Crédito, Getty Images
- Author, Joe Tidy
- Role, Correspondente de Cibernética da BBC News
Mas, apesar dessa ascensão meteórica, um profundo mistério ronda esse universo: qual é a verdadeira identidade de seu fundador, o elusivo Satoshi Nakamoto?
Muitos tentaram responder a essa pergunta, mas até agora todos falharam.
Em outubro de 2024, um documentário da HBO sugeriu que um especialista canadense chamado Peter Todd era o criador do bitcoin.
O único problema: ele próprio negou a alegação.
Os ouvidos se aguçaram no mundo das criptomoedas novamente quando, em novembro do ano passado, foi divulgado que o misterioso criador do bitcoin finalmente revelaria a identidade em uma coletiva de imprensa.
Há um profundo interesse em saber quem é Satoshi Nakamoto, em parte porque ele é considerado um programador revolucionário que ajudou a impulsionar a indústria das criptomoedas.
A voz, as opiniões e a visão de mundo dele seriam extremamente influentes em uma indústria com uma base de fãs tão dedicada e zelosa.
Mas o fascínio também advém do fato de que, como detentor de mais de um milhão de bitcoins, Satoshi seria um multibilionário.
Dada essa vasta riqueza, foi um tanto incomum que o organizador da coletiva de imprensa cobrasse um ingresso por um lugar no evento.
Um lugar na primeira fila custaria 100 libras (R$ 758, na cotação atual).
Um adicional de 50 libras (R$ 379) seria cobrado para quem quisesse fazer perguntas ilimitadas.
O organizador do evento, Charles Anderson, chegou a me incentivar a gastar 500 libras (R$ 3.790) em troca do privilégio de entrevistar “Satoshi” no palco.
Anderson disse que eu poderia ir de qualquer maneira — mas alertou que talvez não houvesse lugar para mim, tamanha a expectativa.
Acontece que conseguir um lugar não foi problema nenhum.

Apenas cerca de uma dúzia de repórteres compareceram ao prestigiado Frontline Club, em Londres, no Reino Unido.
A organização do clube chegou a anunciar que apenas fornecia uma sala, sem qualquer endosso oficial ao que seria apresentado ali.
Logo ficou claro que todos os participantes estavam extremamente céticos com o anúncio.
Após algumas investigações, descobriu-se que tanto o organizador quanto o suposto Satoshi estavam envolvidos em uma complexa disputa judicial por fraude — justamente ligadas às alegações de assumir a identidade de Satoshi.
Foi um começo nada promissor para o evento, e as coisas só pioraram a partir dali.
Anderson convidou “Satoshi” para subir ao palco.
Um homem chamado Stephen Mollah, que até então estava sentado em silêncio na lateral do palco, aproximou-se e declarou resolutamente: “Estou aqui para declarar que sim: eu sou Satoshi Nakamoto e criei o bitcoin na tecnologia blockchain.”
Durante a hora seguinte, os repórteres passaram da diversão à irritação, pois ele não apresentou nenhuma das evidências prometidas para confirmar aquelas alegações.
Mollah chegou a prometer que faria o gesto “secreto” para desbloquear e interagir com os primeiros bitcoins criados — algo que só Satoshi poderia fazer.
Mas ele não fez nada disso.
Parti do evento, junto de outros repórteres perplexos, cheio de dúvidas remanescentes e com a certeza de que aquela experiência se provou mais um beco sem saída na busca para desmascarar a identidade de Satoshi.

Outro suspeito
A lista de pessoas identificadas — sem sucesso — como Satoshi Nakamoto é longa.
Em 2014, um artigo de grande repercussão na revista americana Newsweek afirmou que o criador do bitcoin era Dorian Nakamoto, um nipo-americano radicado na Califórnia, nos EUA.
Ele negou — e, posteriormente, essa alegação foi amplamente desmentida.
Um ano depois, o cientista da computação australiano Craig Wright foi denunciado como o verdadeiro Satoshi por um grupo de repórteres.
Ele negou. Depois afirmou que era verdade — no entanto, durante muitos anos, não conseguiu apresentar nenhuma prova disso.
No ano passado, o Tribunal Superior de Londres decidiu que Wright não era o inventor da mais famosa criptomoeda.
Os juízes alertaram que, se ele continuasse a insistir no tema, poderia ser até preso.

Crédito, Reuters
O bilionário da tecnologia e entusiasta de criptomoedas Elon Musk também negou estar por trás da criptomoeda após um ex-funcionário de uma de suas empresas, a SpaceX, sugerir a ideia.
O que nos leva à pergunta: será que isso realmente importa?
A avaliação atual do mercado de criptomoedas significa que a empresa que controla o bitcoin vale mais que o Google.
E parece inconcebível que essa gigante da tecnologia financeira desempenhe um papel tão importante em nossas vidas sem que as pessoas saibam quem a fundou e quem possui uma fatia considerável do negócio.
Talvez exista um bom motivo para o verdadeiro Satoshi ficar quieto.
O estoque de bitcoins que ele possui tem um valor estimado em dezenas de bilhões de dólares — e sua vida e caráter, sem dúvida, seriam rigorosamente investigados caso ele fosse identificado.
Peter Todd, que foi apresentado como o criador da criptomoeda pelo documentário da HBO, disse que a atenção indesejada que ele recebeu o deixou preocupado em relação à segurança.
Muitos no mundo das criptomoedas apreciam o fato de o mistério permanecer sem solução.
“Ninguém sabe quem é Satoshi, e isso é bom”, postou Adam Back, um dos principais desenvolvedores — e outro potencial candidato a Satoshi — no X (o antigo Twitter).
Natalie Brunell, uma podcaster que cobre assuntos relacionados ao bitcoin, acredita que o anonimato de Satoshi não é apenas deliberado, mas essencial.
“Ao ocultar sua verdadeira identidade, Satoshi garantiu que o bitcoin não tivesse um líder ou uma figura central, cuja agenda pessoal pudesse influenciar o protocolo”, analisa ela.
“Isso permite que as pessoas confiem no bitcoin como um sistema, em vez de depositarem sua confiança em um indivíduo ou uma empresa.”
Carol Alexander, professora de Economia na Universidade de Sussex, no Reino Unido, tem menos certeza sobre isso.
Na opinião dela, o circo em torno de quem é Satoshi Nakamoto distrai as pessoas de olharem — e se familiarizarem — com a questão mais séria de como as criptomoedas podem mudar o funcionamento da economia.
Ao sair do Frontline Club em novembro do ano passado, era difícil compreender a função daquele bizarro evento.
Por enquanto — e talvez para sempre — a busca por Satoshi continua.