“A história conheceu muitos períodos de tempos sombrios nos quais o domínio público se obscureceu e o mundo se tornou tão incerto que as pessoas deixaram de pedir à política mais do que a consideração pelos seus interesses vitais e pela sua liberdade pessoal.”
Hannah Arendt, Homens em tempos sombrios
O assunto mais quente na política estadunidense hoje é a batalha travada entre a presidência e os tribunais. Uma recente ordem de emergência da Suprema Corte veio com linguagem estranhamente curta: “O governo é instruído a não [remover imigrantes detidos] até nova ordem deste tribunal.” No entanto, a mais alta corte do país não tem exército ou polícia para fazer cumprir suas decisões.
Uma porta-voz da Casa Branca chamou as ordens judiciais que bloqueiam a agenda de Donald Trump de “inconstitucionais e injustas”. Um juiz do Tribunal de Primeira Instância iniciou uma investigação de desacato contra o poder executivo. Outros dois juízes foram presos por desobedecerem a nova política de imigração. O confronto entre os ramos do governo dos Estados Unidos finalmente atingiu o ponto de ebulição.
Colunistas do New York Times apontaram que o direito de processo devido é garantido pela quinta emenda da Constituição dos EUA, que exige que crimes sejam julgados apenas após indiciamento por um grande júri, chamando a política de Trump de “um desprezo de tirar o fôlego pelo estado de direito” projetado para criar medo generalizado: “Quando você dá a alguém o poder de colocar um grupo de pessoas fora da lei, está, na prática, dando o poder de colocar qualquer pessoa fora da lei.”
Isso é certamente novidade; no entanto, há um século, escritores americanos previram tal crise e profetizaram o que aconteceria a seguir. Aplicar suas previsões estranhamente precisas ao governo Trump, como discutido abaixo, é hoje relevante.
À medida que a administração Trump-Musk avança para seu quarto mês, movendo-se rapidamente e destruindo o governo, tenho estudado o que os escritores americanos sugeriram que ocorreria se um demagogo fosse eleito presidente. Livros como Aqui não pode acontecer, de Sinclair Lewis (1936), previram um ataque direto ao Supremo Tribunal se este se recusasse a afirmar a agenda do presidente. Hoje, as mesmas forças estão em ação, 90 anos depois. O ano muda, mas os atores permanecem os mesmos. Como isso poderia acontecer aqui?
Histórias alternativas, particularmente distopias, refletem o pessimismo radical de suas sociedades, escreveu a professora de Harvard e escritora da New Yorker Jill Lepore. “A distopia costumava ser uma ficção de resistência,” ela concluiu; “tornou-se uma ficção de submissão. A ficção de um século 21, desconfiado, solitário e carrancudo, a ficção de notícias falsas e infowars, a ficção de impotência e desesperança.”
Os romances distópicos são “histórias alternativas”, obras que imaginam um futuro diferente e suas ramificações. A ficção científica é particularmente rica em obras clássicas como Last and first men (1932) de Olaf Stapledon e Things to Come (1935) de H.G. Wells, para escolher exemplos britânicos. O passado pode ser debatido, enquanto o futuro é limitado apenas pela nossa imaginação.
Este ensaio, então, diz respeito ao futuro compartilhado dos estadunidenses diante das narrativas do que os seus autores pensavam que aconteceria se um presidente totalitário fosse eleito. Se estas páginas são assustadoras, lembre-se de que sempre há resistência ao fascismo. Isso assume muitas formas, da sabotagem aos agentes secretos. Todos esses autores concordam em encontrar algo básico na resistência da humanidade em perder sua ética.
Nenhum dos contos sombrios que se seguem aconteceu; isso não significa que não acontecerão. Forewarned is forearmed [Estar avisado é estar preparado]. Revisitar as formas como os autores americanos previram o totalitarismo nacional nos ajuda a aprender a lidar com essa era sombria, como Jack London antecipou em O tacão de ferro:
“Ficaremos tão agitados que – ou acabaremos desesperados,agarrando-nos uns aos outros como náufragos num mar revolto, deixando o resto do mundo ir para o inferno; ou, o que temo ser mais provável, nos aprofundaremos tanto na rebelião contra [insira o nome do demagogo favorito], que sentiremos tão fortemente que estamos defendendo algo que quereremos dar tudo por isso, até mesmo abrir mão de você e de mim.”
