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segunda-feira, junho 2, 2025

Elon Musk chegou a Washington empunhando uma motosserra e sai deixando turbulência e expectativas frustradas

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O presidente Donald Trump ficou encantado por ter a pessoa mais rica do mundo — e um dos principais doadores de campanha — trabalhando em seu governo, falando como ele era um “cara esperto” que “realmente se importa com o nosso país”.

De repente, Musk estava em todos os lugares — discursando em reuniões ministeriais vestindo uma camiseta de “apoio técnico” e boné preto com o slogan Maga (acrônimo em inglês para “fazer os EUA grandes novamente”), carregando seu filho pequeno nos ombros no Salão Oval, voando a bordo do Air Force One, dormindo na Casa Branca. Os democratas passaram a chamá-lo de “copresidente” de Trump, enquanto autoridades de alto escalão se irritavam com sua postura imperial ao tentar reformular o governo federal.

Depois de consolidar a Tesla como referência em veículos elétricos, construir foguetes na SpaceX e remodelar o cenário das redes sociais ao comprar o Twitter, Musk estava certo de que conseguiria dobrar Washington à sua visão.

Agora, isso tudo acabou. Musk disse esta semana que está deixando o cargo de conselheiro sênior — um comunicado feito após ele divulgar que pretende reduzir suas doações políticas e criticar o principal projeto legislativo da agenda de Trump.

É uma saída silenciosa após uma entrada turbulenta, e Musk deixa para trás um rastro de agitação e expectativas frustradas. Milhares de pessoas foram demitidas indiscriminadamente ou forçadas a sair — centenas das quais precisaram ser recontratadas — e algumas agências federais foram desmanteladas.

Mas ninguém foi processado pelas fraudes que Musk e Trump alegavam ser generalizadas no governo. Musk reduziu sua meta de cortar os gastos de US$ 2 trilhões para US$ 1 trilhão, e depois, para US$ 150 bilhões — e mesmo essa meta poderá não ser alcançada.

No Vale do Silício, onde Musk iniciou sua carreira como um dos fundadores do PayPal, promessas como as dele são conhecidas como “vaporware” — um produto que parece extraordinário, mas nunca chega ao mercado.

Trump, que certa vez chamou Musk de “um grande americano” e um “patriota”, nada disse sobre a saída. A secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse: “Agradecemos a ele por seus serviços”.

O cargo de Musk sempre foi pensado para ser temporário, e ele já havia anunciado sua intenção de dedicar mais tempo às suas empresas. Mas ele também disse a jornalistas no mês passado, que estava disposto a trabalhar meio período para Trump “por tempo indeterminado, enquanto o presidente quiser que eu o faça”.

Musk investiu US$ 250 milhões na campanha de Trump

Estava claro que Musk não seria o conselheiro presidencial típico por volta da época em que mostrou seu umbigo ao mundo. Correndo para o palco em um comício de campanha um mês antes da eleição, ele saltou ao lado de Trump, com a camisa subindo e expondo seu abdômen. Musk já havia convencido Trump da ideia de criar um Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigal em inglês) e também colocar pelo menos US$ 250 milhões por trás da candidatura do republicano.

O plano previa a criação de uma força-tarefa para caçar desperdícios, fraudes e abusos, uma ideia desgastada com uma nova abordagem. Em vez de reunir um painel de especialistas governamentais de alto nível, Trump daria ao seu principal doador uma mesa na Casa Branca e o que parecia ser carta branca para fazer mudanças.

Musk mobilizou engenheiros de software para vasculhar bancos de dados sensíveis, o que prejudicou servidores de carreira — alguns dos quais preferiram pedir demissão a colaborar. Trump ignorou os alertas sobre a falta de experiência de Musk no serviço público ou os conflitos de interesse gerados por seus bilhões de dólares em contratos federais.

A parceria improvável tinha potencial para causar um impacto geracional na política e na administração pública dos EUA. Enquanto Musk ditava ordens para departamentos do governo de seu posto na Casa Branca, ele também se preparava para usar sua fortuna como instrumento de fidelidade ao presidente.

Seu discurso era catastrofista. Os gastos excessivos eram uma crise que somente poderia ser resolvida com medidas drásticas, afirmava Musk. “Se não fizermos isso, os EUA vão quebrar.”

Mas, apesar do tom existencial com que tratava seu trabalho, Musk agia como se a Casa Branca fosse um parquinho. Ele levou os filhos a uma reunião com o primeiro-ministro da Índia. Permitiu que o presidente transformasse a entrada da residência oficial em um Showroom improvisado da Tesla, para ajudar a aumentar as vendas. Instalou uma tela gigante em seu escritório, que às vezes usava para jogar videogame.

