Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a Pequim, capital da China, no domingo (11/5) para a sua segunda visita oficial ao país desde que assumiu seu terceiro mandato.
Ele fará uma visita de Estado ao presidente chinês, Xi Jinping, e participará, como convidado de honra, da cúpula China-Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac). Lula chega a Pequim após fazer uma viagem oficial à Rússia, comandada por Vladimir Putin, na semana passada.
A visita à China acontece em meio a um cenário de tensão internacional entre as duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China) e que tem respingado no Brasil.
Desde que assumiu seu segundo mandato, o presidente norte-americano, Donald Trump, fez ameaças e anunciou medidas que causaram reações negativas em diversas partes do mundo.
A principal delas foi a aplicação de tarifas sobre a importação de produtos de diversos países, entre eles da China e do Brasil. Trump impôs tarifas de até 140% sobre produtos chineses.
A China, por sua vez, reagiu e também anunciou tarifas sobre produtos norte-americanos, ampliando a tensão entre os dois países. O tiroteio tarifário derrubou as expectativas de crescimento econômico em mercados do mundo inteiro.
O Brasil também foi afetado e atingido por tarifas de 10% para a maioria dos seus produtos.
No plano diplomático, Trump tem feito acenos contra o multilateralismo e chegou a dizer acreditar que, “talvez”, os países da América Latina teriam que escolher entre a China e os Estados Unidos.
Oficialmente, a diplomacia brasileira afirma que a visita de Lula à China não seria uma resposta ao suposto esfriamento das relações com os Estados Unidos ou mesmo uma forma de organizar uma resposta ao “tarifaço” imposto pelos norte-americanos.
“O Brasil preza sua relação com os Estados Unidos e não faz da sua relação com a China algo que se contraponha ao interesse em manter ótimas relações, que aliás, mantemos, com os Estados Unidos”, disse o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Eduardo Saboia, durante entrevista na semana passada.
Mas em meio a esse contexto conturbado, analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a viagem de Lula à China tenta enviar, sim, alguns sinais à comunidade internacional.
Entre os recados estariam a indicação de que o país segue apostando no multilateralismo como forma de se engajar no mundo e de que poderia contar com parceiros de peso, como a China, caso os Estados Unidos sigam com uma política externa de isolamento internacional.
Parcerias acionáveis
A visita de Lula à China é a sinalização para a comunidade internacional de que tanto o Brasil quanto a China têm alternativas em um contexto em que os Estados Unidos se mostram mais isolacionistas.
Essa é a avaliação do coordenador do Centro de Altos Estudos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e ex-pesquisador visitante da Universidade Fudan (na China), Pablo Ibanez, e do professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e pesquisador do Centro de Estudos Globais, Antônio Carlos Lessa.
“Essa viagem é uma demonstração clara de que o Brasil tem alternativas (de parceria) e de que elas estão sendo densamente construídas ao longo dos anos”, diz Ibanez à BBC News Brasil.
“Essa relação (entre Brasil e China) até pode trazer problemas no curto prazo, especialmente em se tratando de tarifas (norte-americanas), mas mostra que o Brasil vem se preparando e criando alternativas a qualquer movimento (internacional) que possa vir a trazer prejuízos ao Brasil”, completa o professor, em menção às tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros.
Nos bastidores da diplomacia brasileira, a ideia de que o Brasil possa ter alternativas diplomáticas em momentos de turbulência é vista como um imperativo. A interpretação é de que as relações com os Estados Unidos estão frias. Lula e Trump ainda não se falaram desde que o norte-americano tomou posse, em janeiro deste ano.
A primeira missão de enviados do Departamento de Estado Norte Americano (equivalente ao Ministério de Relações Exteriores) ao Brasil chegou ao Brasil na semana passada, quase quatro meses após a posse de Trump.
Apesar de manterem encontros com técnicos do governo, um representante da missão enviada pelo governo Trump também se reuniu com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principal adversário político de Lula.
Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil na condição de anonimato afirmou que um dos objetivos da viagem de Lula é apontar que o país não ficaria isolado caso os Estados Unidos mantenham o que ele interpreta como uma política externa mais isolacionista.
Lessa aponta, por sua vez, que tanto da perspectiva brasileira quanto da chinesa, a visita de Lula a Xi Jinping mostra a facilidade com que os dois países podem acionar sua rede de aliados.
“Essa visita reforça essa ideia de que esta é uma parceria acionável e que, eventualmente, possa ser um modelo a ser reproduzido com outros grandes parceiros”, diz Lessa.
Lessa afirma ainda que, na perspectiva chinesa, a visita de Lula a Pequim e o tratamento dado a ele durante sua estadia servem como uma espécie de propaganda para outros países, especialmente na América Latina, sobre a imagem de parceiro que a China quer projetar para o mundo em meio à disputa com os Estados Unidos.
“A China passa a ideia de disponibilidade. É como se estivessem dizendo: ‘Somos um parceiro estável, crível, que não quebramos regras e acordos e que estamos do lado dos nossos parceiros”, diz Lessa.

Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
Aposta no multilateralismo
Sob os holofotes, Lula vem tentando manter uma imagem de neutralidade e defendendo o fim das tensões internacionais, especialmente entre a China e os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, ele vem afirmando que o Brasil seguirá apostando no multilateralismo como forma de engajamento internacional. Essa defesa vai na contramão da política externa adotada pelo presidente Donald Trump.
