13.5 C
Brasília
segunda-feira, maio 5, 2025

Crítica | Thunderbolts* (Com Spoilers) – Plano Crítico

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Apesar da Marvel pós-Ultimato ter ganhado um rótulo de má qualidade (justificadamente ou não, está aberto para debate), acho interessante como a percepção do grande público vai na contramão da leitura majoritária aqui do site, que tem mais ranço das produções mais bem quistas pelas audiências, como Deadpool & Wolverine e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa. Digo isso, porque num universo cinematográfico que parece ser melhor recebido quando foca em nostalgia e fan-service, é muito bacana ver algo como Thunderbolts* ganhando um certo respeito por ter elementos subversivos e por tentar ser mais diferente do que enlatados referenciais do gênero. Por um lado, é surpreendente que um filme sem expectativa sobre párias e anti-heróis coadjuvantes no panteão do UCM seja uma reconciliação com um público saturado e cansado do gênero, mas por outro faz perfeito sentido: uma narrativa que foge da norma e que se arrisca para oferecer algo que deixa o confortável de lado e que tenta se afastar, mesmo que pouco, do mais do mesmo. Não à toa, sátiras e paródias de super-heróis têm se tornado cada vez mais populares, vide a franquia de The Boys ou Invencível, por exemplo.

É talvez nesse sentido que algumas produções da Marvel das Fases 4 e 5 não sejam entendidas na proposta do estúdio de, por bem ou por mal, tentar algo diferente ou experimental, o que, quando não funcionou, deu início à válvula de escape para o saudosismo fácil de agradar as massas. Quem sabe Thunderbolts* e Quarteto Fantástico sejam indícios positivos do direcionamento de Kevin Feige e companhia para a próxima fase e para o final dessa segunda saga da franquia, que tem sim problemas de saturação, mas que também começa a realçar um revisionismo do gênero em um período de menor popularidade. Curiosamente, dá para fazer um paralelo desse filme com o primeiro volume da equipe nos quadrinhos, que, como meu colega Ritter expôs na crítica sem spoilers, não tem relação direta alguma com a composição e com a premissa do longa, mas que veio com um tom subversivo em um período de fadiga de HQs de heróis nos anos 90, indicativo de uma nova abordagem com o gênero na década seguinte.

Mas então, dá onde vem essa tal subversão tão reverberada por aí? Penso que de diferentes elementos, como abordarei mais detalhadamente à frente, mas principalmente do tom narrativo mais denso e mais interessado em alguns dramas modernos relevantes, como depressão, solidão e sensação de inércia. O roteiro de Eric Pearson e Joanna Calo não chega a ser necessariamente existencialista, mas contém um relevo psicológico facilmente identificável e uma estrutura clássica de indivíduos encontrando força no coletivo. Paralelos com Guardiões da Galáxia podem ser traçados nesse sentido, principalmente na forma como o texto ganha peso em traumas pessoais e eventos do passado, mas Thunderbolts* tem bem menos humor do que a família cósmica, além de um campo narrativo mais pé no chão, tanto em termos dramáticos, narrativos e técnicos.

O cineasta Jake Schreier não tem nem de longe a mesma criatividade visual de James Gunn, tampouco o roteiro tem o mesmo brilho do primeiro filme dos Guardiões, mas certamente ganhamos outro grupo disfuncional que se apoia em números, com boa parte do texto se aproveitando do trabalho prévio do UCM para contextualizar alguns personagens (quem não tá em dia com a franquia, pode ser que não ressoe tão facilmente com alguns membros do time). Temos Yelena Belova (Florence Pugh), irmã adotiva de Natasha Romanoff e protagonista principal do longa, que está passando por um momento de extrema depressão; John Walker (Wyatt Russell), que vem de uma série de escolhas ruins desde Falcão e o Soldado Invernal, perdendo contato com sua esposa e sua filha; Ava Starr (Hannah John-Kamen), a Fantasma, perambulando intangivelmente de qualquer contato íntimo por conta do seu passado de testes em laboratório; Alexei Shostakov (David Harbour), o Guardião Vermelho, alienado da vida de glória que tanto almeja; e Bucky Barnes (Sebastian Stan), o único personagem da equipe em um estado de sanidade, mas que tem traumas que fazem com que se identifique com os outros desajustados; todos personagens com arcos em construção há alguns filmes e séries, mostrando o lado positivo da história contínua do UCM.