Às vezes, Trump convidava Musk para passar a noite no Quarto Lincoln.

“Estávamos no Air Force One, no Marine One, e ele dizia: ‘Quer dormir lá em casa?’”, disse Musk a jornalistas. O presidente fazia questão de que ele recebesse um pouco de sorvete de caramelo da cozinha. “Aquilo é incrível”, disse Musk. “Comi um pote inteiro.”

Ao relembrar sua passagem pelo governo, ele descreveu a experiência como uma brincadeira. “É engraçado que a gente tenha o Doge”, fazendo referência ao meme com um cachorro japonês de expressão surpresa. “Como foi que chegamos até aqui?”

Musk não concedeu aos servidores públicos federais o benefício da dúvida

Desde o começo, Musk tratou os servidores públicos federais com desprezo. Na melhor das hipóteses, eles eram ineficientes. Na pior, estavam cometendo fraude.

Sua equipe ofereceu a eles um programa de demissão voluntária, ou seja, a chance de receber uma compensação para pedir demissão. Funcionários em período probatório — geralmente recém-contratados sem a proteção completa do serviço público — foram dispensados.

Quem decidiu ficar enfrentou exigências cada vez maiores, como os e-mails conhecidos como “cinco coisas”. Musk queria que todo funcionário do governo enviasse uma lista com cinco tarefas que tivesse realizado na semana anterior e afirmou que “não responder seria interpretado como pedido de demissão”.

Alguns funcionários do governo limitaram a aplicação do plano, receosos de que ele comprometesse a segurança em áreas mais sensíveis do governo, e a ideia acabou sendo deixada de lado — um dos primeiros sinais de que Musk encontraria dificuldades para ganhar tração.

Ainda assim, ele continuava dando ordens como se fossem raios lançados do alto. Em um dia de fevereiro, Musk postou “Descance em paz CFPB”, junto com o emoji de uma laje. A sede do Escritório de Proteção Financeira do Consumidor (CFPB, na sigla em inglês), criado após a Grande Depressão para proteger os americanos de fraudes e práticas enganosas, foi fechada e os funcionários ordenados a parar de trabalhar.

Musk já havia começado a destruir a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), um pilar da política externa do país e o maior provedor mundial de assistência humanitária. “Passei o fim de semana triturando a USAID”, gabou-se ele.

Milhares de contratos foram cancelados, o que agradou os conservadores, que desaprovam as iniciativas progressistas da agência em temas como as mudanças climáticas e os direitos LGBTQIA+.

Musk ignorou as preocupações com a perda de um canal vital de ajuda a populações empobrecidas ao redor do mundo, dizendo: “Ninguém morreu”. No entanto, crianças que antes dependiam da ajuda americana morreram de desnutrição, e a expectativa é de que o número de mortes aumente.

Processos começaram a se acumular. Em alguns casos, os trabalhadores conseguiram seus empregos de volta, apenas para serem demitidos novamente depois.

A Administração de Alimentos e Medicamenos (FDA, na sigla em inglês), agência responsável por garantir a segurança de tudo, de fórmulas infantis a medicamentos biotecnológicos, planejava demitir 3,5 mil funcionários. Mas, repetidamente, foi forçada a readmitir pessoas que inicialmente haviam sido consideradas dispensáveis — entre elas, cientistas de laboratório, responsáveis por agendamento de viagens e especialistas em documentação.

Marty Makary, comissário da FDA, que assumiu o cargo após muitos dos cortes, disse aos participantes de uma conferência recente que “foi difícil e meu trabalho é garantir que possamos nos recuperar disso”.

Apenas 1,9 mil demissões de fato ocorreram, mas outros 1,2 mil funcionários aceitaram incentivos para sair ou se aposentar antecipadamente. Especialistas temem que a agência tenha perdido boa parte de seu conhecimento institucional e de sua expertise em áreas como vacinas, tabaco e alimentos.

Há também preocupações com a segurança em terras públicas. O Serviço Nacional de Parques vem perdendo pessoal, deixando menos gente para manter trilhas, limpar banheiros e orientar visitantes. Mais cortes no Serviço Florestal poderão comprometer os esforços de prevenção e combate a incêndios florestais.

A Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) enfrenta uma ampla reestruturação, incluindo o desmonte do Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento, que era responsável por aprimorar o monitoramento da poluição do ar e detectar substâncias nocivas na água potável.

