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Após vender sua primeira empresa, a John Frieda Professional Hair Care, em 2002, Gail Federici achou que havia encerrado sua trajetória no setor capilar para sempre. Ela passou os 13 anos anteriores desenvolvendo a John Frieda, uma parceria com o lendário cabeleireiro britânico de mesmo nome. A companhia foi cofundada por ela em 1989 e faturou uma fortuna estimada em US$ 170 milhões (R$ 942,18 milhões) com a venda para a gigante japonesa Kao Corporation.
“Senti que já tínhamos passado por isso, feito tudo”, diz Federici, hoje com 76 anos, em uma ligação para a Forbes de sua casa em Wilton, Connecticut. “Sempre me interessei por aprender coisas novas e pensei: ‘Não quero fazer tudo de novo.’”
Nos cinco anos seguintes, Federici deu uma guinada radical na carreira. Inspirada pelo marido, James Smith, que é músico, e pelas duas filhas adolescentes interessadas em cantar, ela lançou seu próprio selo musical em Londres, o Hometown Entertainment, contratando diversos artistas, incluindo a banda britânica GX e o rapper inglês Taio Cruz, que mais tarde lançaria sucessos como “Dynamite” e “Break Your Heart” por outro selo.
Esse desvio de rota não durou muito. Em 2013, Federici se afastou da carreira musical embrionária e lançou a Color Wow, uma linha de cuidados capilares que, segundo ela, foi inspirada nas raízes grisalhas da irmã. Seu primeiro produto: um corretivo para raízes parecido com sombra de olhos, que dura até a próxima lavagem dos cabelos. Desde então, a Color Wow lançou mais de 60 produtos voltados para problemas como frizz e ressecamento.
“Eles resolvem problemas do dia a dia”, explica Susan Anderson, analista sênior do banco de investimentos Canaccord Genuity, de Nova York, especializada em beleza. Esse nicho tem se mostrado altamente lucrativo para a Color Wow. Jennifer Lopez usou os produtos da marca em sua apresentação no Super Bowl de 2020, e o spray antifrizz “Dream Coat”, de US$ 28 (R$ 155,12), é um dos produtos de cabelo mais vendidos da Sephora. A empresa, com sede em Wilton, CT, afirma que registrou cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,66 bilhão) em receita no ano passado.
Império capilar
Federici, única proprietária da Color Wow, alcançou tudo isso sem recorrer a investidores externos. A Forbes estima que o valor da marca seja em torno de meio bilhão de dólares, e a valorização de sua participação na Color Wow — hoje mais que o dobro do que ela recebeu da venda da John Frieda — impulsionou seu patrimônio líquido para US$ 600 milhões (R$ 3,33 bilhões). Ela ficou na 61ª posição na lista das Mulheres Mais Ricas dos EUA que Fizeram Fortuna Sozinhas, da Forbes, publicada em junho de 2025.
“Sempre digo para todo mundo aqui: ‘Quando você cria algo que tem importância, você ganha dinheiro.’ Não se trata de ganhar dinheiro primeiro, mas de fazer algo que realmente importe para as pessoas — e então você terá sucesso”, afirma Federici.
Os cuidados com os cabelos não foram a primeira paixão de Federici. Crescendo em Connecticut, onde viu seu pai abandonar o diploma de Direito para se tornar desenvolvedor de software, ela admite que não tinha um plano definido, além de viver uma “vida aventureira”.
Ela estudou Inglês e História da Arte na Universidade de Connecticut e, após se formar em 1970, seguiu os passos de dois dos três irmãos que estudaram Direito, ingressando na Faculdade de Direito da Universidade de Bridgeport (hoje Quinnipiac University School of Law).
Enquanto fazia o curso noturno em Bridgeport, conseguiu um emprego como assistente na Zotos, uma marca de produtos capilares sediada em Darien, Connecticut. Subiu na hierarquia da empresa, largou a faculdade de Direito no último ano e acabou se tornando vice-presidente de comunicações corporativas, ajudando a desenvolver produtos populares de marcas como Bain de Terre e Acclaim.
