Desde o final do ano passado, quando o Banco Central do Brasil lançou a Consulta Pública 111, investidores e empresas que atuam no mercado de criptomoedas estão ‘em alerta’ para a possibilidade do regulador classificar stablecoins como integrante ao mercado de câmbio.
A medida gerou inúmeras críticas da comunidade cripto no Brasil e recentemente o BC declarou que deve rever alguns pontos, contudo o regulador deixou claro que ‘rever alguns pontos’ não significa que ‘desistiu da proposta’, ou seja, pontos da CP 111 devem ser alterados, mas a tese da regulação não muda: stablecoins devem ser classificadas dentro do mercado de câmbio.
Entre as principais consequências dessa medida está a geração de um imposto para transações com stablecoins. Nesse ponto, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, já sugeriu inclusive elevar a tributação sobre remessas de criptomoedas para o exterior.
Embora o BC declare que “não cria imposto”, está claro para qualquer integrante do mercado que se a Receita Federal cobra IOF de determinadas operações de câmbio, logo, se stablecoins forem = a câmbio então, seria inocente acreditar que a RFB vai ‘deixar quieto’ e não vai aplicar as mesmas regras do IOF para as operações com stablecoins.
A ‘gana’ da Receita Federal com as operações digitais (e aí estão incluídas as stablecoins, criptomoeda entre outras) não é de hoje. Durante o governo Jair Bolsonaro, por diversas vezes, se debateu a criação da “nova CPMF” que seria um imposto para todas as operações digitais, incluindo criptomoedas, já que a Receita Federal declarou por diversas vezes que esse mercado movimentava bilhões todo o mês e não podia ficar isento de taxas.
A ‘nova CPMF’ naufragou, mas o interesse em taxar os ativos digitais não. Além disso, o tema esta ainda mais latente no Governo que, com o aumento nas taxas do IOF, viu o volume de operações com stablecoins crescer.
De acordo com os advogados Fernando Lopes e Marcella Zorzo, não dá para classificar stablecoins com operações de câmbio automaticamente, dado as particularidades do setor cripto.
“A legislação brasileira impõe o IOF sobre operações de câmbio, crédito, seguro e títulos e valores mobiliários. Contudo, transações realizadas com stablecoins em redes descentralizadas, como a Ethereum, podem, em tese, não se enquadrar nesses conceitos tradicionais. Quando essas transações são impessoais, automatizadas e transnacionais — ou seja, quando não há partes juridicamente identificáveis e a liquidação não se dá via instituições financeiras sob regulação nacional — abre-se uma discussão legítima sobre a inaplicabilidade do IOF”, destacam
Deputado ‘parte pra cima’ de diz NÃO para IOF em stablecoins
Em entrevista concedida ao Cointelegraph Brasil, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM) expressou forte oposição à proposta do governo federal de classificar stablecoins como operações de câmbio e sujeitá-las à tributação pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O parlamentar criticou duramente a iniciativa que deturpa a finalidade original do IOF, transformando-o em uma “torneira de arrecadação” que penaliza a inovação e a liberdade econômica.
“O IOF é uma ferramenta técnica de controle cambial e não deveria existir. Para piorar virou uma torneira de arrecadação para sustentar um Estado inchado e gastador. Usar o câmbio como pretexto para tributar é pura maquiagem fiscal.”, disse.
Para o deputado, o câmbio deve ser livre, e tanto o dólar quanto as stablecoins devem ficar fora da taxação estatal. Ele considera a proposta do governo um sinal de desespero para impor controle e buscar recursos para suprir seu descontrole fiscal. Luiz Philippe acredita que a medida coloca o Brasil na contramão da inovação, enquanto o mundo avança em liberdade financeira.
“O câmbio deve ser livre. Logo, o dólar ou stablecoins quaisquer devem ficar fora da taxação do Estado. É o desespero do Governo em impor controle e buscar recursos para suprir seu descontrole fiscal.”, afirmou.
Ele alerta que o país retrocede com burocracia e insegurança jurídica, enviando um recado claro aos inovadores: “procurem outro país”.
“Essa medida coloca o Brasil na contramão da inovação. O mundo avança em liberdade financeira; o Brasil retrocede com burocracia e insegurança jurídica. O recado é claro: inovadores, procurem outro país.”
O deputado enfatizou que a medida não traz ganhos para a economia nem proteção ao cidadão, apenas mais poder para o Estado, desestabilização do mercado e custos adicionais para o investidor. Ele classificou a proposta como um retrocesso, afirmando que é o velho vício de sufocar o mercado para alimentar a máquina pública. Luiz Philippe defende que o Brasil deve promover reformas que simplifiquem impostos e aliviem a carga tributária, em vez de criar novas barreiras à inovação e ao crescimento econômico.