Nem mesmo órgãos pouco conhecidos escaparam. Trump ordenou a redução do U.S, Institute of Peace, um centro de estudos sem fins lucrativos criado pelo Congresso, e a equipe de Musk apareceu para executar o plano. Os líderes do think tank foram destituídos, mas depois reconduzidos aos seus cargos após uma batalha judicial.

Musk avançou pouco nas principais fontes de gastos federais

A maior parte do orçamento federal é destinada a programas de saúde como Medicaid e Medicare, mais a Previdência Social e as Forças Armadas. Infelizmente para Musk, todas essas áreas são politicamente sensíveis e, em geral, exigem aprovação do Congresso para qualquer mudança.

Milhares de funcionários civis foram afastados do Pentágono e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, está reduzindo o número de generais de alta patente e buscando consolidar diversos comandos. Um plano para enxugar o escritório responsável por testar e avaliar novos sistemas de armas poderá economizar US$ 300 milhões por ano. Recentemente, Hegseth pediu que os funcionários enviassem uma ideia por semana para cortar desperdícios.

No entanto, o orçamento do Pentágono aumentará em US$ 150 bilhões, para um total de mais de US$ 900 bilhões, segundo uma proposta de gastos de Trump que está sendo analisada no Congresso. O dinheiro inclui US$ 25 bilhões para lançar as bases do programa de defesa antimísseis “Golden Dome” (Domo de Ouro), e US$ 34 bilhões para ampliar a frota naval com mais investimentos em construção de navios.

Outros US$ 45 milhões deverão ser gastos em uma parada militar em 14 de junho, data do 250º aniversário da fundação do Exército e do 79° aniversário de Trump.

Musk também enfrentou críticas por mirar a Previdência Social, que fornece benefícios mensais a aposentados e algumas crianças. Ele sugeriu que o programa, amplamente popular, era um “esquema de pirâmide e que o governo poderia economizar entre US$ 500 bilhões e US$ 700 bilhões combatendo desperdícios e fraudes.

No entanto, suas estimativas eram exageradas. O inspetor-geral da Previdência Social informou que houve apenas US$ 71,8 bilhões em pagamentos indevidos ao longo de oito anos. Tampouco havia evidências de que milhões de pessoas mortas estavam recebendo benefícios.

Mudanças nos serviços telefônicos da Previdência Social, apresentadas como uma forma de eliminar oportunidades de fraude, foram revertidas após protestos de parlamentares e beneficiários. Ainda assim, a agência poderá perder 7.000 funcionários e fechar alguns de seus escritórios.

A popularidade de Musk despencou, embora muitos americanos concordem com sua premissa de que o governo federal é inchado e esbanjador, segundo pesquisa da Associated Press-NORC Center for Public Affairs Research.

Cerca de 33% dos adultos americanos tinham uma visão favorável de Musk em abril, número que era de 41% em dezembro. Além disso, 65% disseram que Musk tinha influência demais sobre o governo federal.

Musk apresentou resultados modestos

Durante um comício de campanha em outubro, Musk disse que conseguiria cortar os gastos em “pelo menos US$ 2 trilhões”. Em janeiro, antes da posse de Trump, ele reavaliou sua posição, dizendo: “Se tentarmos US$ 2 trilhões, temos uma boa chance de conseguir pelo menos US$ 1 trilhão”.

Mas em abril, em uma reunião do gabinete, Musk apresentou uma meta diferente. Ele estava “animado para anunciar” que eles poderiam chegar a US$ 150 bilhões em economias no atual ano fiscal.

É difícil dizer se esse valor vai se mostrar preciso, especialmente porque o Doge frequentemente infla ou deturpa seu trabalho. Mas o montante fica aquém da iniciativa do presidente Bill Clinton há 30 anos, que resultou em economias de US$ 136 bilhões — o equivalente a mais de US$ 240 bilhões hoje.

Elaine Kamarck, uma figura importante do governo Clinton, disse que eles se concentram em tornar o governo mais responsivo e atualizar procedimentos internos antiquados — um trabalho que levou anos.

“Fizemos aquilo de forma metódica, departamento por departamento”, diz ela. O esforço também reduziu o funcionalismo federal em mais de 400 mil pessoas.

Entretanto, Musk pouco se dignou a ouvir quem conhece os bastidores da máquina pública. “Eles fizeram algumas mudanças sem realmente saber o que estavam fazendo”, diz Alex Nowrasteh, vice-presidente de estudos de políticas econômicas e sociais do centro de estudos libertário Cato Institute. Segundo ele, houve “muitos tropeços evitáveis”.

No final das contas, diz Nowrasteh, “eles criaram as condições para o próprio fracasso”.

[Fonte Original]

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