“Fiz questão de vir aqui para dizer que o Brasil está defendendo o fortalecimento do multilateralismo. Não é possível que a gente não tenha aprendido uma lição com a importância do que foi o multilateralismo depois da Segunda Guerra Mundial […] Discuti isso com o presidente Putin e vou discutir com com o presidente Xi Jinping”, disse Lula em entrevista coletiva no sábado (10/5), pouco antes de embarcar para a China.
O multilateralismo é uma corrente de pensamento nas relações internacionais que defende a resolução de problemas a partir da cooperação entre os países por meio da criação do estabelecimento de regras comuns a serem seguidas por todas as nações, independentemente do seu poderio econômico ou militar.
O engajamento em organismos multilaterais vem sendo, historicamente, adotado pelo Brasil como uma forma de ampliar projeção no cenário internacional. Teóricos das Relações Internacionais apontam que esta é uma das alternativas a serem usadas por países com o perfil parecido com o do Brasil.
Tanto em seu primeiro mandato como em seu segundo mandato, Donald Trump tem feito severas críticas ao multilateralismo.
Na Europa, ele vem defendendo que os Estados Unidos não deverão atuar tão fortemente na defesa do continente como governos anteriores democratas.
Neste ano, ele anunciou, novamente, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, firmado internacionalmente para evitar o agravamento das mudanças climáticas.
A medida esvazia, em parte, uma das principais agendas internacionais do Brasil, que é a pauta ambiental, especialmente no ano que o Brasil sediará a Cúpula das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em Belém, em novembro.
Oficialmente, o Itamaraty seguiu a mesma linha do presidente e disse que a viagem de Lula à China pode ser interpretada como um apelo ao chamado multilateralismo.
Na semana passada, o diplomata Eduardo Saboia disse que a aposta do Brasil no multilateralismo não se resumia à visita à China. Ele citou, como exemplo, as visitas que Lula fez ao Japão e ao Vietnã, em abril deste ano.
“É preciso preservar o sistema multilateral internacional […] (A aposta do Brasil) é a favor, não é contra ninguém. Ao contrário, é um esforço para valorizar isto que é um ativo, um patrimônio comum dos países e que é indispensável”, afirmou.
Para o professor Pablo Ibanez, a viagem de Lula à China é um claro aceno ao multilateralismo.
“Existe uma prioridade de agenda internacional do Sul Global, do multilateralismo e da negociação das questões pacíficas nessa visita […] e a China é um grande parceiro brasileiro”, diz Ibanez.
Nos últimos meses, China e Brasil deram respostas relativamente alinhadas em relação ao tarifaço de Trump ao citarem a possibilidade de recorrerem à Organização Mundial do Comércio (OMC) para arbitrar o assunto.
A entidade, uma das principais apostas da diplomacia brasileira nos anos 1990 e 2000, vem sendo tratada com ceticismo por seguidas administrações norte-americanas.
Em comunicado oficial, o governo brasileiro disse em abril que não descartaria acionar a organização para analisar as tarifas impostas pelo governo norte-americano. Até o momento, porém, nenhuma ação foi movida pelo Brasil.
Os chineses, por outro lado, já moveram uma ação contra os Estados Unidos junto à entidade.
Outra demonstração de alinhamento entre China e Brasil em relação ao multilateralismo é a tentativa de fortalecer os Brics, grupo de países fundado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul e que hoje reúne onze países. Neste ano, a cúpula do grupo será realizada no Brasil, em julho.
Diversificação das exportações
Um outro ponto destacado pelos especialistas é de que um dos sinais enviados pelo Brasil nesta viagem é o de que o país quer diversificar sua pauta de exportações à China, atualmente fortemente calcada em commodities agrícolas e minerais.
Em 2024, segundo dados do governo federal, o Brasil exportou R$ 94 bilhões à China, mas 75% desse total foi composto de apenas três produtos: soja (33%), minério de ferro (21%) e petróleo (21%).
Por outro lado, a boa parte dos US$ 63 bilhões em produtos que a China vendeu ao Brasil são compostos por produtos com alta tecnologia embarcada como carros elétricos, painéis fotovoltaicos, telefones celulares e componentes eletrônicos.
“Há, sim, preocupação em aprofundar e diversificar a nossa relação do ponto de vista comercial. A gente exporta ferro bruto e importa aço da China […] a gente exporta soja a granel e há diversos setores têm se posicionado de maneira muito clara para que a gente tenha uma nova relação com a China”, diz Pablo Ibanez.
O professor, no entanto, avalia que essa mudança de perfil tende a ser difícil de implementar.
“É uma competição muito dura porque a atividade industrial na China se transformou muito rapidamente. Hoje, as indústrias lá nascem, crescem e morrem com muita facilidade. É difícil competir diretamente, mas é um ponto que está na pauta dessa visita para que essa relação seja menos díspar (ao Brasil)”.
O embaixador Eduardo Saboia confirma essa ideia.
“A China despontou como grande importador de produtos brasileiros e a gente tem superávit com a China que ninguém vai achar ruim. O que nós queremos é diversificar nossa pauta exportadora com a China e diversificar os investimentos e as parcerias com a China procurando atraí-la para projetos de neo-industrialização, capacitação tecnológica e transição energética”, disse o diplomata.