da Princess Cruises.
Além disso, as reservas do setor tendem a ser feitas com meses ou anos de antecedência. Ainda não se sabe quantos passageiros cancelarão se as condições econômicas piorarem.
— Para quem gosta de pesquisar, haverá promoções bastante interessantes nos próximos meses em todo o setor, em parte como medida para tentar compensar a perda do turismo internacional — conclui Ho.