O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutia com aliados a montagem de sua equipe, durante a transição de governo, no fim de 2022, quando ouviu uma previsão do senador Davi Alcolumbre (União-AP). Em uma tentativa de conquistar espaços na Esplanada dos Ministérios, o parlamentar disse, segundo participantes da conversa, que o petista precisaria mais dele do que ele do presidente, pois voltaria a chefiar o Poder Legislativo. Dois anos e meio depois, a previsão se concretizou. Diante da ofensiva da oposição para apurar fraudes no INSS que podem desgastar o Palácio do Planalto e aprovar um projeto de anistia a golpistas do 8 de janeiro, o passe do chefe do Senado aumentou. A sua influência se expandiu para diversas alas do governo, de ministérios a órgãos estratégicos.
A relação de “colaboração” entre Lula e Alcolumbre, como resumem aliados dos dois, tem como objetivo colher dividendos mútuos. De um lado, o presidente garante uma proteção ao seu governo diante de um apoio volátil no Congresso. Do outro, o presidente do Senado demonstra prestígio ao indicar apadrinhados em diferentes esferas da administração pública e se tornar presença constante em visitas oficiais a chefes de Estado.
Na semana passada, antes de embarcar com Lula para mais uma viagem, desta vez para a Rússia, Alcolumbre fez chegar aos líderes da oposição que eles teriam dificuldades em emplacar neste momento a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar a fraude do INSS. Diante do recado, a bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, decidiu adiar a entrega do pedido de apuração, embora já tivesse o número de assinaturas necessárias.
Coube também ao senador agir para esfriar as discussões sobre o perdão aos envolvidos nos atos do 8 de janeiro, condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A oposição no Congresso, sob a influência de Bolsonaro, queria fazer uma manobra para beneficiar o ex-presidente, o que vinha desagradando ao Planalto e à Corte. Após sinais de que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estava incomodado com a pressão dos opositores, Alcolumbre tomou à frente das negociações ao costurar um acordo com membros do Supremo para uma solução intermediária, prevendo apenas redução das penas, limitada aos executores dos ataques golpistas. O novo texto, ainda não apresentado, deve ser proposto pelo próprio presidente do Senado.
Com isso, Alcolumbre tem ganhado cada vez mais força perante o Planalto para emplacar pautas de seu interesse e indicações para cargos na máquina pública. A troca no Ministério das Comunicações evidenciou essa influência. Após a demissão de Juscelino Filho, Lula delegou ao aliado a escolha de um substituto. Mesmo com o revés causado pela recusa do deputado Pedro Lucas Fernandes (União-MA), primeiro nome levado ao presidente, o senador manteve a prerrogativa de encontrar uma alternativa, indicando Frederico de Siqueira, que presidiu a Telebras.
Na fatura de Alcolumbre apresentada ao Planalto, segundo aliados, também está a indicação para a direção de estatais, como Banco do Brasil, Correios e Telebras, cuja presidência ficou vaga após o senador alçar Siqueira a ministro das Comunicações.
Além disso, o senador mantém familiares alocados em diferentes cargos do governo, como no Sebrae, na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Esbserh).
Em outra demonstração de poder, Alcolumbre brecou a indicação do delegado Ricardo Saadi para comandar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro vinculado ao Banco Central. A nomeação já havia sido costurada pela cúpula da Polícia Federal com o presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo.
O senador, porém, é crítico à possibilidade de um policial federal assumir uma instituição que analisa movimentações econômicas suspeitas. O impasse foi assunto entre ele e Lula antes do embarque para a Rússia. O presidente do Senado também travou as sabatinas com indicados pelo governo para comandar as agências reguladoras enquanto o Planalto não trocar os nomes de preferência do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desafeto de Alcolumbre.
O parlamentar pressiona Lula pela saída de Silveira, criticado por não atender aos interesses de Alcolumbre e de outros senadores. O petista, contudo, ainda tenta contornar a situação e promover uma reconciliação, levando-os para viajar juntos em agendas internacionais. Até agora, porém, a estratégia não deu certo. Procurados, o presidente do Congresso e o ministro de Minas e Energia não comentaram.
