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segunda-feira, junho 2, 2025

Fies: inadimplência dobra em uma década e já atinge dois terços dos beneficiados em meio a queda no interesse

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O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) atingiu, em 2024, o menor interesse e a maior taxa de inadimplência dos últimos dez anos. O programa está com 62% dos contratos com o pagamento atrasado — esse indicador era de 31% em 2014 —, e o número de estudantes que concorrem a uma vaga caiu de 1,1 milhão em 2016 para apenas 167 mil no ano passado. Os dados foram apresentados na última quinta-feira por Adilson Santana de Carvalho, responsável no Ministério da Educação (MEC) por cuidar do Fies e do Programa Universidade para Todos (Prouni).

— Esse foi o diagnóstico que fizemos da maneira que encontramos o Fies e estamos buscando soluções. Precisamos sentar e conversar, inclusive com o setor das instituições de ensino privadas, para encontrar alternativas — afirmou Adilson, diretor de Políticas e Programas de Educação Superior da Secretaria de Educação Superior do MEC.

A declaração ocorreu durante o Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular (Cbesp), no Rio Grande do Norte. O encontro é realizado pelo Fórum Brasil Educação, entidade composta por diferentes entidades de instituições de ensino superior privadas, como a Associacao Brasileira de Mantenedouras do Ensino Superior (ABMES).

O Fies é um programa no qual o governo federal paga a mensalidade de universidades privadas para alunos carentes, e os estudantes precisam arcar com essa dívida depois que se formam. A ideia é que o dinheiro devolvido pelos formados banque os novos contratos. Essa estratégia é amplamente utilizada no mundo, com diferentes modelos, mas é insustentável com esse patamar de inadimplência.

Em 2014, o programa chegou a ter 733 mil contratos firmados, nível considerado exagerado por especialistas. No entanto, em 2023, teve apenas 44 mil, um número muito mais baixo do que poderia ser, já que havia 112 mil vagas.

— As pessoas não estão querendo o Fies nesse modelo que encontramos. O produto se tornou desinteressante para boa parte dos alunos — explica Adilson.

O diagnóstico do MEC, que é compartilhado por especialistas no programa ligados ao setor privado, é de que a reforma promovida no programa em 2017 causou esses problemas ao tentar contornar exageros cometidos na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT). Primeiro, foram criadas regras de desempenho para que os estudantes possam acessar o financiamento. Além disso, as medidas do governo de Michel Temer (MDB) extinguiram o financiamento de 100% dos cursos. Ou seja, o estudante precisa pagar a cada mês uma parte da mensalidade — algo em torno de 30%, já com um seguro e taxas.

No entanto, 91% dos beneficiados recebem até um salário e meio por mês, e a média das mensalidades gira em torno de R$ 1,2 mil. Com isso, eles precisam arcar com cerca de R$ 400 mensais, parcela muito pesada para esse público. De um lado, diz Adilson, um público cada vez maior de quem tentou e não conseguiu pagar acaba evadindo e ficando com a dívida para o resto da vida. Ao mesmo tempo, isso desestimula que outras pessoas embarquem no programa.

— A gente tem monitorado o processo de inscrição do aluno, e podemos notar que ele desiste dentro do sistema quando vê os valores que precisa arcar por mês. Ele faz a conta e para nesse momento. A quantidade de inscrições não concluídas nesta etapa é muito grande. O que havia em 2014 era um processo insustentável, pelo menos do ponto de vista financeiro. Mas talvez as reformas erraram a mão — diz.

De acordo com Adilson, o MEC tem buscado soluções para aumentar a atratividade e diminuir a inadimplência. Uma dessas medidas seria mudar a forma de cobrança, com ela passando a ser condicionada à renda do formando. Se ele fizer sucesso financeiramente, paga numa velocidade maior. Se não, tem descontos ou até seria perdoado. Esse mecanismo está na lei de 2017 que reformulou o Fies, mas nunca foi implementado por nenhum governo.

Entre vários problemas, uma das avaliações do setor é que o foco do público do Fies está equivocado. Eles entendem que pessoas que recebem até um salário mínimo e meio não precisam nem podem se comprometer com essa parcela mensal ou com a dívida que acabam herdando ao fim do curso — tendo ou não conseguido o diploma. Por isso, há uma compreensão de que o Fies deveria ser direcionado a quem recebe acima de três salários mínimos. Enquanto isso, os mais pobres precisam ser encaminhados para as vagas do Programa Universidade Para Todos (Prouni), que dá bolsas de ensino e também está sofrendo com número de vagas não preenchidas.

— Esse perfil é do Prouni para bolsa integral. A gente percebe que o problema do Prouni hoje é falta de aluno. E o problema do Fies é falta de recurso. Então a gente tem que ter um modo de tirar esse aluno do Fies e jogar para o Prouni. Vai sobrar mais dinheiro para o Fies e não vai ter esse gap da vaga — afirma o advogado Kildare Meira, diretor de relações institucionais do Semesp, um sindicato que representa instituições de ensino superior privadas.

No ano passado, o MEC fez o caminho oposto: criou condições especiais para que pessoas de baixíssima renda conseguissem acessar o Fies. A principal mudança foi financiar 100% do curso para famílias que recebem até meio salário mínimo per capita por mês. A ideia foi divulgada em fevereiro e passou a valer na seleção de estudantes no segundo semestre de 2024. Ainda que esse período seja bem menos atraente do que o ingresso no começo do ano, o programa não parece ter conseguido aumentar o interesse dos alunos no Fies, já que o número de inscritos em 2024 foi cerca de metade (167 mil) do que o registrado no ano anterior (315 mil).

O Fies tem, em 2025, 56 mil vagas com condições especiais para pessoas com baixa renda. Esse montante corresponde à metade das 112.168 matrículas no programa disponibilizadas pelo Ministério da Educação neste ano. No entanto, não há sinal de que a taxa de ocupação será maior do que nos últimos anos.

(*O repórter viajou a convite do Congresso Brasileiro da Educação Superior)

[Fonte Original]

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