O presidente dos EUA, Donald Trump, revelou ontem a intenção de cortar US$ 163 bilhões (R$ 920 bilhões no câmbio atual) do Orçamento federal americano em 2026 ao apresentar uma proposta orçamentária preliminar que levaria o país ao menor gasto doméstico na era moderna. O plano, que prevê cortes em áreas como habitação, saúde, clima e educação — muitos deles voltados para a população mais pobre —, recomenda, por outro lado, um aumento dos gastos com defesa e segurança interna. Apesar de por enquanto corresponder a uma lista de desejos, a proposta marca a primeira grande tentativa de Trump de pressionar o Congresso a reduzir o orçamento de muitas agências federais. Autoridades orçamentárias disseram que um plano mais completo será divulgado posteriormente.
A versão apresentada pela Casa Branca — que tem força apenas de recomendação ao Congresso — é conhecida em Washington como “orçamento enxuto”, pois não dispõe sobre a totalidade da previsão de gastos do governo federal, que atualmente gira em torno de US$ 7 trilhões (cerca de R$ 40 trilhões). O projeto trata prioritariamente sobre os chamados gastos discricionários, responsáveis por manter programas de diferentes pastas em funcionamento — não incluindo gastos com o Pentágono e a Previdência Social, por exemplo.
A reorganização proposta por Trump revela a visão conservadora do presidente e tenta gravar na lei orçamentária muitos dos cortes já implementados ao longo deste ano de forma unilateral, com ajuda do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), liderado pelo bilionário Elon Musk. Uma das proposições é o fechamento definitivo da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), alvo de cortes drásticos sem autorização do Congresso.
A Casa Branca, cujo Escritório de Gestão e Orçamento é chefiado por Russell Vought, arquiteto-chefe do Projeto 2025 da conservadora Heritage Foundation, indica uma série de cortes em programas que vão de saúde à educação — muitos deles relacionados a setores que a administração do republicano vem taxando como promoção à ‘cultura woke’.
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), um dos principais centros mundiais de pesquisa climática, teria seu orçamento reduzido em cerca de US$ 1,5 bilhão — com o governo afirmando que encerraria várias bolsas de pesquisa climática, e acusando o NOAA de estar “financiado consistentemente esforços para radicalizar estudantes contra os mercados e disseminar o alarmismo ambiental”.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos enfrentaria um corte de US$ 33,2 bilhões, um baque de 26% no orçamento atual. A medida afetaria diretamente os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), responsáveis por programas de vacinação e outras ações preventivas, cujo orçamento cairia de cerca de US$ 9 bilhões para US$ 4 bilhões, encerrando o Centro Nacional de Prevenção e Controle de Lesões, que trabalha para reduzir os índices de violência armada, overdoses de drogas e até afogamentos infantis.
O Instituto Nacional de Saúde (NIH), que lida principalmente com pesquisa médica, veria uma redução de US$ 48 bilhões para US$ 27 bilhões. Trump acusa a instituição de promover “ideologias perigosas”, particularmente por financiar um estudo sobre a saúde mental de adolescentes transgêneros. Em contrapartida, a iniciativa “Tornar a América Saudável Novamente”, idealizada pelo secretário de saúde Robert Kennedy, receberia US$ 500 milhões.
O governo também propõe cortar cerca de US$ 33 bilhões em verbas para o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (44% da destinação orçamentária atual), o que cortaria programas destinados a moradias populares e financiamento de projetos de desenvolvimento comunitário, e de US$ 12 bilhões no Departamento de Educação, com os maiores cortes sendo de US$ 4,5 bilhões de um programa para escolas dedicadas a crianças que vivem na extrema pobreza, e de US$ 1,6 bilhão em programas destinados a apoiar estudantes de baixa renda e prepará-los para a faculdade.
Previsão de novos gastos
Nem todas as áreas foram alvo de cortes no orçamento. O texto indica um aumento de 13% em gastos militares, elevando esta verba para US$ 1,01 trilhão em 2026, em parte para turbinar os gastos em uma área em que a SpaceX, empresa de Musk, está posicionada para lucrar: um vasto sistema de defesa antimísseis.
Trump propôs um sistema de defesa Domo de Ouro para rastrear e destruir mísseis direcionados a alvos americanos, possivelmente enviados pela China, Rússia, Coreia do Norte e outros rivais. Autoridades do Pentágono afirmam que a SpaceX provavelmente será a principal beneficiária dessa onda de novos gastos, que pode gerar bilhões de dólares em novos contratos para a empresa.
O Departamento de Segurança Interna também seria beneficiado com novos recursos, com um adicional de US$ 43,8 bilhões. A maior parte dos novos gastos estaria atrelada à repressão da imigração ilegal, incluindo deportações, conclusão da construção do muro na fronteira sul e investimentos em tecnologia para fiscalizar a fronteira.
De acordo com a Casa Branca, o governo americano prefere financiar “deportações em massa e interromper o fluxo de benefícios ilimitados para imigrantes ilegais” que, segundo ela, “têm precedência sobre os cidadãos americanos”. Uma área que sofrerá cortes dentro do departamento, de US$ 650 milhões, será o Programa de Abrigos e Serviços, que durante o número recorde de travessias na administração Biden ajudou cidades, grupos de defesa de imigrantes e igrejas a oferecer moradia temporária a solicitantes de asilo e refúgio.
Um corte significativo também está previsto para o FBI, a polícia federal americana, com um corte de mais de US$ 500 milhões. A justificativa do governo seria a necessidade de “desfazer a instrumentalização” da agência, que segundo os republicanos ocorreu sob a administração Biden.
O plano recebeu o apoio do presidente da Câmara de Deputados, o republicano Mike Johnson, que afirmou que o orçamento “deixa claro que a disciplina fiscal é inegociável”, criticando os “anos de gastos desenfreados sob a liderança democrata”. Apesar disso, houve críticas dentro das próprias fileiras do partido — em um raro desafio aos desejos de Trump —, com três senadores, incluindo o veterano Mitch McConell, expressando contrariedade com a proposta.
Em um comunicado, o líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, acusou o projeto de Trump de ser um “ataque em grande escala” contra a classe trabalhadora dos EUA. “Enquanto destrói a saúde, ataca a educação e corta programas dos quais as famílias dependem, financia isenções fiscais para bilionários e grandes corporações”, escreveu.
Uma versão completa do orçamento será apresentada ao Congresso para aprovação, mas terá que passar por todo o processo legislativo nas duas casas. Em geral, os parlamentares realizam uma série de modificações ao projeto original antes que se chegue ao texto final. (Com NYT e AFP)