A influência de Alcolumbre não se limita a cargos. O senador está entre os que cobram o governo a autorizar pesquisas para exploração de petróleo na Margem Equatorial. Lula já indicou concordar e, em fevereiro, reclamou publicamente do que chamou de “lenga-lenga” do Ibama para conceder a licença, mesmo contrariando sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O parlamentar também atuou para destravar a pavimentação da BR-156, que liga o Amapá ao restante do país. Uma nova etapa da obra, considerada a mais antiga do país — foi iniciada na década de 1930 — deve ser anunciada até o mês que vem.
— Não houve demanda dele (Alcolumbre) que tenha sido demais até agora. É uma relação de mão dupla. Lula está impressionado com o poder de interlocução dele — afirma o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), conterrâneo do presidente do Senado.
Um episódio recente ilustra a sintonia entre Lula e Alcolumbre. Durante a viagem da comitiva presidencial ao Japão, no fim de março, o petista reclamou que não tinha música na aeronave. Ao desembarcar no país asiático, o presidente do Senado decidiu comprar uma caixinha de som. Na volta, conectou seu celular ao equipamento e selecionou uma playlist composta por hits do arrocha, gênero que mistura ritmos como forró e seresta.
Passageiros da comitiva presidencial contam que Lula saiu andando pelo corredor da aeronave com a caixinha de som, acordando todos que dormiam. Alcolumbre ia logo atrás, assegurando uma distância segura para que o dispositivo não perdesse a conexão Bluetooth com seu celular.
De acordo com um aliado próximo do presidente, o senador possui duas características que costumam encantá-lo: é brincalhão e informal. O antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), era considerado um aliado importante do governo, mas seu estilo sério e formal representava barreiras para uma relação mais próxima com o petista.
A influência no Executivo também ajudou Alcolumbre a tirar da frente potenciais adversários na eleição de fevereiro. Um deles foi o senador Otto Alencar (PSD-BA), que retirou a candidatura após o presidente do Senado endossar uma indicação sua para a diretoria da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
— Davi foi eleito com o apoio do governo. A relação sempre foi republicana e deve andar sempre calma. Ele assume compromissos e cumpre, e por isso, exige o mesmo — diz Otto sobre a atuação do aliado a favor do governo.
Ex-vereador de Macapá, Alcolumbre chegou a Brasília como deputado federal no primeiro mandato de Lula, em 2003, mas por anos foi considerado um parlamentar do baixo clero, aqueles que têm nenhuma ou pouquíssima projeção nacional. A onda de insatisfação da população com a “velha política” o ajudou a chegar ao Senado, em 2014, quando derrotou o candidato do ex-presidente José Sarney, até então a figura mais proeminente da política amapaense.
A capacidade de Alcolumbre de aglutinar apoios entre aliados e opositores é apontada por pessoas próximas como um dos motivos de sua ascensão política. Um dos exemplos é sua aproximação com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mesmo após disputar a presidência do Senado em 2019 contra o emedebista, o parlamentar do Amapá pressionou o então presidente Jair Bolsonaro a liberar uma verba para o estado de Alagoas, administrado pelo clã Calheiros, que fazia oposição ao governo do ex-capitão do Exército. Ao conseguir destravar os recursos, conquistou o coração de um rival de alto calibre político, que apoiou seu retorno ao comando da Casa neste ano.
Apesar da sua popularidade no Congresso, Alcolumbre já tem enfrentado insatisfações de parlamentares da oposição, que deseja ver pautado o tema da anistia aos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro. Para o líder dessa ala no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), o presidente do Congresso precisa “separar as relações”:
— Desde que se elegeu, Davi é próximo do governo, inclusive com indicações de ministros. Só exigimos que ele saiba separar essa relação. Ele é presidente do Congresso.
Áreas de interesse e influência do senador
Ministério das Comunicações
Responsável pela indicação de Frederico Siqueira para substituir Juscelino Filho no cargo. Também indicou o ministro Waldez Goés para pasta da Integração e Desenvolvimento Regional.
Ministério de Minas e Energia
Pressiona o governo Lula pela saída de Alexandre Silveira do comando da pasta. O ministro do PSD foi indicado pelo seu antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Responsável pela indicação de diretoria na estatal. O presidente do Senado também tem influência na superintendência da Codevasf no Amapá, além de familiares em cargos na Sudam e Ebserh.
Pressiona contra a nomeação de Ricardo Saadi, atual diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (PF), na presidência do órgão, por ser crítico ao comando por um membro da PF.
Alcolumbre se nega a pautar sabatinas com indicados por resistência a Silveira e enquanto o governo não atender a indicações de senadores em agências de infraestrutura.