O tacão de ferro, Jack London (Boitempo, 2003 [1908])
Jack London, que escreveu contos de aventuras no Alasca, conta a história de um jovem musculoso do outro lado dos trilhos, Earnest Everhard. Em nome do povo do abismo, ele reivindica “todas as minas, ferrovias, fábricas, bancos e lojas. Essa é a revolução. É verdadeiramente perigoso.”
A Revolta dos Camponeses, a Segunda, a Terceira e a Quarta Revolta – todas são brutalmente reprimidas por uma oligarquia igualmente clara: “Nós esmagaremos vocês, revolucionários, sob nosso calcanhar.” A questão é: quão generalizada a opressão precisa ficar antes que os americanos se alinhem ou resistam em massa? Às vezes, London soa como os democratas após a eleição de Trump: “Há uma sombra de algo colossal e ameaçador que, mesmo agora, está começando a se espalhar pelo país.” Chame isso de a sombra de uma oligarquia, se preferir. Então London cita Abraham Lincoln, pouco antes de seu assassinato: “Eu vejo em um futuro próximo, uma crise se aproxima que me deixa inquieto e me faz tremer pela segurança do meu país… as corporações foram entronizadas, uma era de corrupção nos altos escalões seguirá, e o poder do dinheiro do país se esforçará para prolongar seu reinado.”
Em O tacão de ferro, toda a América do Norte, do Canal do Panamá ao Ártico, pertence à oligarquia. Mas eles não podem silenciar o que possuem. Da Flórida ao Alasca, os nativos americanos estão dançando a Dança dos Fantasmas, antecipando seu próprio messias. Em dezenas de estados, agricultores desapropriados marcham em direção às suas legislaturas. No Massacre de Sacramento, 11.000 homens, mulheres e crianças são abatidos nas ruas, e o governo nacional toma posse do governo da Califórnia. Então, após trezentos anos, a Oligarquia se torna tão corrupta e fraca que colapsa, e a era da Irmandade da Humanidade finalmente prevalece.
1934 é o ano das distopias americanas, quando os três romances que se seguem nesta lista foram escritos. Foi também o ano após o incêndio do Reichstag na Alemanha, que levou Hitler a assumir o poder. Esses eventos inflamaram a imaginação de Edward Dahlberg, Nathaniel West e Sinclair Lewis.
Those who perish, Edward Dahlberg, (1934)
É o final da primavera na Nova República da América, com um vento tempestuoso trazendo más notícias. Os bancos estão falindo. “Revolta geral!” diz a manchete do jornal. Vemos essa turbulência da Depressão pelos olhos de Regina Gordon, uma “judia por acidente e por defesa”, como ela se descreve. Ela pega o ônibus enquanto Henry Rosenzweig, seu superintendente no Centro Comunitário Judaico, dirige seu Cadillac considerando quais hipotecas cancelar a seguir.
Ele é um dos judeus alemães abastados que saíram cedo e menosprezam seus irmãos do gueto. A resposta deles ao antissemitismo e ao nazismo é branda: Apelamos à Cultura e Consciência Alemã, lê-se em fitas distribuídas por jovens mulheres judias nascidas na Alemanha. Um sonha “Quando Hitler voltar a si, saberá que os judeus alemães serão seus aliados mais fortes e seus seguidores mais leais.”
Regina vê de forma diferente: “Se você é comunista e judeu, é muito provável que seja assassinado ali mesmo, e se você é um judeu sem opiniões políticas, eles sem dúvida serão misericordiosos e apenas o deixarão morrer de fome. Quanto a mim, proponho lutar contra essa ameaça de coveiro até o fim.’
