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domingo, junho 15, 2025

Plataforma global poderia ajudar Brasil a agregar valor a minerais críticos, diz pesquisador

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Um mecanismo intergovernamental que coordenasse o acesso a minerais críticos poderia beneficiar o Brasil ao permitir a agregação de valor à sua produção mineral, hoje ainda concentrada na exportação da matéria prima, além de blindar a transição energética de conflitos geopolíticos, à medida que a corrida por esses recursos, concentrados em poucos países e necessários para tecnologias de energia limpa, se intensifica. É o que diz José Antônio Puppim de Oliveira, co-autor da proposta da “Plataforma Global de Minerais Críticos”, publicada em artigo na revista científica “Science” neste mês.

“O Brasil está bem posicionado em termos de base mineral, mas na transformação e agregação de valor a esses recursos o país está bem atrás”, diz ele, que é professor titular do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp).

A plataforma funcionaria como uma janela de comércio, em que países fornecedores e consumidores estariam sujeitos à coordenação e governança coletiva. E a proposta sugere a possibilidade de países produtores de tecnologias verdes, que utilizassem minerais críticos por meio do mecanismo, investirem em um fundo para o desenvolvimento de tecnologias que agreguem valor à produção mineral das nações fornecedoras, sobretudo em países em desenvolvimento.

O Brasil, com grandes reservas de minérios estratégicos em que ainda pode aumentar a produção — caso do níquel, a terceira maior do mundo, grafita, a segunda e, principalmente, terras raras, a maior depois da China —, poderia, a partir da cooperação com países mais avançados em tecnologias verdes, ampliar sua capacidade industrial e tecnológica, diz Puppim de Oliveira.

“Com a aderência a esse tipo de organismo de governança, o Brasil teria acesso, por exemplo, a fundos que poderiam adicionar valor ao produto mineral, permitindo que o país fizesse coisas que não faz hoje”, afirma o pesquisador, que cita a produção de baterias de carro com alta eficiência como exemplo.

O artigo com a proposta é assinado por oito cientistas da Universidade das Nações Unidas (UNU), no Canadá, que publicou nota detalhando como funcionaria a plataforma, da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, da Universidade de Queensland, na Austrália, e de outras instituições. O professor da FGV-Eaesp, que é um dos cientistas selecionados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) no início de 2025 para participar da produção do relatório especial sobre mudanças climáticas e cidades, é o único brasileiro no grupo.

“Se pensamos na transição de um sistema de transporte baseado em combustíveis fósseis para um baseado em energia renovável, vamos precisar de todo um processo de produção, como já existe em alguns países, de carros elétricos, de bateria elétrica e desses minerais para viabilizar essa transição de forma mais rápida”, diz o professor. “Portanto, tanto a mitigação como a adaptação seriam afetadas pela falta dessas tecnologias.”

A expectativa com o anúncio da proposta neste mês é que o tema seja assunto da cúpula do G7, que começa neste domingo, 15, no Canadá, com presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como convidado.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O que motivou a proposta de criação da plataforma?

José Antônio Puppim de Oliveira: A grande motivação foi exatamente a transição energética. Boa parte dela depende de tecnologias que utilizam vários desses materiais, desde a bateria para o carro elétrico até o chip de celular e chip para outras tecnologias.

A ideia é acelerar a transição energética e garantir que a produção e o consumo desses minerais ocorram de forma sustentável, com estabilidade de preços, e, de alguma forma, protegidas de questões geopolíticas, porque vemos que alguns desses minerais estão concentrados em poucos países. Por isso, é preciso garantir que questões geopolíticas não façam com que o acesso a esses minerais seja, de alguma forma, prejudicado.

Valor: Como ela funcionaria?

Puppim de Oliveira: Seria uma plataforma que reuniria países produtores e consumidores, e outros países que se interessassem por uma governança melhor nesse acesso a minerais críticos. A ideia é que uma organização internacional possa trabalhar com a operação dessa plataforma. Com isso, teríamos um fundo que seria, de alguma forma, um royalty para transações que financiariam atividades de interesse tanto de produtores como de consumidores. Por exemplo, países produtores poderiam receber dinheiro do fundo para desenvolver tecnologias e não apenas enviar matéria-prima, adicionando valor localmente e assim por diante.

Seria uma organização internacional de produtores e consumidores, como o ITTO, que é o International Timber Trade Organization, em que produtores e consumidores de madeira tropical se reúnem e fazem as regras de governança para o acesso sustentável às madeiras tropicais.

Valor: Que países participariam da concepção e implementação da plataforma? A adesão seria voluntária?

Puppim de Oliveira: Qualquer país poderia participar, tanto produtores como consumidores e a adesão seria voluntária. A ideia é criar um mecanismo de governança que assegure estabilidade na comercialização e produção dessas tecnologias voltadas a transição energética. E com esse fundo, que ajudaria principalmente, de certo modo, países produtores em desenvolvimento, que poderiam se beneficiar agregando valor localmente, desenvolvendo a indústria nesse setor.

Valor: A proposta trata minerais críticos como bens compartilhados globalmente. Como garantir que países em desenvolvimento tenham voz ativa nesse processo e não sejam prejudicados por possíveis assimetrias de poder em relação aos países desenvolvidos?

