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domingo, maio 4, 2025

‘Clean girl’: Entenda o que está por trás da tendência que ainda bomba na web e como ela exclui mulheres não-brancas e fora do padrão

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Cabelos impecavelmente alinhados, mas sem a impressão de que penteá-los deu muito trabalho. Maquiagem suave, tons terrosos, roupas de corte reto, monocromáticas e pouquíssimas ou nenhuma estampa. Vão-se as “garras” e ficam as unhas naturais, talvez com algum desenho, desde que não envolva pedras e brilho. Tatuagem indiscreta? Nem pensar! O estilo “clean girl” (garota limpa), mais uma das incontáveis tendências de moda e beleza produzidas nas redes sociais, já perdura há muitas estações. E, por enquanto, parece estar longe de arrefecer. Tudo graças às modelos Bella Hadid, Kendall Jenner, Hailey Bieber e Sofia Richie, e as atrizes Selena Gomez e Margot Robbie.

Especialistas entregam, no entanto, como a moda “clean”, aparentemente inofensiva, condena qualquer imperfeição e como os algoritmos das redes trabalham para que ela seja associada — e representada — apenas a mulheres brancas, magras, jovens, com a pele sem acne ou manchas e alto poder aquisitivo. “Não que as que estão fora do padrão não possam reproduzi-la, mas uma coisa limpa, branca, é estranha… A tendência faz distinção de classes”, analisa Rosanna Naccarato, pesquisadora e professora de projetos em design de moda do Senai Cetiqt. “Para alguém comum, que trabalha e estuda, é difícil bancar essa vida perfeita. É uma tendência que o próprio nome sugere racismo, e também é etarista e gordofóbica, uma vez que você não vê mulheres mais velhas ou gordas adeptas dela”, continua.

Margot Robbie é um exemplo da beleza ‘clean girl’ — Foto: Reprodução Intagram

A maquiadora Vanessa Rozan lembra que essa história começa lá atrás e tem raízes polêmicas. O ideal de beleza, explica, nasceu na Grécia antiga, exclusivamente para os homens. “Ele começou a ser mais importante para a mulher quando surge o conceito de estado e de classes sociais. As mais abastadas, que não trabalhavam, não ficavam expostas ao sol e tinham a pele muito clara, tornam-se objeto de desejo, principalmente no Renascimento”. Mais tarde, esse estereótipo de mulher é atrelado à bondade. Nos anos 1920, o movimento eugenista no Brasil reforça a ideia de que o belo é a pele branca. “A pele mais escura, o cabelo cacheado, era associado à criminalidade. Hoje, a estética ‘clean girl’ tem essa raiz eurocêntrica, de uma mulher controlada, organizada, que não trabalha e anda de alfaiataria bege, em um cenário todo bege. Como se isso fosse possível”.

Além de toda a problemática social, a tendência também expõe as artimanhas dos algoritmos nas redes, e como ele exclui criadoras de conteúdo não-brancas. Segundo Arthur Almeida Menesês Barbosa, codiretor executivo do Aqualtune Lab, coletivo jurídico que busca racializar discussões em temas como o uso de tecnologias, não há provas de que esses algoritmos escondam pessoas negras. “Contudo, não significa que o resultado final não seja excludente. Eles não entendem o conceito de raça como um humano, mas aprendem por associações a partir de uma base de dados”, diz Arthur. Ou seja: se as fotos marcadas nas redes com #cleangirl mostram mulheres jovens, brancas e magras, a máquina associa esse visual ao sucesso da “trend”. “O que é um enorme erro. Quem está fora do padrão e tenta aderir à estética ,possivelmente não terá igual visibilidade, porque suas postagens não performam tanto. O resultado é um racismo algorítmico”.

Embora seja adepta de um visual minimalista e “clean”, optando por maquiagem leve e penteados simples, a empresária e influenciadora negra Bárbara Brito explica porque a tendência nunca a representou. “Falo sobre o mercado de luxo, mas não vejo pessoas parecidas comigo. Não acho o visual em si negativo, mas ele configura um viés racista, mesmo sem intenção. E a partir do momento em que se cria uma tendência, você já está excluindo e oprimindo alguém”, aponta. Mesmo sem se sentir deixada de lado, Bárbara põe em xeque o próprio gosto pessoal. “Não sei se sempre gostei desse visual, mas a partir do momento em que circulo por determinados espaços, me sinto desconfortável em usar outros tipos de roupa, porque o conceito de sofisticação é esse ‘clean’”, afirma Bárbara.

A influenciadora Bárbara Brito — Foto: André Ligeiro e Mateus Silva
A influenciadora Bárbara Brito — Foto: André Ligeiro e Mateus Silva

Entusiasta da beleza e dos comportamentos sociais, o antropólogo Michel Alcoforado detalha algo intimamente ligado à tendência “clean girl”: como as elites se movimentam para se separar das classes populares. “É um marcador social forte. Porque a medida em que os mais pobres têm acesso a produtos de beleza, a maquiagens, os mais ricos mostram que não precisam de tanta maquiagem assim”. A beleza natural, continua ele, não surge “do nada”, como tenta parecer; ela é fruto de uma ferrenha construção. “O natural é algo oriundo do bem-nascido e há muito investimento nisso. Aí também entra a onda do ‘quiet beauty’, em que o bacana é fazer muitos procedimentos, dando a impressão de não ter feito nada. A elite se organiza sempre para ter o domínio do que é belo e impor seus padrões de beleza”, finaliza Alcoforado.

Torcemos para que um dia o jogo vire.

[Fonte Original]

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