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sábado, junho 7, 2025

Cannes, dia 9: Oliver Hermanus, Joachim Trier e Saeed Roustayi – Revista Cult

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A comunidade LGBTQIA+ tinha grandes expectativas diante da estreia de The history of sound, do sul-africano Oliver Hermanus, exibido em competição pela Palma de Ouro em Cannes. O longa gerou especial ansiedade porque dois talentosos galãs do cinema atual, o irlandês Paul Mescal e o inglês Josh O’Connor, vivem um romance gay em cena, em trama passada no começo do século 20.

Mas o filme está longe de ser a obra tocante e sensual que muitos acreditavam que poderia se tornar, tendo esses dois astros como protagonistas. É a história de dois músicos, Lionel e David, que se conhecem em um bar, em 1917, e ficam fascinados um pelo outro. Não só pela aparência física – embora também –, mas pelo talento musical de ambos. Sobretudo Lionel (vivido por Mescal), dono de ouvidos especialmente apurados, que funcionam muito bem em consonância com seu cérebro altamente musical. Depois de engatarem um romance, os dois bonitões resolvem sair por cidadezinhas nos EUA registrando o canto de populares em um ainda incipiente gravador sonoro.

No começo do longa, um narrador explica que Lionel é capaz de perceber as cores e formas das notas musicais, e até sentir seus sabores. Quando a trama começa a mostrar sua completa falta de energia (e audácia) para apresentar as nuances do amor vivido pelos dois rapazes, com especial desinteresse pelos corpos dos protagonistas, o público começa a jogar todas as suas esperanças em, pelo menos, que o diretor permita entender melhor como se dá essa percepção musical multissensorial de Lionel. Antes isso que sair da sala sem levar absolutamente nada do filme.

Mas continuamos sem ter ideia de como essa sinestesia funciona. Mesmo o canto popular registrado pelo longa é desinteressante – lamurioso e claramente retrabalhado em estúdio, quando poderia ter algum calor se fossem registros de pessoas do mundo real soltando a voz em som direto (ainda que em desafino), de forma amadora, mas com alguma vivacidade. Mas “vida” é tudo o que The history of sound não possui: falta só ser enterrado. Não há sorriso cativante, como os de Mescal e de O’Connor, que consiga compensar o marasmo proporcionado por esse filme tristemente convencional, que confunde delicadeza e elegância com apatia e opacidade.

Bem mais vigoroso é o novo longa do dano-norueguês Joachim Trier, Sentimental value, que traz novamente como protagonista Renate Reinsve, que faturou o prêmio de melhor atuação feminina em 2021, pelo altamente elogiado A pior pessoa do mundo.

Ela interpreta Nora, uma atriz de teatro cheia de problemas psicológicos, sobretudo por conta de desentendimentos ao longo da vida com o pai ausente, Gustav (Stellan Skarsgard), um cineasta de grande prestígio no universo do cinema autoral. Quando ele decide voltar à Noruega para filmar um longa muito pessoal, pede que Nora, com quem mal fala, seja a protagonista, mas ela recusa. Uma estrela de Hollywood em má fase na carreira, Rachel (Elle Fanning), acaba ficando com o papel, mas encontra dificuldades de compor a personagem. Paralelamente aos ensaios para o filme, Gustav e Nora têm reencontros tensos, em que traumas do passado ressurgem com violência.

Existe no âmago do filme uma certa angústia familiar que sugere Ingmar Bergman, sobretudo o de Sonata de Outono, de 1978 – só que, em vez de um acerto de contas entre mãe e filha, desta vez o confronto é entre uma filha e um pai.

O longa se estrutura em blocos, variando entre trechos em que Nora e seus dramas são o foco e outros em que Rachel e suas dificuldades dominam a cena. Não há nada de errado em si com a maneira como Trier lida com as questões das duas personagens, mas a constante oscilação entre ambas esfria um bocado a relação entre o espectador e cada uma delas. Essa alternância gera um distanciamento que atrapalha a fruição do longa, ainda que, na reta final, de fato Trier estabeleça um vínculo emotivo e afetivo entre as personagens e o público. Mas, talvez, seja um pouco tarde demais.

Trier reserva a Fanning cenas que mostram o quanto ela pode ter performances maduras. E Renate Reinsve – assim como Inga Ibsdotter Lilleaas, que interpreta sua irmã – está tão brilhante quanto seu papel lhe permite. As três mereciam filmes distintos, cada um focado na questão de cada uma elas.

O terceiro longa em competição desta quinta, Woman and child, do iraniano Saeed Roustayi, gerou controvérsia mesmo antes da exibição. Porque o cineasta realizou o filme dentro dos critérios de censura estabelecidos pelo governo do Irã, diferentemente do compatriota Jafar Panahi, cujo Un simple accident foi rodado às escondidas das autoridades do país.

Por isso, muita gente já de antemão começou a tachar o filme de adesista, talvez até propaganda do regime autocrático iraniano. O que é um grande absurdo já de saída, porque se está exigindo que um artista precise necessariamente criar uma obra que não possa ter outras questões com as quais se preocupar que não seja a oposição ao governo e suas imposições.

De qualquer forma, o filme de Roustayi se preocupa, sim, em abordar questões sociais do Irã, por meio da história de uma mulher, Mahnaz, que tem uma relação extremamente forte com o filho adolescente, Aliyar. Ela o mima e faz vistas grossas para seu comportamento indisciplinado, que incluem exercer bullying na escola e dar em cima de maneira ostensiva de uma colega de profissão da mãe.

Um dia, o garoto se joga de uma janela e morre. A princípio, as testemunhas dizem que ele fez isso ao descobrir que a mãe, viúva, tinha um novo namorado. Mas Mahnaz logo descobrirá que as circunstâncias não foram exatamente essas.

A personagem entra em um notório estado de desequilíbrio emocional após perder o filho. Começa a agir de modo extremamente amargo e violento, querendo se vingar de todos os que ela acha que tiveram alguma relação com o suicídio do rapaz: o diretor do seu colégio, um ex-namorado que trocou ela pela irmã mais nova, o sogro de seu primeiro casamento.

De fato, todos eles agiram de forma condenável, mas em nenhum momento se justificam as atitudes extremas de Mahnaz. O grande problema do filme – ou talvez sua salvação – é que o diretor nunca transparece se está defendendo ou criticando a atitude de seus personagens. E eles cometem erros e injustiças o tempo todo, exaustiva e aflitivamente. Pela lógica, Roustayi estaria denunciando a situação da mulher oprimida em uma sociedade machista ao extremo, mas seu olhar pretensamente sem julgamentos sobre a protagonista tende a se converter em equívoco de natureza semelhante ao de Lynne Ramsay em seu filme exibido na Croisette há alguns dias, Die, my love: cria uma personagem com a qual é impossível se identificar – e a qual não se pode defender.

Mas ao menos, ao contrário de Ramsay, ele deixa no ar que, no fundo, também não está totalmente do lado da sua protagonista. Embora seja ela a heroína do melodrama todo – ainda que uma heroína altamente discutível. E se o filme não é tão efusivo diante do que está criticando ou defendendo, ao menos tem um elemento que é impossível de refutar: a magnífica atuação de Parinaz Izadyar, como Mahnaz – ela tem belos e expressivos olhos escuros, que lembram os de Claudia Cardinale no início da carreira. A atriz, aliás, desponta como a favorita ao prêmio de performance feminina.

 



[Fonte Original]

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