Puppim de Oliveira: Esse é um dos objetivos de criar uma governança em que todos teriam voz. A ideia seria criar uma organização internacional, de adesão voluntária, junto com esse fundo, em que os países em desenvolvimento, por exemplo, não seriam prejudicados, seja por pressões geopolíticas ou comerciais para que abram suas minas para os países desenvolvidos, mas sim beneficiados, com adição de valor à sua produção. Assim, eles não simplesmente exportam esses minerais, mas também desenvolvem a tecnologia.

Valor: Haveria cotas ou salvaguardas para garantir o uso interno dos minerais pelos países produtores?

Puppim de Oliveira: A definição de toda essa governança ocorreria nesse processo, entre os países produtores e consumidores, que negociariam a melhor maneira de manter uma estabilidade na comercialização, que pudesse, de alguma forma, blindar choques econômicos e políticos. Se será a cota ou como será o sistema isso é uma coisa ainda a se definir. Mas poderia ser, por exemplo, a criação de, todos os anos, um volume de produção de alguns desses minerais pelos países produtores, que do outro lado teriam os países consumidores, de alguma forma, negociando o preço desses produtos.

Valor: A proposta menciona mecanismos para garantir salvaguardas ambientais e sociais. Pode explicar quais seriam esses mecanismos?

Puppim de Oliveira: A ideia é incluir salvaguardas ambientais e sociais, tanto na extração desses minerais quanto na produção de tecnologias associadas, que teriam que ser feitas de forma sustentável.

Valor: Que instituições internacionais estariam envolvidas na coordenação e monitoramento dessa plataforma?

Puppim de Oliveira: Os detalhes dessa organização teriam que ser conversados, mas uma das ideias seria uma organização internacional, não da ONU, mas formada por países signatários, tanto produtores quanto consumidores, com um sistema de governança próprio. Ele teria um secretariado, que seria essa organização, garantindo toda a parte de gestão desses acordos e do fundo.

A organização também faria estudos, de diversos tipos, que pudessem ajudar na tomada de decisão da governança desses minerais.

Valor: Que papel minerais críticos desempenham na transição verde?

Puppim de Oliveira: Muitos desses minerais são fundamentais na produção de tecnologias que ajudam a transição energética. Por exemplo, para a bateria de veículos elétricos o lítio é fundamental. Ter um suprimento seguro e com preços estáveis, que pudesse ser blindado de problemas geopolíticos, ajudaria tanto os produtores, como também os consumidores dessa tecnologia.

Valor: Qual relação com as mudanças climáticas?

Puppim de Oliveira: Por exemplo, se pensamos na transição de um sistema de transporte baseado em combustíveis fósseis para um baseado em energia renovável, vamos precisar de todo um processo de produção, como já existe em alguns países, de carros elétricos, de bateria elétrica e desses minerais para viabilizar essa transição de forma mais rápida. Esse é um exemplo, mas tem outras tecnologias. A operação de qualquer sistema, por exemplo, de smart cities, para otimizar o uso de energia e o transporte e reduzir as emissões, ou de alerta para desastres, são de alguma forma dependentes dessas tecnologias que usam esses minerais críticos. Portanto, tanto a mitigação como a adaptação seriam afetadas pela falta dessas tecnologias

Valor: Que vantagens o país teria se aderisse a uma plataforma desse tipo?

Puppim de Oliveira: O Brasil é um tradicional exportador de commodities minerais. O país somente exporta os minérios, a matéria básica. Com a aderência a esse tipo de organismo de governança, o Brasil teria acesso, por exemplo, a fundos que poderiam adicionar valor ao produto mineral, permitindo que o país fizesse coisas que não faz hoje. O Brasil produz muitos minerais que poderiam ser matéria-prima para tecnologias que ele poderia desenvolver aqui mesmo.

Valor: A que tipo de tecnologia o senhor se refere?

Puppim de Oliveira: Por exemplo, produção de baterias de carro com alta eficiência.

Valor: Como o país está hoje posicionado na corrida global por minerais críticos?

Puppim de Oliveira: O Brasil está bem posicionado em termos de base mineral, mas na transformação e agregação de valor a esses recursos o país está bem atrás. Ele precisa acelerar nessa parte.

Valor: De que forma a adesão do país muda o cenário?

Puppim de Oliveira: Nesse mecanismo, o Brasil poderia, primeiro, contribuir para a transição energética na produção desses minerais e, segundo, atrair investimentos de fora para indústrias na área de transição energética. Em terceiro, teria ainda acesso a tecnologia a partir da cooperação, através dessa plataforma, com países que estão mais avançados na produção de tecnologias fundamentais para a transição energética.

Valor: Como o sr. enxerga a concentração assimétrica de minerais críticos em poucos países?

Puppim de Oliveira: Vários desses minerais, que são fundamentais, estão em poucos países. Isso é um risco muito grande porque diante de uma questão geopolítica internacional ou uma questão política local podemos ter uma interrupção da produção desses minerais, o que pode parar ou desacelerar a transição energética.

[Fonte Original]

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