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sexta-feira, maio 23, 2025

‘Se for pragmático, Brasil pode ficar fora do radar de Trump’, diz brasilianista Anthony Pereira

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Assim como no primeiro mandato de Donald Trump, o Brasil não está no centro das atenções do governo americano. Assim, apesar das tarifas de 10% que couberam ao país no “Liberation Day”, as maiores oportunidades de parceria e interação com os EUA estão no setor privado e na sociedade civil. Esta última “é uma parte fundamental da relação entre os países, que às vezes é deixada de fora da análise”, afirma o brasilianista Anthony Pereira, diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center, na Universidade Internacional da Flórida. Para ele, há também oportunidades para aproveitar uma possível fuga de cérebros na superpotência. O brasilianista enxerga um paralelo entre o Brexit, em 2016, quando o Reino Unido votou para se desligar da União Europeia, e o atual tarifaço americano. Na ocasião, os britânicos descobriram que seu país não era tão grande quanto chegou a ser no passado. O mesmo acontece agora com os americanos.

No primeiro mandato de Trump, Brasil e América Latina não eram prioridade. Desta vez, parece ser a mesma coisa. Isso chega a ser uma proteção contra os humores do americano?

A agenda do governo para a América Latina é muito negativa. Drogas, migração, tarifas, China. Acho que poderia ser mais do que isso. Algumas pessoas pensam que, embora o slogan do governo Trump seja “EUA em primeiro lugar”, um slogan complementar seria “Américas em segundo”, porque sua visão geopolítica envolve esferas de influência, onde a China e a Rússia têm as suas. A dos EUA seria, senão toda a América, pelo menos Canadá, México, América Central e Caribe. A América do Sul fica em posição ambivalente.

Há benefícios a extrair desse slogan complementar?

Essa maneira de encarar o mundo não é necessariamente boa para a região. A abordagem é muito agressiva. [O secretário de Estado] Marco Rubio foi ao Panamá e disse ao presidente [José Raúl Mulino], um apoiador de Trump, que ele tinha que se livrar da empresa chinesa que controlava o canal. A ideia de que temos um porrete para ameaçar os outros se não fizerem o que queremos. Mas os primeiros meses do relacionamento entre o Brasil e os EUA são uma ilustração de que não há muita preocupação além da agenda negativa, reforçando a ideia de que, se o Brasil for discreto e pragmático, pode ficar fora do radar de Trump. Não sei se continuará assim, mas receber uma tarifa de 10%, comparado ao que houve com outros países, não é tão ruim.

A embaixada americana em Brasília, até agora, tem apenas um Encarregado de Negócios interino.

Isso também aconteceu no primeiro governo de Trump. Ele não liga muito para a diplomacia convencional. Parece ter uma cesta cheia de enviados especiais que fazem todo tipo de coisas.

Lula disse que haveria reciprocidade, mas só após tentativas de conversar e mostrar como o comércio é importante. A atitude funciona?

O exemplo de [Claudia] Scheinbaum no México pode ser um sinal de que funciona. É sábio da parte do governo Lula não retaliar imediatamente, porque tudo está aberto a negociações. Os britânicos fizeram um acordo, os chineses idem. Não sei se isso vai durar, Trump é muito caprichoso e arbitrário. Tudo está sujeito a uma lógica política. O governo não valoriza a ordem baseada em regras. Eles querem uma ordem baseada em acordos. Se acharem conveniente fechar um com o Brasil, é o que farão.

Para contornar as sanções, uma alternativa é recorrer à China. Mas Trump também fez ameaças, por exemplo, aos Brics. É seguro recorrer à China nessas condições?

Acho que o Brasil tem mais margem de manobra do que, digamos, o México. Está mais distante, é uma grande economia sul-americana globalmente conectada. Por mais que os EUA se queixem da presença da China na América Latina e classifiquem quase tudo, até mesmo a atividade econômica mais inócua, como de importância geopolítica e militar, não têm a capacidade de oferecer uma alternativa na mesma escala. Nem de longe. Mas pode haver pontos específicos. Talvez as empresas de tecnologia estejam interessadas em aproveitar a energia barata no Brasil e instalar data centers. Ou minerais de terras raras nos quais os americanos estejam interessados, em que o Brasil poderia favorecer os investidores americanos. Ou biocombustíveis.

O Brasil pode rejeitar o dever de escolher entre os dois. Não há necessidade de escolher, porque eles não são separados. Esta não é a Guerra Fria, quando não havia muita interação econômica. China e EUA ainda são grandes parceiros econômicos, com um enorme investimento e uma forte relação comercial. É claro que, se os EUA continuarem nesse caminho e fizerem com que tudo pareça um conflito militar iminente, ficará mais difícil.