“Não há ganho para a economia, nem proteção ao cidadão , só mais poder para o Estado, desestabilização do mercado e mais custos para o investidor. É o velho vício de sufocar o mercado para alimentar a máquina pública. Não é reforma, é retrocesso.” finalizou.
Stablecoins = câmbio = IOF: a história não é bem assima
Daniel Paiva, da Paiva Gomes Advogados, aponta que incluir operações com stablecoin como “transação incluída no mercado de câmbio” pela CP 111 não é sinônimo de incidência do IOF. Segundo ele, as contas de domiciliado no exterior são incluídas no mercado de câmbio e nem por isso tem IOF.
“Há IOF na conversão de moeda nacional por estrangeira. Por isso, o regulador já chegou a comentar em algumas oportunidades que ser uma transação incluída no mercado de câmbio não é a mesma coisa que ser operação com contrato de câmbio”, disse
Ainda segundo Paiva, outro ponto, o fato de ser descentralizado é irrelevante para incidência tributária. O código tributário nacional deixa claro que a forma de percepção do rendimento (ou seja, se é centralizado ou descentralizado) não afeta a incidência tributária.
Além disso, ele também afirma que não há sequer uma solução de consulta COSIT da RFB sobre IOF em stablecoins. O advogado argumenta que ativos virtuais de pagamento, estáveis ou não, não são moeda, portanto, se não são moeda, qualquer debate sobre IOF em stablecoin parte de uma premissa de ilegalidade a nível infralegal.
“O que existe e sempre existiu: empresa BR “importa” (nacionaliza) cripto para integrar no seu balanço e vender? Se sim, incide IOF por existir essa “importação”, que deve ser formalizada por contrato de câmbio, inclusive, existindo códigos cambiais específicos pra isso. Outro cenário; IOF é utilizado como rail alternativo ao SWIFT pra pagar por um serviço ou bem importado, incide IOF sobre o bem ou serviço, independente do rail utilizado. Isso não tem nada a ver com discutir a incidência de IOF sobre a compra/venda de stablecoins entre residentes no Brasil”, disse.
Apostar no uso das criptomoedas
Quem também defende que ao invés de taxar os criptoativos o governo deve investir em uma regulamentação pró-setor é Paolo Ardoino, CTO da Bitfinex e CEO da Tether. Para ele, a América Latina tem tudo para liderar o movimento de adoção, uso e regulamentação positiva do mercado cripto.
Acreditamos muito no potencial da região para abraçar esse novo modelo representado pelo Bitcoin, pelas stablecoins e por todo o ecossistema cripto. Uma regulamentação bem feita, clara e tecnicamente sólida ajuda a criar confiança, atrair investimento e fortalecer o mercado”, disse.
Segundo a Bitfinex existem três grandes vantagens quando um país, como o Brasil, tem regras bem definidas para o mercado de criptoativos. Entre elas, a exchange afirma que quando há segurança jurídica, os investidores sentem mais confiança para colocar dinheiro no setor. Eles passam a enxergar o mercado cripto como uma estrutura sólida, com regras, tecnologia e liquidez suficientes para planejar no longo prazo. E, para os investidores, três coisas são prioridade: segurança, compliance e acesso às melhores ferramentas para gerenciar seus ativos.
Além disso, a empresa argumenta que centenas de empresas na América Latina, incluindo family offices, fundos de investimento, grandes corporações e até órgãos públicos, estão adotando cripto não apenas por tendência, mas por entenderem seu papel estratégico nas finanças. Isso serve para diversificar investimento, proteger contra inflação, cortar custos e ganhar autonomia financeira.
A empresa também argumenta que hoje, quem gerencia fundos, tesourarias de empresas e patrimônios familiares já entende que cripto não é concorrente do mercado tradicional, é complemento. Essa integração ajuda a reduzir riscos, traz mais estabilidade e abre portas para acessar mercados e oportunidades que o sistema financeiro tradicional, sozinho, não alcança.
“Nosso trabalho não é ficar discutindo se o mercado vai adotar ou não cripto no futuro. A gente mostra que a infraestrutura já existe e funciona. Na Bitfinex, vemos a região como um mercado com base financeira sólida, tecnologia avançada e vontade real de modernizar e seguimos apostando nisso, construindo pontes entre os dois mundos”, disse Will Hernández, gerente de desenvolvimento de negócios da Bitfinex na América Latina.