Crédito, Agência Brasil
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Para o ministro aposentado e presidente do tribunal entre 1997 e 1999, o STF não tomou qualquer decisão que interfira em assuntos domésticos americanos e a Casa Branca atua para garantir imunidade a suspeitos de crimes cometidos no Brasil.
“No caso brasileiro, não houve, em momento algum, por parte do STF, qualquer determinação que pudesse caracterizar indevida intromissão em assuntos domésticos dos EUA ou interferência no exercício da jurisdição interna desse país.”
“Pelo simples fato de que tais matérias (assuntos domésticos e jurisdição interna) submetem-se ao exclusivo domínio político e jurídico legitimado pela soberania americana!”, continuou, em resposta escrita.
O governo Trump mira autoridades em diversos países que têm atuado para regular plataformas digitais ou tomado decisões contra usuários que estariam cometendo crimes em redes sociais .
Nos últimos anos, Moraes suspendeu contas em plataformas ou determinou a prisão de pessoas que teriam proferido discursos antidemocráticos e ameaçado autoridades brasileiras no ambiente virtual, atingindo grandes empresas sediadas nos EUA.
Na semana anterior, porém, Rubio ameaçou Moraes com possíveis sanções previstas na Lei Global Magnitsky. Essa legislação americana permite outras punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos, como a proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo sancionado.
“Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça”, disse Rubio ao ser questionado pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida, parlamentar que tem dialogado com Eduardo Bolsonaro.
Em meio às ameaças, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, marcou para a próxima quarta-feira (04/06) a retomada do julgamento do Marco Civil da Internet, que estava suspenso desde dezembro por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça.
Nessa ação, a Corte analisa se plataformas digitais devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso.
À BBC News Brasil, Celso de Mello criticou a movimentação do governo americano e disse que Trump desrespeita “a igualdade soberana dos Estados nacionais”, prevista na Carta das Nações Unidas (ONU).
“A tentativa de querer interferir, política e diplomaticamente, em assuntos internos do Brasil, brandindo medidas com o autoritário (e irresponsável) objetivo de pressionar e de influir sobre os rumos de um processo criminal instaurado em nosso País, motivado por gravíssimas acusações, SÓ PODE RESULTAR da arrogância desmedida de quem assim age ou DERIVAR de sua inaceitável (e contraditória) pretensão de agir como verdadeiro “monarca presidencial” (ou inadmissível “imperator mundi”)”, respondeu o ministro aposentado por escrito.
Para Celso de Mello, o governo Trump busca sustentar uma tese “esdrúxula” de que a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que garante a liberdade de expressão e outros direitos, teria validade fora do território americano e impediria autoridades brasileiras de atuar “mesmo que as ilicitudes cometidas por nacionais americanos ou estrangeiros residentes nos EUA tenham sido perpetradas em território brasileiro”.
“Autoridades e agentes públicos brasileiros são pautados, no que concerne ao desempenho de suas funções, pelo que dispõem a Constituição e as leis da (nossa) República!”, escreveu ainda à reportagem.

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Não está claro que tipo de medida está sendo cogitada contra Moraes. Para Celso de Mello, uma ação restrita à recusa de visto para entrada no país seria diferente de sanções mais amplas.
“Finalmente, mostra-se diversa, segundo entendo, a situação em que os EUA — tanto quanto o Brasil e qualquer outro Estado estrangeiro — deliberarem impor restrições à concessão de “vistos”, porque, nesse específico caso, o controle de movimentação de estrangeiros (ingresso e saída) em seu território tem fundamento no poder soberano de que dispõe qualquer Estado na ordem internacional”, explicou.
“Trata-se, na realidade, de poder discricionário fundado na soberania dos Estados nacionais, ressalvado o que tais Estados vierem a pactuar nas convenções internacionais que celebrarem com outros Estados estrangeiros”, disse ainda.
Há três consequências principais para quem é colocado dentro da lista de sancionados da Lei Magnitsky:
- proibição de viagem aos EUA;
- congelamento de bens nos EUA;
- proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo sancionado.
Esse último item é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas pelos EUA, afirma Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do mundo — em entrevista à BBC News Brasil.
Isso significa, por exemplo, que os cartões de crédito de Moraes podem ser cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas?
Em tese, sim. Mas não necessariamente. Decisões como essa precisariam ser analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Kubesch afirma que há precedentes em que isso aconteceu.
“A American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes [sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de clientes”, diz a advogada.
“Da mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções.”
E as contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as contas do juiz brasileiro?
Kubesch afirma que existe uma “zona jurídica cinzenta” quanto a isso.
“Ser sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que alguém tivesse uma conta”, diz a advogada.
Isso porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à liberdade de expressão, diz Kubesch.
“Mas existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover sua agenda específica”, diz a advogada.
“Há precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi sancionado”, ressalta Kubesch.
“Há precedentes de plataformas de mídia bloquearem contas após a imposição de sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da qual eles teriam que agir.”
A advogada diz que a inclusão de pessoas na lista de sanções pela Lei Magnitsky é “semilegal” e “semipolítico”.
“É preciso que a pessoa sancionada esteja envolvida em graves violações de direitos humanos, e esse é um teste legal que precisa ser cumprido. Agora, impor ou não uma sanção, no final das contas, fica a critério das autoridades governamentais relevantes.”

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A especialista diz que o possível enquadramento de Alexandre de Moraes nas sanções pela Lei Magnitsky seria incomum, considerando como a lei costuma ser usada.
“Essa pessoa [Moraes] provavelmente não seria passível de sanções sob as Lei Magnitsky no Reino Unido”, diz Kubesch, em referência à lei britânica de mesma natureza — Canadá e União Europeia também têm suas próprias leis Magnitsky.
“No Reino Unido, você só pode ser sancionado e sujeito às sanções Magnitsky se estiver envolvido em uma violação grave do direito à vida, do direito de não ser torturado e do direito de não ser escravizado. E nenhum desses casos se aplica aqui em particular, então ele não seria elegível para as sanções Magnitsky sob a lei do Reino Unido.”
Ela aponta que, sob o novo governo de Donald Trump, parece estar havendo mudanças nos critérios de inclusão ou exclusão da lista de sanções americanas.
Recentemente, o governo americano retirou da lista colonos israelenses na Cisjordânia que estavam implicados em abusos de direitos humanos e uma autoridade do governo da Hungria que havia sido sancionada pelo governo do ex-presidente Joe Biden por corrupção.