Seu primeiro amor, segundo ela, não era a carreira, mas viajar. Aos 27 anos, matriculou-se na Universidade de Paris para estudar francês; aos 28, começou a ter aulas de bateria e a cantar em uma banda à noite; e, aos 29, estava cursando Direito à noite. “Eu era bem dispersa!”, admite Federici, que diz: “A única visão clara que eu tinha era de querer uma vida em que pudesse trabalhar entre os EUA e o Reino Unido.”
Foi enquanto trabalhava na Zotos que conheceu John Frieda, em uma convenção do setor capilar em Londres, em 1988. Ele tinha uma pequena linha de produtos e buscava orientação para expandi-la. Federici, por sua vez, pensava em abrir sua própria agência de publicidade, em parte porque uma de suas filhas gêmeas nasceu com uma doença cardíaca congênita, o que impactou as finanças da família.
Em 1989, tornou-se sócia de Frieda e mudou-se para Londres. Um ano depois, eles lançaram o soro Frizz-Ease, um dos primeiros produtos do mercado a combater o frizz, que se tornou um sucesso instantâneo. Depois vieram as marcas Sheer Blonde e Beach Blonde.
Todo esse sucesso chamou a atenção da japonesa Kao Corp., que ofereceu US$ 450 milhões (R$ 2,49 bilhões) em dinheiro para comprá-los, em 2002, visando acessar o mercado de cuidados capilares em expansão. Foi uma quantia que Federici hoje descreve como “irresponsável de recusar”, embora admita: “Fiquei meio perdida depois da venda, porque aconteceu tão rápido e era a nossa vida.”
A marca
Com a Color Wow, Federici conseguiu voltar às origens do que fez da John Frieda um sucesso. Antes de lançar a empresa em 2013, ela trouxe de volta o Dr. Joe Cincotta, químico que conheceu na Zotos e depois recrutou para a John Frieda. Foi Cincotta quem ajudou a criar o corretivo para raízes, um dos produtos mais vendidos da Color Wow.
A empresa realiza cerca de metade de suas vendas pelo site e o restante em cerca de 4.500 pontos físicos, incluindo Sephora, Ulta Beauty e salões de beleza independentes. Também ampliou seu alcance por meio de marketing com celebridades.
Desde o início, firmou parceria com o cabeleireiro das estrelas Chris Appleton, que usou os produtos da marca em clientes como Jennifer Lopez, as Kardashians e Ariana Grande. Em fevereiro de 2021, a Color Wow lançou com Appleton a “Money Masque”, uma máscara capilar de US$ 45 (R$ 249,30) para “cabelos super brilhantes e com aparência luxuosa”.
Vários dos outros produtos da Color Wow foram inspirados nas próprias dificuldades capilares de Federici. O “Dream Coat Spray” surgiu após ela ter ido a um show do Aerosmith em Jones Beach. “Lembro que escovei meu cabelo perfeitamente, o que me tomava muito tempo… e fui ao banheiro no meio do show, olhei no espelho e fiquei horrorizada”, lembra. “Estava com uma cabeleira imensa — e quero dizer imensa — de frizz.”
Na John Frieda, Federici ajudou a desenvolver o Frizz-Ease, que facilitava a escova em cabelos crespos, deixando-os lisos. Mas os produtos não resistiam à umidade. Ela e Cincotta voltaram ao laboratório. As fórmulas podem ser testadas até 50 vezes antes de serem aprovadas, diz Federici.
Após muitas tentativas, Cincotta foi até o escritório dela com uma demonstração: duas mechas de cabelo, uma tratada e outra não. Usou um conta-gotas com água nas duas. A mecha sem tratamento absorveu imediatamente as gotas, enquanto na tratada elas ficaram sobre os fios, sem penetrar. Em 2023, segundo a Color Wow, a empresa vendia um frasco do produto a cada 4 segundos nos EUA e no Reino Unido — mais de 21.500 frascos por dia e mais de 151 mil por semana.