Os tempos de Dahlberg se assemelham aos nossos. “A cada dia ela lia os jornais com os cabelos em pé. Os fragmentos das manchetes a aterrorizavam e rasgavam todo o seu ser como grandes explosões de granadas… ‘Eu não quero isso! Estou vivendo os tempos mais angustiantes, e não posso continuar!’”
A cool million, Nathanael West (1934)
A cool million de Nathanael West é a história de um morador do estado de Vermont, Lemuel Pitkin, cuja casa é penhorada. Em desespero, ele recorre a Nathaniel Whipple, ex-Presidente e proprietário do banco local. De maneira dickensiana, Pitkin é instruído a “sair pelo mundo e encontrar seu caminho, pois a América cuida dos honestos e dos industriosos.” Whipple então engana a família e fica com seu único bem restante, uma vaca.
A partir deste ponto, o livro segue uma estrutura bizarra e episódica que mistura Cândido de Voltaire com Amerika de Franz Kafka. Pitkin junta-se a um circo itinerante, a Câmara dos Horrores Americanos. Os bancos são nacionalizados (ou melhor, privatizados) pelo restaurado Presidente Whipple, que voltou ao poder pelos “Camisas de Couro”, inspirados pelos Camisas Negras do Fascismo Italiano. O país é libertado do marxismo, como proclama o presidente todo-poderoso: “A América se torna América novamente.” (O bordão soa familiar?)
Aqui não pode acontecer, Sinclair Lewis (Martin Claret, 2024 [1935])
No verão de 1934, Dorothy Thompson, esposa de Sinclair Lewis, tornou-se a primeira repórter expulsa da Alemanha. Entre ela e seu vizinho, o repórter investigativo Gilbert Seldes, Lewis aprendeu o passo a passo que levou à progressão do nazismo. Lewis aparentemente modelou seu ditador-presidente no governador da Louisiana, Huey Long, hibridizando o nazismo com o populismo conservador de Long.
Roosevelt perde as primárias democratas para Buzz Windrip. O recém-eleito presidente é “vulgar, quase analfabeto, um mentiroso público facilmente desacreditado.” Após a inauguração, ele ataca a mídia: “Eu conheço a imprensa muito bem, como podem espalhar suas mentiras, promover suas próprias posições e alimentar seus bolsos gananciosos.” O presidente Windrip ameaça o México. “Eles não são comerciantes justos! Eles estão enviando criminosos.”
“Não pretendo ser nada além de um pobre trabalhador,” diz um homem, “mas há 40 milhões de trabalhadores como eu e sabemos que Windrip é o primeiro estadista em anos que pensa no que caras como nós precisam.” O presidente Windrip forma seu gabinete. O Secretário do Tesouro é um gerente de banco; o procurador-geral é um notório racista. Rapidamente, um estado de lei marcial é declarado, e 100 congressistas são presos. Em poucos dias, ele dissolve o Congresso e coloca os Supremos em prisão domiciliar.
Sua campanha se apresentava com simplicidade rural e supremacia racial, e a maioria que votou em Windrip estava contente: “Nunca na história americana os partidários de um Presidente estiveram tão satisfeitos… com aborrecimentos como investigações do Congresso silenciadas, os guardiões oficiais dos contratos estavam relacionando-se muito bem com todos os contratantes.”
Mas para outros, tudo desce ladeira abaixo rapidamente. Cada vez mais pessoas são desapossadas de suas propriedades e terras quando protestam. Os Estados são dissolvidos em favor de províncias mais facilmente governáveis. Tribunais militares e milícias dispensam uma justiça sombria. Então vêm os campos de concentração e a dissolução completa do Congresso.
Vindo do Canadá, o “Novo Subterrâneo” luta de volta. Qualquer um que carregue seu jornal é baleado. Windrip é finalmente deposto, assim como seu sucessor, até que um general assume e governa com mão (ou calcanhar) de ferro. Tudo isso já está profundamente enraizado em nossa atual visão de mundo ideológica, como cita o crítico Gary Scharnhorst em seu posfácio à edição americana: “A resposta para ‘não pode acontecer aqui’ é ‘já aconteceu’.”
