Depois do primeiro arco de A Saga do Punho Vermelho estabelecer a cruzada do Demolidor e organizar todas as partes do tabuleiro milenar, o segundo arco navega melhor pelas verdadeiras intenções do “Punho” de Matt e Elektra, deixando o propósito da organização relativamente claro (alguns twists ao final do arco mudam o rumo das coisas), apesar de certos desdobramentos narrativos serem crípticos sobre o papel do protagonista na profecia. O que fica bem óbvio, porém, é a “infecção” causada pelo ritual do Punho, infectando e alterando a todos, numa metáfora sobre controle perigosamente próxima de cultos, sendo que o protagonista acaba sendo o mais influenciado por todo esse poder.
O moralismo do herói recebe contornos bem deturpados no que se mostra uma jornada embebida de ego e de raiva de alguém que definitivamente não deveria receber esse tipo de palco. Todas as camadas aqui sobre guerras supostamente santas me agradam na grande metáfora da HQ sobre o desejo do Demolidor em ser predestinado e em ser Davi quando na verdade não tem ideia do que está fazendo ou como está sendo manipulado, algo que fica enfatizado em sua arrogância de sequestrar e fazer terapia com supervilões (nesse sentido, todo o bloco com Bullet é bem escrito para descascar as hipocrisias do herói), ou então na maneira que usa seus seguidores despreparados no conflito com o Justiceiro no início do arco.
Gosto da posição que Zdarsky coloca Matt, como se fosse praticamente um anti-herói. Penso que é um encaminhamento natural transformar o herói em um “soldado de Deus” com linhas ambíguas e contraditórias nos seus diversos saltos de fé que mais parecem escolhas egoístas. Assim, a participação dos Vingadores é até orgânica, por mais que eu tenha torcido o nariz inicialmente. A presença de personagens altruístas como Capitão América e Homem-Aranha (mais uma vez com um bloco de destaque na run do autor) servem de constrastes morais provocativos que agregam ao drama do Demolidor.
Como normalmente acontece, porém, sinto que a narrativa do Zdarsky é um pouco truncada e tem muitos elementos em conjunto que não deixam ele contar a história a contento. Nesse arco, isso fica claro para mim na resolução brusca para a participação do Justiceiro – penso que muito do contexto do seu arco foi em sua série solo, que não li, então parte desse lado da trama soa esburacado -, bem como na falta de profundidade da lore d’O Tentáculo (vinha escrevendo A Mão, em tradução literal, mas passarei a usar a versão que usam no Brasil). Parece que tem tanta coisa em paralelo que Zdarsky não tem tempo de se aprofundar completamente nesse microcosmo místico, da mesma forma que alguns coadjuvantes, como Nole e Elektra, ficam escanteados. Toda a run do autor de beneficiaria de um caráter mais autocontido, mesmo nesse sétimo volume de maior escopo.
A reviravolta com as “mortes” de Foggy e Stick me pegaram de surpresa, trazendo um desfecho enigmático para o Demolidor junto com Goldman. Ainda não sei como me sinto completamente com o “anjo da guarda”, mas é uma resolução de arco apropriada para a jornada até aqui, com a destruição do Punho, a vitória momentânea d’O Tentáculo (queria ter visto mais de Aka e da organização, mas tudo bem) e o salto de fé do herói que mais parece uma derrocada para o inferno enquanto um emocional Homem-Aranha chora por seu amigo. Mesmo com problemas narrativos e um desenvolvimento um pouco atabalhoado, A Saga do Punho Vermelho segue interessantíssimo, principalmente tematicamente e dramaticamente para o arco do Demolidor.
A Saga do Punho Vermelho – Livro 2 (The Red Fist Saga – Part 2) — EUA, fevereiro de 2023 a junho de 2023
Contendo: Daredevil – Vol. 7 #6 a 10
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n° 10 (Panini, outubro de 2023)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Marco Checchetto, Rafael de Latorre, Elisabetta D’amico, Manuel Garcia
Cores: Matthew Wilson
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Devin Lewis, C.B. Cebulski, Tom Groneman
Editora: Marvel Comics
116 páginas