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sábado, junho 7, 2025

ESG, diversidade e os dilemas da liderança no século XXI

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Nos últimos anos, práticas de diversidade e inclusão — resumidas na sigla DEI — passaram a ocupar espaço central nas agendas ESG. Porém, mais recentemente, assistimos a um movimento pendular: retrocessos, críticas públicas, demissões de executivos ligados à pauta e, acima de tudo, uma crescente associação entre DEI e disputas ideológicas. Por que falar sobre diversidade e inclusão virou sinônimo de polarização ideológica em vez de uma agenda estratégica para organizações melhores? Como chegamos a esse ponto? E o que isso revela sobre os desafios da liderança contemporânea?

Uma das chaves para entender esse cenário está no que o filósofo político Michael Sandel chamou de “a tirania do mérito”. Em seu livro homônimo, Sandel argumenta que a promessa da meritocracia — de que o esforço individual basta para o sucesso — acabou por gerar um profundo fosso social. De um lado, os “vencedores” convencidos de que merecem tudo o que conquistaram; do outro, os “perdedores”, culpabilizados e humilhados por sua suposta falta de mérito. O resultado é corrosivo: ressentimento, falta de empatia, recusa em aceitar políticas redistributivas e, por fim, a ascensão de discursos autoritários e salvacionistas que se alimentam dessa profunda fratura na sociedade.

Essa lógica se reflete diretamente nas resistências às práticas de diversidade. Se o sucesso é visto como resultado exclusivo de esforço pessoal, qualquer tentativa de reparar desigualdades históricas parece um privilégio indevido. É nesse ponto que a liderança organizacional se vê diante de um desafio que não é técnico, mas adaptativo — no sentido proposto por Ronald Heifetz.

Segundo Heifetz, desafios adaptativos exigem mudanças de valores, crenças e comportamentos e não podem ser resolvidos com fórmulas prontas ou planos de ação convencionais. Eles exigem escuta, negociação e coragem para lidar com perdas. Sim, perdas: abrir espaço para a diversidade implica redistribuir poder, repensar normas culturais e revisar critérios de reconhecimento. É por isso que tantas iniciativas de inclusão naufragam. Elas são lançadas como respostas técnicas, mas fracassam por não tratar do real problema: o desconforto profundo que a mudança provoca e as perdas dos grupos afetados – e que geralmente ocupam posições de topo nas organizações.

No Brasil, esse desconforto se manifesta de forma particular. Apesar dos avanços recentes, muitas organizações ainda tratam o ESG — e especialmente a diversidade — como uma agenda acessória, sujeita a ventos políticos ou pressões externas. Quando o contexto muda, recuam. O pêndulo oscila. E, com ele, se perdem talentos, oportunidades de inovação e a chance de construir ambientes organizacionais mais justos e potentes. Soma-se a isso um número crescente de denúncias, reclamações internas e casos de não conformidade, que podem ser lidos como sintomas de uma quebra estrutural: organizações que prometem uma cultura e entregam outra muito diferente. Essa dissonância entre discurso e prática corrói a confiança, compromete a coesão interna e revela não apenas inconsistência, mas sinais de adoecimento institucional.

É preciso recuperar o sentido transformador da diversidade. Não se trata de modismo. Trata-se de reconhecer que organizações mais inclusivas são também mais capazes de aprender, inovar e responder aos desafios complexos do nosso tempo. Para isso, no entanto, será preciso ir além da retórica. Será preciso liderar. E liderar, nesse caso, significa sustentar o desconforto, distribuir perdas e promover espaços reais de escuta e reconstrução. Também pressupõe compreender que as mudanças não são lineares e que os caminhos precisam ser cocriados pelas pessoas impactadas. As soluções adaptativas são, ao mesmo tempo, inovadoras e conservadoras. Elas mantêm grande parte do DNA existente, o que é fundamental para que a negociação avance, mas transformam o que de fato precisa ser modificado.

Se queremos que o ESG seja mais que marketing, se queremos que seja um caminho real para organizações melhores e sociedades mais justas, precisaremos olhar com mais seriedade para os dilemas morais e os conflitos adaptativos que ele impõe. A diversidade não é um ruído a ser contido. É um chamado à maturidade coletiva.

Paula Chimenti é professora e coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação do COPPEAD/UFRJ. É doutora em Administração pelo Instituto Coppead de Administração (COPPEAD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde também concluiu a Especialização em Marketing (IAG Master em Marketing) e se graduou Comunicação Social. Participou do Global Colloquium on Participant Centered Learning, da Harvard Business School. Leciona as disciplinas Gestão de Plataformas e Mercados em Rede, Marketing Digital e Metodologia de Pesquisa nos cursos de MBA Executivo, , Mestrado e Doutorado do COPPEAD/UFRJ.

(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

[Fonte Original]

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