O homem do castelo alto, Philip K. Dick (Aleph, 2015 [1962])
Tudo começa com o assassinato de Roosevelt em 1933, logo após a posse. Sem o seu New Deal, a Depressão se arrasta. Grupos germano-americanos e a Esquerda anti-militarista promovem o isolacionismo. Sem a potência militar dos EUA, Hitler prevalece em Stalingrado. O Japão invade e conquista a China, depois a Índia. Finalmente, os Estados Unidos caem. O país está ocupado pela Alemanha nazista no Leste e pelos japoneses fascistas no Oeste, com uma zona de amortecimento através das Montanhas Rochosas. A escravidão é legal novamente. Os poucos judeus sobreviventes se escondem sob nomes fictícios.
Então, estes são os Estados Unidos em 1962: o Reich governa pela tecnologia. Eles constroem e usam uma bomba de hidrogênio (na África). Eles colonizam o sistema solar via foguetes. Eles até drenam o Mar Mediterrâneo para produzir terras agrícolas para seus escravos cultivarem. O Japão exporta a cultura asiática para os Estados do Pacífico da América.
Os personagens de Dick aparecem e desaparecem em uma trama obscura de um desertor nazista para avisar os japoneses sobre um ataque iminente. É como a peça dentro da peça de Hamlet “para pegar a consciência de um rei.” Em um romance dentro de um romance, The grasshopper lies heavy, seu autor elusivo narra a Segunda Guerra Mundial e suas consequências como a conhecemos, provocando horror nas autoridades japonesas e alemãs governantes. Em The grasshopper, o Japão e a Alemanha realmente perderam a guerra… Heresia.
Parábola do semeador, Octavia Butler (Morro Branco, 2020 [1993])
A distopia fascista de Butler apresenta um ministro e sua filha vivendo dentro de um complexo murado nos arredores de Los Angeles. A comunidade tem uma dúzia de famílias se protegendo do assassinato e do caos fora de seus portões. Na TV, eles veem a cidade queimando, graças a uma nova droga que torna assistir a incêndios melhor do que sexo, “PYRO.”
O presidente Charles Donner é eleito em 6 de novembro de 2024. Poucos esperam mudança: “A maioria das pessoas desistiu dos políticos. Afinal, os políticos têm prometido um retorno à glória, à riqueza e à ordem do século XX desde que me entendo por gente.”
Na verdade, os opositores do novo presidente dizem que ele vai retroceder o país em cem anos. “Ele é como um símbolo do passado… ele não é nada. Sem substância.” O que o novo presidente promete? Suspender as regulamentações ambientais, de salário mínimo e de proteção ao trabalhador que são “excessivamente restritivas.” E quanto às leis suspensas, pergunta a heroína? “Será legal envenenar, mutilar ou infectar pessoas – desde que você lhes forneça comida, água e um espaço para morrer?”
Novas leis federais permitem a servidão por contrato; cidades empresariais abrem, com trabalhadores pagos apenas em vales, apenas o suficiente para que estejam sempre endividados. Então é trabalhar por quase nada ou ir para a prisão. A cólera se espalha pelo Mississippi e Louisiana. Pessoas semi-mortas sucumbem ao sarampo. O analfabetismo se espalha como uma doença.
A história é contada do ponto de vista de uma adolescente, cuja inocência decrescente e empatia física a tornam vulnerável. “Você acabou de notar o abismo,” lhe dizem. “Os adultos nesta comunidade têm estado equilibrando-se na sua beira por mais anos do que você está viva.”
A América desmorona. Ela pega a estrada, juntando errantes até fundar uma comunidade utópica em Oregon. Às margens das estradas, espreitam os ladrões; alguns são canibais. Esta não é a suave e apática distopia de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Os governos federal, estadual e local ainda existem, mas apenas de nome, disse o autor mais tarde: “Imagino os Estados Unidos se tornando, lentamente, através dos efeitos combinados da falta de visão e do interesse próprio de curto prazo não iluminado, um país do Terceiro Mundo.”