A abertura do filme rapidamente situa o tom da experiência com a logo da Marvel sendo tomada por sombras, enquanto o tema musical da franquia se torna soturno. Quando o plano abre com foco em uma Yelena com feições de indiferença e tristeza, partindo em seguida para um belíssimo shot aberto da personagem saltando de um prédio – aludindo a pensamentos suicidas, no primeiro de muitos momentos simbólicos da obra -, o encaminhamento dramático já fica claro: estamos em um universo de supers melancólicos, com questionamentos sobre propósito e gritos internos por conexão. Pugh entende a tarefa com destreza, incorporando uma Yelena que carrega uma âncora emocional em seus olhos vazios e ações automáticas, indo de uma missão a outra sem senso de direção e sem ninguém para compartilhar seus sentimentos – bacana como a atriz traz esse drama sem perder o carisma e o sarcasmo, como vemos no divertido bloco da sua missão solo no começo do filme, que também dita o tom do humor ácido que veríamos no restante da obra.

Agora, não vou mentir, todo esse drama é um pouco “jogado na sua cara”, das narrações e monólogos dos personagens sobre seus conflitos internos, da fotografia com tons escuros, do preto ao marrom, e das diversas metáforas visuais que abordarei mais à frente, a linguagem visual do filme é cheia de obviedades e lições didáticas, então sutileza não é exatamente uma característica forte aqui, mas os traços emocionais são sinceros, os tópicos são relevantes e Thunderbolts* é de maneira geral um filme bem humano, que funciona em grande parte por causa dos bons personagens. Isso fica bem estabelecido no primeiro encontro do grupo, que acontece em uma emboscada de Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus, muito bem no papel maquiavélico e nas doses de sarcasmo, claramente inspirada em sua atuação em Veep), uma diretora da CIA sem escrúpulos que está passando por um processo de impeachment e que, por isso, precisa fazer uma queima de arquivo, incluindo seus assassinos pessoais. O confronto entre Yelena, Walker, Fantasma e Antonia Dreykov (Olga Kurylenko) é bem dirigido, com cenas de ação de poucos cortes, um senso coreográfico prático e até certo ponto realista (se comparado com filmes de heróis), e um sentimento de frieza dos personagens, claramente prontos para matar sem titubear, mas, principalmente, todos estabelecidos como figuras complicadas e cheias de dor.

Nesse sentido, a morte de Antonia Dreykov é uma boa sacada, porque traz peso para o bloco, principalmente na forma seca e quase sem consideração que sua despedida é tratada posteriormente em um diálogo duro de Yelena, fazendo a audiência entender melhor o elemento descartável que percorre o grupo, nem de longe o padrão de heróis coloridos e bonzinhos, mas também longe das caricaturas bobas de algo como Esquadrão Suicidavale pontuar, porém, que o assassinato de Antonia não é lá uma escolha difícil também, já que a Marvel usa isso de desculpa para tirar de cena uma adaptação do Treinador que o público não gostou. Parte dessa ideia de “pessoas descartáveis” parte da posição da condessa Valentina, que utiliza-os como ferramentas e que acaba sendo o mais próximo de uma vilã no enredo, apesar dela se enquadrar melhor na “figura de uma agência de defesa com poucas morais” que vemos em Nick Fury, Amanda Waller e tantos outros personagens dos universos super-heroicos.

O grande destaque desse bloco inicial é a aparição de Bob (Lewis Pullman) como outra experiência a ser descartada. Apesar dos spoilers terem estragado a surpresa para o público, a narrativa faz um trabalho de mistério interessante até revelar que ele é o Sentinela, especialmente na forma que seus poderes funcionam, não só os traços básicos de super-força, voo, velocidade e afins, mas na maneira que o anti-herói entra na psique, particularmente em traumas das pessoas a sua volta. O personagem é uma grande personificação dos comentários do roteiro, criando literais demônios e pesadelos para os Thunderbolts encararem seus traumas e lutarem com o vazio de suas almas, no que, como falei previamente, não é o tom mais sutil, mas que é bem executado dramaticamente e que presenteia o público com diversas alegorias intensas e algumas mensagens bonitas. Pullman incorpora com boa linguagem corporal e mudanças de feições a instabilidade mental do Sentinela, que é, para todos os efeitos, um Superman insano, em uma das diversas releituras do azulão, além de trazer uma sensibilidade para os momentos mais íntimos do perturbado Bob.

