Quando o barão Pierre de Coubertin revitalizou o conceito de jogos olímpicos para a era moderna, no final do século 19, ele fez questão de restringir a participação de mulheres na competição. Além de reproduzir essa tradição dos jogos da Grécia Antiga, o pedagogo e historiador francês dizia que a olimpíada era uma celebração da “proeza masculina” e a participação feminina seria “impraticável, desinteressante, inestética e incorreta”.
A entrada de 22 mulheres nos Jogos de Paris, em 1900, marcou o início da separação por categorias de sexo, com o objetivo de garantir uma competição considerada justa. Nos anos 1960, o comitê olímpico introduziu verificações de sexo, consolidando uma estrutura binária de competição que, sob pretexto de garantir justiça para as mulheres, estabeleceu critérios segregadores para pessoas com diferenças no desenvolvimento sexual (DDS).
Recentemente, uma pesquisa perguntou a 147 atletas de elite (designadas como mulheres ao nascer) como elas se sentiam em relação à inclusão de mulheres com DDS em esportes de contato, como rúgbi, e em modalidades sem contato que dependem da capacidade física, como corrida de velocidade. A maioria (43%) considerou a inclusão justa, enquanto 36% das entrevistadas a consideraram injusta.
O que são as diferenças no desenvolvimento sexual?
As DDS abrangem condições relacionadas a genes, hormônios e órgãos reprodutivos, que podem resultar em desenvolvimentos distintos do padrão típico. Por exemplo, indivíduos com cromossomos XY (associados ao sexo masculino) podem apresentar genitália externa feminina. O termo “intersexo”, adotado por algumas pessoas para descrever essas variações, está sob o “guarda-chuva” das DDS, que descrevem diversidade biológica além das tradicionais classificações binárias de sexo.
Muitas pessoas não se declaram intersexo, pois suas características genéticas ou hormonais atípicas podem não afetar a identidade de gênero. Um caso emblemático é o de uma mulher croata com células majoritariamente XY que menstruava e teve filhos sem complicações, mantendo-se cisgênero, mostrando que diferenças biológicas não determinam, por si só, um conflito entre o sexo atribuído ao nascer e a forma como a pessoa se identifica.
A pesquisa atual revelou também que 82,2% criticam a falta de inclusão nas federações esportivas. A maioria rejeita categorias específicas para DDS, principalmente em esportes de precisão (69,5%). Quase 70% consideram injustos os critérios da World Athletics para mulheres com DDS, e 67,2% veem como antiético exigir medicamentos para sua participação, destacando a necessidade de uma revisão das políticas esportivas atuais.
Perguntando às atletas femininas se elas querem ser “protegidas”

Em 2009, a sul-africana Caster Semenya, medalhista olímpica e campeã mundial, foi submetida a testes de verificação de sexo por ter DDS e testosterona elevada. Em 2019, a World Athletics exigiu que atletas como ela reduzissem seus hormônios para competir. Muitos apontaram a diferença de tratamento em relação a vantagens naturais de outros atletas, como Michael Phelps (que produz menos ácido lático) e exclusões específicas a mulheres negras.
Para o líder da pesquisa, Dr. Shane Heffernan, da Universidade de Swansea, no País de Gales, “Até o momento, não foi demonstrado empiricamente que atletas com DDS tenham vantagem atlética em esportes de elite. Independentemente disso, sua elegibilidade tem sido questionada há muitos anos devido a alguns atletas individuais bem-sucedidos”
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Em um comunicado, o principal colaborador do estudo, Dr. Alun Williams, afirmou que “a World Athletics disse recentemente que unificará seus regulamentos para atletas transgêneros e atletas com DDS”. Mas talvez o maior mérito da pesquisa tenha sido dar voz às atletas femininas, as mais afetadas por esses critérios de elegibilidade em constante mudança.
O estudo foi publicado na revista European Journal of Sport Science.
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