Complô contra a América, Philip Roth (Companhia das letras, 2015 [2004])
Aqui o nazismo chega aos Estados Unidos depois que Roosevelt perde a eleição de 1940 para Charles Lindbergh, “Lindy,” famoso aviador e membro do Bund Germano-Americano, uma organização pró-nazista antes da Segunda Guerra Mundial. Ele é a favor da paz; a guerra é um problema da Europa.
Até sua eleição, “os líderes do Partido Republicano estavam em desespero com a teimosa recusa de seu candidato em permitir que qualquer outra pessoa além dele mesmo determinasse a estratégia de sua campanha,” escreve Philip Roth.
Então, “na manhã seguinte à eleição, o descrédito prevaleceu, especialmente entre os pesquisadores de opinião.” Nas semanas seguintes à inauguração, o novo presidente viaja para se encontrar com Adolf Hitler e cria um “Escritório de Absorção Americana” para enviar crianças judias como trabalhadores rurais e operários diários. Anti-imigrante e antissemita, ele alerta os americanos contra “a diluição por raças estrangeiras” e a “infiltração de sangue inferior.”
“E por quanto tempo o povo americano suportará essa traição perpetrada por seu presidente eleito?” Por quanto tempo os americanos permanecerão adormecidos enquanto sua querida Constituição é rasgada em pedaços? pergunta Walter Winchell no programa de notícias de rádio mais bem avaliado do país.
Na semana seguinte, Winchell é demitido e logo depois, assassinado. Lindbergh assina um pacto de não agressão com Hitler, condenando a Grã-Bretanha e a Rússia. Acontece que os nazistas haviam planejado cada movimento da campanha de Lindbergh para fortalecer seu exército antes de invadir a Rússia.
Os direitos civis são destruídos, culminando no primeiro Pogrom americano. Uma bomba explode em um templo de Detroit, e centenas de judeus se refugiam do outro lado do rio Detroit, em Ontário. No final, Roosevelt foi reeleito e o Congresso reinstalado. Roth oferece o que Sinclair Lewis não se deixou fazer: alívio, de que realmente não poderia acontecer aqui.
Ou poderia? Na doença do autoritarismo, o corpo político gagueja e cai. Ao longo destes livros, a emoção dominante é o medo. Medo do seu governo e de suas forças, medo da sua própria cidade, onde um grupo étnico é colocado contra outro. Medo como se uma longa mão escura rasgasse o céu, agarrando o Capitólio e a Casa Branca e espremendo-os que virem pó.
Sinclair Lewis imaginou uma taxonomia da ditadura: “A apreensão universal, as tímidas negações de fé, os mesmos métodos de prisão, batidas súbitas na porta tarde da noite…. Todos os ditadores seguiam a mesma rotina de tortura, como se todos tivessem lido o mesmo manual de etiqueta sadística.”
Finalmente chegamos ao que Trump poderia fazer
Reunindo esses romances como uma espécie de manual para seu governo, listando os (desejados) próximos passos, aqui está o que encontramos: primeiro, um ataque aos tribunais e depois à imprensa, eliminando o acesso àqueles que se opõem aos seus interesses. A barreira contra um presidente-demagogo desaparece quando um partido controla o Congresso, a Presidência e o Supremo Tribunal. O público é distraído pela fanfarra de ações mais insidiosas, como o desenvolvimento de leis contra protestos em massa e ataques a juízes federais que resistem ao quadro geral. Dessa forma, quando grandes protestos ocorrerem e forem ensanguentados e dispersos pela Guarda Nacional, os juízes não interferirão ou se manifestarão contra a lei marcial.
Esses romances concordam que, de todos os truques para pacificar uma população, nenhum é tão grandioso quanto a guerra. Não importa qual país é selecionado – México, Coreia do Norte, Irã, Venezuela – a guerra centraliza o controle e toma prioridade sobre o orçamento nacional, as comunicações e a infraestrutura. Se há uma maneira certa de tornar os estadunidenses em patriotas, basta declarar guerra. Como escreveu Ambrose Bierce, “o patriotismo é tão feroz quanto uma febre, impiedoso; e a sepultura, cega como uma pedra e irracional como um homem sem cabeça.” Para os demagogos presidenciais, tanto o Congresso quanto a Suprema Corte se mostram inconvenientes e, portanto, opcionais. A educação pública, particularmente faculdades e universidades, é negligenciada até que o setor privado assuma o controle. As rebeliões no campus surgem e desaparecem até que o preço do protesto público seja a cooperação, a morte ou o internamento.
