Trabalhadores que foram expulsos do mercado formal têm mais dificuldade de se recolocar mesmo anos após uma demissão, além de mais chance de redução no rendimento. O cenário pode ser traçado a partir dos resultados de um estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) sobre o impacto de demissões coletivas na trajetória profissional de trabalhadores, antecipado com exclusividade ao Valor.
O trabalho mostra que, dois anos após uma demissão em massa, os trabalhadores afetados apresentam uma probabilidade 24% menor de estar empregados em relação aos trabalhadores de empresas que não passaram por esse tipo de evento.
Mesmo após cinco anos, a probabilidade de retorno a um emprego formal ainda é 15% inferior à de trabalhadores que não enfrentaram uma demissão coletiva. A demissão coletiva é classificada, no âmbito da pesquisa, como aquela em que há corte de pelo menos 30% da força de trabalho no período de um ano.
Há também um olhar sobre a perda de renda: no primeiro ano após a demissão em massa, os trabalhadores reintegrados ao setor formal registram um salário 7,5% menor em relação a trabalhadores que não foram demitidos. Esse efeito persiste ao longo do tempo, com reduções de 4,7% no segundo ano e 3,5% no terceiro ano, sempre na comparação com a data da dispensa. Até mesmo cinco anos depois há perda de remuneração, que é de 1,8%.
A ideia do trabalho é mostrar o efeito de uma demissão involuntária no futuro de um trabalhador formal e sua possibilidade ascensão social, segundo os pesquisadores. A escolha metodológica pelo acompanhamento das demissões coletivas se deu para excluir do cálculo aquelas situações em que houve dispensa, mas por algum tipo de acordo informal entre empresa e empregado.
Parte não volta ao mercado formal. Isso mostra que a cicatriz do desemprego”
— Valdemar Pinho Neto
“Depois de ser demitido, o reemprego demora. No primeiro ano, o trabalhador quase não consegue recolocação. A coisa melhora a partir do segundo ano, mas mesmo depois de dois anos a probabilidade de o trabalhador estar ocupado no mercado formal é 24% menor que em um grupo que não passou por isso”, afirma Paulo Tafner, diretor-executivo do Imds e um dos autores do estudo.
O trabalho “Trajetórias Pós-Demissão e Desafios à Recolocação Profissional no Mercado de Trabalho Brasileiro” acompanha a trajetória de trabalhadores que passaram por demissões coletivas a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre os anos de 2004 a 2019.
O longo período de acompanhamento dos dados, de 16 anos, dilui a influência dos ciclos de alta e baixa que são tradicionais em uma economia, de acordo com Tafner. Além disso, explica o economista, os principais resultados referem-se a dados mais estruturais, como tempo de recuperação de emprego e de salário e sua decomposição por setor de atividade.
“Isso não muda muito. É claro que depende em parte do ciclo econômico. […] Mas basicamente os principais resultados permanecem”, nota.
Os autores do estudo observam a presença ou não dos trabalhadores dispensados de forma coletiva no setor formal mais à frente, depois de passarem por demissões coletivas, e comparam com um grupo de controle.
Esse grupo é formado por trabalhadores com perfil semelhante, como grau de instrução, faixa etária entre 25 e 49 anos, sexo, cor ou raça e pelo menos três anos de vínculo empregatício, por exemplo. A ideia é eliminar a influência dessas características, que podem favorecer a probabilidade de readmissão.
Professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e coordenador do Centro de Estudos Empíricos em Economia (FGV CESE), Valdemar de Pinho Neto destaca a confirmação, com o estudo, de que os efeitos de um choque no mercado de trabalho vão além do desemprego imediato.
“Esses trabalhadores podem estar na informalidade ou ter decidido abrir uma empresa. Mas o fato é que parte deles não volta ao mercado formal. Isso mostra que a cicatriz do desemprego pode ter efeitos perversos e mais longos”, diz ele, que também assina o estudo, ao lado dos pesquisadores do Imds Leandro Rocha, Mônica Bahia e Sergio Guimarães.
Embora reconheça que o fenômeno também ocorre em outros países, aponta que os dados mostram “uma magnitude relevante do efeito no Brasil”.
Tafner afirma que o mercado de trabalho formal pode ser decisivo na possibilidade de ascensão social: “Um bom mercado de trabalho é aquele que permite que os trabalhadores possam crescer na empresa e evoluir para se tornarem mais competentes e competitivos. Com isso, é possível avançar em remunerações e outros benefícios”.
O estudo também faz recortes por porte da empresa e por setor de atuação. Quem trabalha em empresas menores leva mais tempo para se recuperar. Na avaliação dos pesquisadores, a experiência acumulada em companhias maiores e as redes de contatos profissionais associadas a essas empresas facilitam a transição para novas oportunidades.
Na análise por setor, indústria de transformação e comércio registram as maiores dificuldades de reemprego e perdas salariais prolongadas. Por outro lado, atividades como tecnologia da informação e atividades financeiras apontam recuperação mais rápida. O resultado, dizem os autores, indica que as expectativas de recolocação “variam significativamente de acordo com o setor de origem dos trabalhadores, refletindo diferenças na demanda por habilidades e na estrutura do mercado de trabalho”.
O professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Saboia lembra os efeitos psicológicos de uma demissão para o trabalhador, especialmente no caso das dispensas coletivas. Além disso, ele reforça que um dos fatores que dificultam a reinserção no mercado formal é o tempo do desemprego, por causa do risco de perda de qualificação e adequação às mudanças.
Em sua análise, trabalhadores que passam por uma dispensa em massa e recebem indenização podem demorar mais tempo para iniciar essa busca. “Uma razão mais concreta pode ser o valor recebido na demissão do setor formal, como meses de salário e FGTS. Isso pode ser um elemento a retardar o retorno do trabalhador ao mercado. Uma vez que ele sai do setor formal e não volta a buscar logo um novo trabalho, esse desemprego por mais tempo dificulta seu retorno”, diz o especialista em mercado de trabalho.
Para o professor titular da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do Grupo de Estudos em Trabalho da universidade, Paulo Aguiar, a razão por trás da demissão coletiva pode ajudar a entender um pouco mais sobre o que ocorre com o trabalhador depois disso.
Parte delas têm a ver com uma eventual crise trazida pela economia, que é um fator complicador, segundo ele. No caso de dispensas em massa por uma dificuldade enfrentada pelo setor de atuação da empresa, a concorrência com outros trabalhadores com perfis semelhantes também dificulta a recontratação.
“Se houve demissão porque aquele setor passa por uma crise de demanda, essa recolocação é mais difícil. Existem outros trabalhadores também dispensados e disponíveis no mercado, com experiência no mesmo tipo de indústria”, diz Aguiar.
Sobre o impacto na renda, o professor da UFPB destaca que a perda mostrada no trabalho do Imds reflete a dinâmica de remuneração por causa da necessidade desse trabalhador: “O poder de barganha de quem passa por uma demissão é reduzido. Muitas vezes, acaba aceitando um valor salarial menor para conseguir voltar ao mercado formal. E o estudo mostra que isso continua ao longo do tempo”.