13.7 C
Brasília
domingo, maio 4, 2025

Impetuosidade dos cem primeiros dias de Trump começa a mostrar rachaduras

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Final de julho de 1980, Aeroporto Internacional Sheremetyevo, em Moscou. O empresário Roberto Civita, editor das revistas da Editora Abril, estava entre os milhares de estrangeiros atraídos pela oportunidade de cruzar a Cortina de Ferro e assistir aos Jogos Olímpicos na União Soviética. Além de gostar de esportes, Civita queria observar como o colosso comunista lidaria com o evento. Desembarcou despreocupado com meia dúzia de exemplares da revista Veja na bagagem. Era uma edição sobre os Jogos, fresquinha da gráfica, que trazia a imagem do líder soviético Leonid Brejnev na capa. Estava orgulhoso e pretendia mostrá-la aos jornalistas que faziam a cobertura olímpica em Moscou.

Péssima ideia. As revistas estampavam a caricatura de Brejnev com feições de urso feroz, e o tempo fechou com os agentes da imigração. Não só confiscaram o material e mais alguns extras, como retiveram o viajante para explicações. Segunda ideia péssima de Civita: argumentou não ser mero leitor, mas representante do maior grupo editorial brasileiro que publicava aquelas revistas. Para ouvidos soviéticos, um capitalista incontrito. O não diálogo foi bastante tenso, contaria depois.

Nesta semana, o episódio de 45 anos atrás saltou do baú da memória. Isso porque, em julho de 2026, a nação americana celebrará os 250 anos da assinatura da Declaração de Independência, festança que pretende ter impacto comparável ao que foram os Jogos de Moscou para a URSS. A julgar pelo clima de suspeição e arbítrio já demonstrado neste início de governo, a recepção a visitantes de determinadas origens, posições políticas ou ideológicas, currículo ou profissões, pode não ser do gosto das autoridades trumpistas. Dias atrás o site da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e sua página no X de Elon Musk fizeram a seguinte postagem bilíngue:

— TODOS devem estar de sobreaviso. Se você é um visitante em nosso país, comporte-se como tal. Nosso rigoroso programa de verificação em redes sociais para identificar riscos à segurança nacional e à segurança pública nunca para. O U.S. Citizenship and Immigration Services está atento para encontrar qualquer coisa on-line que represente uma ameaça à nossa nação e a nosso modo de vida. Green cards e vistos são um privilégio, e não um direito.

Logo nos primeiros dias como presidente, Trump já demonstrou sua capacidade e determinação em fazer desaparecer pessoas que cometeram ou não algum crime, sendo ou não cidadãos legalmente documentados. Convém, portanto, mesmo para viajantes desavisados, não desembarcar nos Estados Unidos com o celular recheado de opiniões mordazes sobre o reinado trumpista.

Uma segunda postagem no site da embaixada, do mesmo dia 30 de abril, surpreendeu pelo tema. Ela informa que uma equipe do Departamento de Estado no consulado americano em Porto Alegre (RS) realizou um exercício de treinamento sobre armas de destruição em massa contra “uma possível ameaça química, biológica, nuclear ou explosiva”. Caramba. Talvez seja melhor nem se interessar pelos festejos de 2026 e, assim, evitar sobressaltos.

Trump, convenhamos, é único. Em 2021, foi enxotado de Washington pelo voto, com dois impeachments no currículo, abandonado por aliados e banido de suas plataformas sociais preferidas. Um pária, em suma. Sua ressurreição política, alvo de exaustiva, invejável (e saborosa) reportagem da revista The Atlantic (“I run the country and the world”), explica por que ele, hoje, se sente invencível. A ponto de desmantelar, com voracidade e velocidade inauditas, quase todos os anteparos de proteção à integridade pública do governo federal. Dezenove agências reguladoras foram evisceradas, abrindo caminho para um caminhão de conflitos de interesses, reversão de políticas voltadas ao bem comum e negociatas sem escrutínio, privadas, da Organização Trump com seletos governos estrangeiros.

A noção de governo como bem público democratizante e instituição de responsabilidade social vem sendo metodicamente destruída, constata Henry Giroux, acadêmico distinto Paulo Freire em Pedagogia Crítica na Universidade McMaster, do Canadá. No Estado trumpista, o bem público passou a ser tratado como inimigo, sustenta.

Mas a impetuosidade dos cem primeiros dias já começa a mostrar as primeiras rachaduras. Segundo dados de 191 pesquisas sobre a popularidade de Trump desde a posse, 119 apontam crescimento de quase dois dígitos na desaprovação — a média de aprovação caiu para 44% segundo o levantamento, feito pelo laboratório de dados do New York Times.

Para Giroux, diante da apatia comatosa do Partido Democrata, seria imperativo uma ação da sociedade civil. “O fascismo se alimenta de desespero, cinismo e silêncio, mas a História ensina o contrário”, diz ele. É quando pessoas comuns se recusam a ficar em silêncio, quando ensinam, criam, marcham e falam com clareza feroz, que os alicerces do poder indevido começam a ruir.

Faltam 1.536 dias para o término do mandato regulamentar de Trump.

[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img