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- Author, Juan Francisco Alonso
- Role, BBC News Mundo
“O hábito não faz o monge.”
Pouco mais de uma hora após sua eleição, Leão 14 apareceu na sacada central da Basílica de São Pedro, no Vaticano, vestido com as vestes tradicionais que os pontífices romanos usam há séculos.
Embora esse gesto possa parecer indicar uma ruptura com o caminho traçado pelo falecido papa Francisco, o discurso do novo pontífice indicou o contrário.
“Devemos buscar juntos como ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que dialoga e que está sempre aberta, como esta praça (referindo-se à Praça de São Pedro), para acolher de braços abertos todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença e do nosso amor”, disse ele.
As palavras foram muito semelhantes às do falecido papa Bergoglio, que em 2023 pediu aos líderes religiosos que não transformassem a Igreja em uma “alfândega para selecionar quem entra e quem não entra”.

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As vestimentas em detalhes
Por volta das 19h do horário de Roma (14h de Brasília) Leão 14 apareceu na sacada central da Basílica do Vaticano para saudar os milhares reunidos na Praça de São Pedro, usando a mozeta e a estola.
A mozeta, uma capa vermelha curta que cai sobre os ombros e pode ter detalhes brancos, simboliza a autoridade do papa e seu chamado à compaixão, de acordo com um artigo da Catholic News Agency.
A estola, por sua vez, é o pedaço de tecido vermelho bordado em ouro que envolve o pescoço do novo pontífice e é usado por padres e bispos quando oficializam cerimônias litúrgicas.
A estola representa os poderes sagrados que os sacerdotes recebem como professores e guias, e busca imitar o pastor que carrega suas ovelhas nos ombros.

A origem da primeira vestimenta é um tanto obscura. No entanto, há evidências de que ela tem sido usado pelo menos desde a segunda metade do século 15, como mostra um afresco do pintor Melozzo da Forli (1438-1494), no qual o papa Sisto 4º é visto usando a peça.
Por sua vez, Stefano Sanchirico, que foi mestre de cerimônias papal, indicou que a capa foi introduzida no traje papal durante o período em que os pontífices se mudaram para a cidade francesa de Avignon.
“A mozeta, cujo uso começou na França, deve ser entendida como um complemento ao traje habitual do papa, semelhante ao dos cardeais”, escreveu o especialista em artigo publicado no L’Osservatore Romano.
“O primeiro papa a usar uma mozeta e estola ao tomar posse da (Basílica Romana de São João) de Latrão foi Clemente 7, o outro papa Médici, em 1525. Seu sucessor, Paulo 3º, fez o mesmo, enquanto São Pio 5º também usou a saia mais curta, e o mesmo fizeram seus sucessores”, acrescentou.
Outro elemento tradicional que Leão 14 reviveu foi a cruz peitoral e o roquete, uma vestimenta branca feita de linho que cobre a batina dos ombros até os joelhos.
Embora as câmeras de televisão não tenham mostrado, é provável que o novo líder da Igreja Católica também tenha escolhido usar os sapatos vermelho-carmesim que os papas usam há séculos.

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Os obrigatórios
A imagem de Leão 15 foi muito semelhante à vista na mesma sacada em 19 de abril de 2005, quando o cardeal alemão Joseph Ratzinger, Bento 16, foi eleito papa, e diametralmente oposta à vista em 13 de março de 2013, quando o papa Francisco foi eleito.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio optou por usar apenas a batina branca reservada exclusivamente aos papas e decidiu continuar usando o mesmo crucifixo que pendurava em seu pescoço desde que foi nomeado bispo no início da década de 1990.
Com esses gestos, o pontífice argentino quis mostrar sua simplicidade e rejeição aos luxos materiais.
Outros símbolos que o papa Prevost exibiu em sua primeira aparição foram o solidéu (o gorro branco que os pontífices usam na cabeça) e o anel de pescador que ele usava no dedo anelar da mão esquerda.
O anel é um acessório que somente o papa pode usar e apresenta a imagem de um discípulo de Cristo pescando em um barco, bem como o nome do atual papa escrito em latim.
A primeira referência conhecida a este anel remonta ao século 13, quando o papa Clemente 4º escreveu uma carta ao seu sobrinho Pedro Grossi na qual menciona esta peça, que era usada para selar sua correspondência privada em cera.
Até o século 16, o anel passou de um papa para outro, mas desde o pontificado de Leão 10, estabeleceu-se o costume de que, após a morte do papa, o camerlengo deve entregar a peça ao mestre de cerimônias do Vaticano para ser destruída com o selo papal, para evitar a falsificação de documentos.

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O simbolismo das cores
Vermelho e branco dominaram a primeira aparição do 267º líder da Igreja Católica.
“As cores branca e vermelha tornam visível o que o papa representa: a pessoa de Cristo e da Igreja, seu corpo místico”, escreveu Sanchirico.
“O Sumo Pontífice sempre aparece vestido com um manto vermelho por fora, mas por dentro está coberto com uma túnica branca, porque o branco significa inocência e caridade, enquanto o exterior vermelho simboliza o sangue de Cristo. (…) O papa, de fato, representa a pessoa (Cristo) que tornou sua vestimenta vermelha para nós”, acrescentou.
No entanto, outros documentos históricos disponíveis no site do Vaticano dão outra explicação para a escolha das cores.
“Por concessão do Imperador Constantino, o Romano Pontífice pode usar a clâmide púrpura e a túnica escarlate e todas as vestes imperiais: cetros, estandartes e ornamentos, com a cruz precedendo-o por onde quer que vá, para mostrar que a ele, mais do que a qualquer outro, convém a palavra do Apóstolo: não há glória senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, e para que ele saiba que deve imitar o crucificado”, escreveu o cronista Guglielmo Durando, em sua Rationale divinorum officiorum, escrita por volta de 1286.
Neste texto, fica claro que muitos dos ornamentos e vestimentas usados pelos papas e outros hierarcas da Igreja foram herdados do Império Romano.

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Além da capa
Embora o traje de Leão 15 possa ser interpretado como um retorno ao passado, suas palavras parecem indicar que a abertura e as reformas iniciadas pelo falecido papa Francisco continuarão.
“Deus nos ama, ele nos ama a todos, o mal não prevalecerá”, disse ele, reconhecendo a “voz sempre corajosa” de seu antecessor.
“Ajude-nos, e depois uns aos outros, a construir pontes de diálogo e encontro. Unindo-nos a todos em um só povo, sempre em paz”, implorou.

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