O presidente Whipple em A cool million de West, o presidente Lindbergh em The plot against America, ou o presidente Donner em A parábola do semeador – todos concordam sobre quem são os inimigos: particularmente os judeus, imigrantes, qualquer um pobre ou muito “diferente.” Os católicos são difamados e praticamente qualquer religião, exceto o protestantismo mainstream, é profundamente suspeita. Nenhum hindu, budista ou muçulmano aparece nessas obras; os demagogos também os teriam desprezado. O fascismo odeia a concorrência.
Em seguida vêm as milícias, para os Proud Boys de Trump, invadindo o Capitólio, compare com os Stormtroopers de West, os Mercenários de London ou os Minutemen de Lewis. Há variedade na rapidez com que esses grupos são armados, sejam eles vagabundos voluntários ou ex-soldados. Tipicamente, os tiranos americanos isolam e atacam grupos raciais e mobilizam mega-corporações e políticos de extrema direita dentro e fora do Partido Republicano. Para cada Lee Sarason, a iminência cinzenta por trás do Presidente Windrip em Aqui não pode acontecer, há o Bannon ou Miller de Trump.
Finalmente, vale a pena contar o preço da ousadia: deportação para o Japão ou Alemanha em Dick; a remoção gradual de posses e dignidade em London e Lewis. Nestes livros, os estadunidenses podem lutar de volta, mas geralmente não conseguem vencer. Os autores concluem que a população estaria muito distraída, muito despreparada e muito profundamente dividida para agir. Infelizmente, não há nada de novo em temer que o eleitorado americano votaria em um tirano.
“Que tipo de despotismo as nações democráticas têm a temer” é o título do capítulo final de Democracia na América (1835) de Alexis de Tocqueville. Aqui, ele prevê que nos Estados Unidos, o autoritarismo “degradaria os homens sem atormentá-los… A vontade do homem não é destruída, mas suavemente amolecida, dobrada e guiada.”
Mas, ele continua, “de todas as formas que o despotismo democrático poderia assumir, a pior seria entregar todos os poderes do governo nas mãos de uma pessoa irresponsável.” Tocqueville termina seu ensaio com a esperança que impulsiona um Jessup a se organizar e um Everhard a falar a verdade ao poder – uma mensagem para os nossos tempos: “Vejamos, então, o futuro com aquele temor salutar que faz os homens vigiarem e protegerem a liberdade, não com aquele terror fraco e ocioso que deprime e enerva o coração.”
“O dever político do escritor é descrever o mundo em que vivemos como não sendo inevitável,” comentou o crítico de arte John Berger. “Vivemos em um mundo em que estamos cercados por uma parede muito alta, quase invisível, que nos separa de qualquer futuro diferente…. a função política mais profunda do escritor é, de alguma forma, tentar descrever o que está acontecendo dentro, como se fosse dirigido àqueles que no futuro poderiam estar do lado de fora, do outro lado daquela parede.”
O atual presidente ama muros. E assim se torna cada vez mais urgente que os leitores leiam e valorizem autores que abordaram o futuro há muito tempo. Quanto ao futuro desta batalha constitucional e se ela levará ao autoritarismo, a experiência do Brasil, que resistiu e, finalmente, derrubou a ditadura, contém lições para os americanos, se apenas as aprendermos e aplicarmos. Exatamente quais lições, e sua relevância, deixo para alguém mais bem informado delinear.
David King Dunaway é autor de dez livros de história e biografias, entre eles Huxley in Hollywood (Harper Collins, 1990) e Oral History on Route 66: A manual (National Park Service, 2005). Professor na Universidade do Novo México e professor visitante na Universidade de São Paulo.