O restante do elenco segue a liderança de Pugh e o antagonismo de Pullman, com destaque para Russell em mais uma performance de qualidade do idiota, porém determinado Walker, bem como de Harbour como o principal alívio cômico do filme, que também lida com outra figura paternal complicada. Infelizmente, Hannah John-Kamen não deixa grandes impressões com sua Fantasma, de longe a personagem de menor expressão no filme, ganhando pouquíssimos momentos particulares e servindo à trama mais pelos seus poderes diferentes, do que por sua personalidade. Bucky é outro meio subutilizado, com seu arco de congressista sendo bem mal executado (aliás, todos os elementos políticos são superficiais, do impeachment a “traição” da secretária de Allegra, com esse lado narrativo sendo basicamente abandonado a partir do momento que Bob aparece em cena), servindo mais de guia moral na reta final da obra.

O filme de maneira geral é simples e econômico, principalmente nas cenas de ação. Como falei, Jake Schreier dirige bem as sequências de pancadaria, que aparecem de maneira esparsas e mais entre o próprio grupo, mas com um tom apropriado e cômico em torno das limitações dos Thunderbolts, com a subida do elevador ou a surra que tomam do Sentinela sendo blocos particularmente divertidos. Senti, porém, falta de uma escala maior de blockbuster, com a produção tendo uma única grande set-piece: o salvamento do grupo pelas mãos do Bucky. A segunda metade da obra ganha outro tipo de característica, com a ação partindo de elementos oníricos e alegóricos, com a escuridão total do Sentinela sendo bem sinistra, até com alguns toques leves de horror (foi engraçado ver as pessoas horrorizadas no cinema quando o antagonista “apaga” uma garotinha).

A tônica das sombras tomando conta das pessoas é uma simbologia pesada e visceral de como a depressão e a solidão gradualmente destroem seres humanos, no que é um tratamento literal e expositivo para problemas mentais e emocionais, mas também relativamente maduro para um filme de bonequinho. A resposta super-heroica é deliciosamente cafona: do grupo segurando uma pedra gigante juntos ou do abraço coletivo como salvação de Bob; tudo aqui ressoa a simpatia e a empatia de histórias esperançosas do gênero, algo que faz falta e que chega a ser irônico de assistir em uma história sobre anti-heróis e ex-vilões. A ironia não para por aí, quando, através de uma manobra midiática, o grupo é vendido como os Novos Vingadores, em uma surpresa muito bem-vinda que justifica o tal asterisco que vem gerando teorias há meses.

Pode ser feito o argumento de que o desfecho é anticlimático, mas penso ser uma conclusão orgânica e tocante para a abordagem dramática do filme, que tem um tratamento bonito sobre diversos dramas modernos que tomam conta da sociedade, só que de modo ainda mais perigoso por serem invisíveis ou imperceptíveis em diversas situações. Mesmo com algumas ressalvas e certas limitações (técnicas e narrativas), Thunderbolts*  mostra a velha regra de que às vezes “menos é mais”, com uma história que foge de histrionismos e elementos convencionais do UCM (piadas incessantes, fan-service e superficialismos dramáticos) para contar uma boa aventura de um grupo de personagens secundários e de pouca expressão nesse universo que, acredito, ressoam muito mais com a audiência em suas falhas, traumas e problemas do que alguns deuses super-poderosos ou mutantes violentos por aí. Não tem jeito, personagens falíveis e humanos geram boas histórias, ainda mais uma trama cheia de subversões e um tratamento com substância como essa, negando qualquer traço de cinismo. Por fim, mesmo soando como uma produção menor, o desfecho e a segunda cena pós-créditos mostram a importância que esses personagens terão no futuro do UCM, agora efetivamente como os Super-Heróis Mais Poderosos da Terra (ha, ha), provavelmente batendo cabeça com o grupo de Sam Wilson (uma menção muito interessante!) com a chegada do Quarteto Fantástico e a provável convergência de várias dimensões em Vingadores: Doomsday. O Guardião Vermelho vai ganhar sua glória no final das contas!

Thunderbolts* (Idem – EUA, 2025)
Direção: Jake Schreier
Roteiro: Eric Pearson, Joanna Calo (baseado em história de Pearson)
Elenco: Florence Pugh, Sebastian Stan, Wyatt Russell, Olga Kurylenko, Lewis Pullman, Geraldine Viswanathan, David Harbour, Hannah John-Kamen, Julia Louis-Dreyfus, Chris Bauer, Wendell Edward Pierce, Violet McGraw, Alexa Swinton, Eric Lange, Chiara Stella, Stefano Carannante
Duração: 126 min.



[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img