Lula é famoso por ser conciliador. Sua política externa em relação a EUA e China é manter um pé em cada barco. No mundo atual, esse perfil ainda se encaixa?

Sim, mas isso pode mudar. O abismo pode aumentar. Ele pode estar nos dois barcos e, de repente, eles se afastam demais e ele cai na água. Países do Sul Global são sempre criticados por isso. Diplomatas de países ricos se queixam de que “o Brasil quer agradar os dois lados”. É perfeitamente sensato que uma potência do Sul Global converse com todos e assuma posições intermediárias. O problema surge quando a percepção é de que o Brasil é apenas um apêndice da contra-hegemonia autoritária da China e da Rússia. O país precisa ser independente aí também.

A desconexão entre os governos e o desinteresse pelo Brasil e a América Latina contaminam o setor privado?

O setor privado americano é enorme e está acostumado a operar de forma autônoma. A menos que haja uma ordem explícita, muitos investidores e empresários olharão para o mercado brasileiro e dirão: “Este é um ótimo investimento”. A menos que o governo Trump seja muito mais agressivo e explícito sobre quem é favorecido e quem não é, o Brasil continuará sendo uma economia atraente.

O Brasil costumava ter um escritório formal de lobby em Washington, mas ele fechou em 2018. Uma ligação direta com o Legislativo poderia ajudar?

Sim, é lamentável que tenham encerrado essa operação, especialmente considerando que agora há um governo tão transacional em Washington. Deveriam reativá-la. Muitos outros governos fazem isso. Da perspectiva do governo Lula, é importante também reconhecer o contexto, em que políticos republicanos e a oposição bolsonarista fizeram uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, no ano passado, para alegar que o governo Lula é tão ditatorial quanto a ditadura cubana. Quando você se depara com esse tipo de rede, precisa estabelecer uma narrativa contrária.

A ideia de que Trump é uma bênção para [Javier] Milei, por exemplo, colocando a Argentina à frente do Brasil, é exagerada?

Acho que sim. Dá para perceber isso com as tarifas. Milei foi aos EUA antes de Trump ser eleito e disse “meu presidente”. Acabou recebendo 10%, assim como o Brasil. O que Trump quer, e acho utópico, é trazer o investimento industrial de volta aos EUA, por meio das tarifas, com a lógica da substituição de importações da América Latina dos anos 1950 e 1960. Forçar as pessoas a pular o muro tarifário e investir nos EUA. Isso não é música para os ouvidos de Milei. Ele quer que invistam na Argentina. Acho que é um caso de amor que vai terminar em lágrimas, porque Milei vai sentir que sua paixão por Trump não é correspondida.

O Brasil põe muitas fichas na COP 30. O antagonismo americano pode levá-la a mais um fracasso?

Acho que não. O fato de os EUA terem se retirado do Acordo de Paris novamente, o que era previsível após a eleição de Trump, não significa que o Brasil não tem muitos aliados em outros lugares, incluindo a Europa. Ainda há um compromisso na União Europeia para continuar com a transição energética. Ainda há muito capital privado investindo na transição energética. E, claro, os chineses estão comprometidos por necessidade, porque não têm os recursos naturais que lhes permitiriam continuar usando energias não renováveis.

Dados os ataques à ciência e às universidades nos EUA, já se antevê uma fuga de cérebros revertida para, entre outros lugares, o Brasil. Ela está ocorrendo?

Toronto recrutou acadêmicos da Ivy League. Uma universidade na França teve sucesso em atrair cientistas. Acho que o Brasil poderia tentar. As pessoas estão realmente procurando maneiras de sair dos EUA. Esses ataques são um gol contra terrível. Sei do interesse na Fapesp por oferecer pacotes atrativos para cientistas, tanto os mais experientes quanto os recém-doutores, oferecendo-lhes oportunidades de emprego de longo prazo, mas também dinheiro para pesquisa e laboratórios. Havia um certo preconceito, não dos jovens pesquisadores, mas de seus orientadores. Eles diziam: o Brasil não é um país sério em termos de ciência. Essa é uma visão antiquada.

De modo geral, como o quadro atual afeta as relações entre brasileiros e americanos?

Quando se trata das relações bilaterais, é importante ir além do governo. Nossas sociedades civis estão interligadas de jeitos interessantes. O ponto positivo nos próximos anos é que, não importa o quão difícil seja no nível governamental, há muita colaboração e compartilhamento de informações nas sociedades civis. Isso é especialmente importante para defender a democracia. A sociedade civil é uma parte fundamental da relação entre o Brasil e os EUA, que às vezes é deixada de fora.

[Fonte Original]

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