24.5 C
Brasília
sexta-feira, maio 23, 2025

Brasil aposta em negociações discretas para reverter tarifaço

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Um ano depois de comemorar o bicentenário das relações com os Estados Unidos, o Brasil entrou em uma fase bem menos festiva com seu parceiro mais tradicional. Além de mudar o comércio global, o tarifaço anunciado por Donald Trump em 2 de abril impôs novos desafios locais. Ainda que o Brasil tenha sido relativamente poupado, com alíquotas de 10% nas exportações aos EUA, alguns setores serão mais afetados. É o caso da indústria, já que a pauta exportadora para os americanos é rica em produtos da manufatura de transformação.

“Todo mundo quer entender como o setor privado está disposto a colaborar”, disse Frederico Lamego, superintendente de relações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), após uma reunião em 9 de maio com autoridades americanas que debateram em Washington com uma missão de empresários brasileiros. “Colocamos as nossas preocupações. Mas o Brasil não está na ordem do dia. A preocupação do governo americano é outra. Estão atualmente tratando com 20 a 30 países, vamos precisar esperar”, lamenta.

É mais difícil negociar hoje nos setores de aço e alumínio do que aconteceu no primeiro mandato de Trump, concorda Abrão Neto, CEO da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham). “Atualmente é um cenário mais complexo, mas as conversas estão acontecendo.” Ele se refere às tarifas de 25% impostas aos dois itens, que precisavam apenas respeitar as cotas estabelecidas anteriormente ao Brasil.

A indústria está apreensiva. Pelos cálculos da Amcham, 70% das nossas exportações estarão sujeitas à alíquota de 10%. Cerca de 20%, a uma tarifa maior, caso do aço e alumínio. O segmento de autopeças também entrou nessa categoria, que pode abarcar ainda produtos derivados de madeira. Outros 10% estão isentos, principalmente no setor de energia, poupado por Trump. Uma boa notícia, já que petróleo é hoje o principal produto de exportação aos EUA.

O Brasil reagiu, ainda que em um grau moderado. Primeiro, em março, contra as medidas sobre aço e alumínio. Em abril, o Itamaraty lamentou a adoção das tarifas que “violam os compromissos perante a Organização Mundial do Comércio (OMC) e impactarão todas as exportações brasileiras de bens para os EUA”. Na ocasião, em uma reunião de cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) em Honduras, Lula chegou a discursar contra as “tarifas arbitrárias” de Trump.

“O presidente sempre fala um pouco mais nessas situações. Faz parte do estilo dele”, contemporiza Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Mas, em termos concretos, a situação é relativamente positiva. O governo tem agido de uma forma correta, procurando negociar justamente no caminho de cotas.” Ele acha que o setor de álcool também poderá ser contemplado com cotas, como alternativa à tarifação. “Os americanos podem abrir o mercado para o açúcar brasileiro, enquanto o Brasil facilitaria a entrada de etanol dos EUA.”

Mas Lamego, da CNI, não enxerga ainda uma luz no fim do túnel. “Isso está muito distante. Nem está sendo colocado ainda”, adverte. Este é justamente o momento dos negociadores. Em 8 de maio, o governo Trump anunciou um primeiro acordo com o Reino Unido, e disse que outros se seguiriam. Mas, como alerta Lamego, isso foi recebido com muita preocupação, já que essa negociação estabeleceu a nova alíquota padrão de 10%. Segundo o economista da CNI, “esse acordo coloca um novo normal, possivelmente não vamos fugir disso”.

A preocupação dos EUA é outra. Vamos precisar esperar”

— F. Lamego

Quatro dias depois, foi a vez de China e EUA anunciarem uma pausa de 90 dias na escalada das tarifas. Trump havia imposto alta de até 145% para as importações chinesas, e Pequim havia retaliado com uma alíquota de 125%. Com o anúncio, esses índices caíram para 30% e 10%, respectivamente.

A atuação do Brasil tem sido discreta. O vice-presidente e ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, teve uma primeira reunião com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, e com o representante comercial Jamieson Greer, em 7 de março. Esse canal com o governo Trump tem sido a base das negociações que também envolvem o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encontrou-se em 4 de maio com o secretário americano do Tesouro, Scott Bessent. “Conversamos sobre todos os assuntos mais importantes”,  declarou Haddad na ocasião.

O Brasil tem uma vantagem nas negociações. Há pelo menos 15 anos registra déficit no comércio com os EUA. Além da diferença negativa de US$ 7,2 bilhões em bens em 2024, registrou déficit em serviços de US$ 30 bilhões no ano passado, lembra o executivo da Amcham.

Ainda que menos contundente que a reação de União Europeia e China, a resposta brasileira foi relevante. O Congresso aprovou sem demora a “lei da reciprocidade”, que autoriza o governo a retaliar “países que imponham barreiras comerciais”. Mas a aposta é a de que vai haver uma acomodação. “Existe interesse em colaborar”, afirma Lamego, da CNI. “Há uma relação de complementaridade entre as duas economias”, acrescenta Abrão Neto. Ele reforça que os EUA são o maior destino dos nossos produtos industriais, com um recorde de US$ 31,6 bilhões em exportações no ano passado. “Isso representa cerca de 80% da nossa pauta exportadora para o país, uma proporção que não temos com nenhum outro parceiro comercial.”

Diante do revés, o Brasil tem como alternativa abrir discussões mais amplas com os EUA, que vão além das tarifas. “São áreas como de transição energética, minerais críticos, tecnologia e propriedade intelectual”, defende Abrão Neto. No primeiro governo Trump, o Brasil também aproveitou para acelerar o acordo do Mercosul com a União Europeia e outros países.

Tracy Francis, CEO de Brasil e América Latina da consultoria McKinsey, diz que exportadores de commodities como o Brasil estão de olho nas oportunidades que se abrirão. “Quem não está negociando com a China está perdendo o timing”, diz. E há acordos entre países que começam a se desenhar que não aconteciam antes, pondera. Ela diz que algumas cadeias de valor globais estão se reconfigurando, como semicondutores e baterias, o que abre oportunidades.

A aposta é que o status quo será retomado. “Há um estoque de US$ 358 bilhões de recursos americanos, um terço de todo o investimento estrangeiro produtivo no Brasil”, defende Abrão Neto. “E os EUA são o principal destino de investimento brasileiro no exterior. Isso deve ganhar força. Mas previsibilidade e segurança jurídica são fundamentais.”

[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img