22.5 C
Brasília
sexta-feira, junho 6, 2025

Crítica | O Mundo Flutuante (Lilith #9) – Plano Crítico

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Nesta nona edição da série Lilith, poeticamente intitulada O Mundo Flutuante, Luca Enoch conduz os leitores a um Japão do século XVIII reimaginado, onde a história diverge radicalmente do curso conhecido. Sob o domínio dos Toyotomi, que, ao contrário dos Tokugawa históricos, optaram por uma política de expansão colonial vigorosa após a vitória em Sekigahara, o país pulsa com uma energia distinta, mesclando tradições ancestrais a uma abertura incomum ao mundo exterior. Nesse cenário, a protagonista desperta de um sono narcléptico de mais de um século e meio, reverenciada como a “Donzela Incorrupta” em um santuário que atraía peregrinos de todos os cantos. Agora, ela retoma sua missão de perseguir os triacantos, adentrando à vibrante cidade de Osaka, a nova capital, onde os bairros de prazer, casas de chá, teatros kabuki, artistas de rua, cortesãs sofisticadas e imponentes lutadores de sumô compõem o efervescente “mundo flutuante” do título. A habilidade de Enoch em entrelaçar essa ambientação rica com a jornada íntima e conflituosa de Lilith dá à edição uma densidade narrativa que cativa pela capacidade de equilibrar o espetáculo visual com questionamentos profundos sobre propósito e moralidade, tudo isso sustentado por um traço que dá vida a cada detalhe deste Japão ucrônico.

A trama se desdobra com uma protagonista que, ao longo de sua trajetória, demonstra uma evolução notável em sua abordagem. Diferentemente de volumes anteriores, onde sua determinação em extirpar os triacantos era quase mecânica, Lilith exibe uma cautela que revela marcante transformação interna. Confrontada com a complexidade de um mundo alterado por suas próprias ações em linhas temporais anteriores, ela hesita (e procrastina!) antes de agir, ponderando o peso de suas escolhas. Luca Enoch utiliza essa mudança para aprofundar a personagem, mostrando-a menos como uma executora implacável e mais como uma figura que questiona o impacto de sua missão. A interação com um grupo eclético de personagens secundários — monges, um comerciante e admirador/stalker holandês, atores, poetas, pintores, um samurai e lutadores de sumô — serve como um catalisador para essa introspecção. Esses indivíduos, que a acolhem e a ajudam a navegar pela realidade de Osaka, não somente enriquecem o contexto cultural, mas também desafiam Lilith a reconsiderar a eliminação de seus alvos. A narrativa ganha uma camada de ambiguidade moral, explorando o conflito entre dever e empatia, sem jamais perder a fluidez que conecta cada evento ao próximo.

A base estética de O Mundo Flutuante é um dos pontos altos da edição, com Enoch demonstrando um domínio impressionante na construção de cenários e atmosferas. O Japão de 1775, distante 175 anos da saga narrada no volume anterior (A Grande Batalha), é retratado com uma vivacidade que demonstra bem a essência de uma sociedade em transformação. Cada traço de Enoch confere autenticidade a esse universo, desde os detalhes dos figurinos até a riqueza e vivacidade dos cenários. A escolha de situar a narrativa em Osaka, uma cidade que pulsa com vida cultural e social, amplia o contraste entre a missão solitária de Lilith e a coletividade vibrante que a cerca, criando um diálogo implícito entre o indivíduo e o meio, trazendo mais humanidade, consideração e cuidado em seu trabalho.

Outro aspecto que merece destaque é a reintrodução dos cardos, antagonistas que manipulam a flora e agora exibem uma capacidade assustadora de materializar formas humanas. Essa evolução dos vilões traz algo imprevisível à série, que, ao chegar à sua metade, sinaliza um futuro narrativo cheio de possibilidades. A presença desses seres, aliados ao conceito de ucronia, reforça a ideia de que as ações de Lilith têm consequências que reverberam além de sua missão imediata, alterando o tecido da história de maneiras que nem ela mesma pode prever. O autor equilibra essa expansão conceitual ao manter a trama ancorada nas interações humanas e nos dilemas éticos, inserindo uma jornada de vingança familiar que trará muito mais problemas para a protagonista no futuro. A força crescente da narrativa, aliada à nossa incapacidade de antecipar os rumos da série, instiga-nos a imaginar os desdobramentos de um futuro onde o passado foi reescrito e onde as escolhas de uma única pessoa podem redesenhar o curso da história, tudo para impedir a destruição da maior parte dos seres humanos durante um “desabrochar alienígena”. Pelo menos é isso que a gente (e Lilith) ainda acredita. Será que fomos enganados?

Lilith – Vol. 9: O Mundo Flutuante (Il mondo fluttuante) — Itália, novembro de 2012
Roteiro: Luca Enoch
Arte: Luca Enoch
Capa: Luca Enoch
Editora: Sergio Bonelli Editore
Tradução: Alex Magnos
No Brasil: Red Dragon Publisher, 2021
132 páginas



[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img