“A mentalidade corporativa é só lançar mais um gel, lançar isso ou aquilo — eles não pensam de forma inspiradora”, diz Cincotta, que observa que ele e Federici evitam seguir tendências e preferem buscar matérias-primas inovadoras para realizar “o impossível”.
Segundo Federici, ela e Cincotta mantêm uma lista de todos os produtos que esperam desenvolver um dia, lista essa que já incluiu o Dream Coat. Alguns ainda são cientificamente impossíveis, diz ela, mas outros podem estar a apenas alguns meses de distância. Se os testes correrem bem, a Color Wow espera lançar um “produto bastante importante” em breve.
Concorrência no setor
O setor da beleza já não parece tão atraente quanto há alguns anos. Várias marcas adquiridas pouco antes ou durante a pandemia da Covid-19 viram suas avaliações despencarem. Um exemplo notável: a Olaplex Holdings, marca capilar criada por dois químicos e famosa por tecnologias de fortalecimento dos fios, estreou na Nasdaq avaliada em US$ 15,9 bilhões (R$ 88,13 bilhões), em 2021. Hoje, vale apenas US$ 900 milhões (R$ 4,99 bilhões).
Ao focar na resolução de problemas específicos — começando pelo frizz e pelas raízes grisalhas — a Color Wow entrou em uma tendência lucrativa, explica Dan Su, analista de beleza da Morningstar. “Os consumidores estão dependendo cada vez mais de produtos específicos para diferentes tipos de cabelo”, ela observa.
Um relatório da consultoria McKinsey, publicado em setembro passado, chegou a prever a “skinificação dos cabelos”, descrevendo como as rotinas elaboradas e os produtos especializados antes restritos ao cuidado com a pele estão agora se estendendo aos cabelos, impulsionando uma taxa de crescimento anual composta de 5% até 2028.
Ao mesmo tempo, várias marcas disputam uma fatia desse mercado em expansão. Há a Ouai, lançada em 2016 pela cabeleireira e amiga de Kim Kardashian, Jen Atkins; a K18, fundada em 2020, que ganhou uma legião de fãs na internet com sua máscara de reparação molecular para cabelos quimicamente tratados — sem contar com novas linhas lançadas por gigantes globais como a L’Oréal. “O setor premium de cuidados capilares ficou muito mais competitivo”, diz Anderson.
“Duas ou três décadas atrás, se você tinha cabelo crespo ou queria tratar os fios após tingir, provavelmente não havia muitas opções como há hoje”, acrescenta Su.
Apesar da maior concorrência e do desaquecimento do mercado, ainda há negócios bilionários acontecendo no setor da beleza. Em maio, a empresa de capital aberto e.l.f. anunciou a aquisição da marca de cuidados com a pele e maquiagem de Hailey Bieber, a Rhode, em um acordo que pode chegar a US$ 1 bilhão (R$ 5,54 bilhões), embora cerca de US$ 200 milhões (R$ 1,10 bilhão) estejam condicionados ao cumprimento de metas após a compra.
“Acho que ainda há apetite por parte das grandes empresas de bens de consumo”, diz Anderson, sobre o ambiente de fusões e aquisições no setor. “Vimos muitas sendo compradas por empresas como a Unilever… Ainda há demanda por uma boa marca.” Em abril, a Reuters noticiou que a Color Wow estava explorando uma possível venda avaliada em US$ 1 bilhão (R$ 5,54 bilhões).
Federici confirma que vem sendo procurada por potenciais compradores há cinco anos. “O momento apenas nunca foi o certo para nós”, afirma, acrescentando que estão “conversando e vendo o que faz sentido”.
Caso venda a empresa, Federici reconhece que pode acabar numa situação parecida com a que viveu após a venda da John Frieda. “Não consigo imaginar não estar fazendo nada”, diz. Mas, ao mesmo tempo, parece estar sentindo uma limitação já familiar em relação ao seu próprio setor.
“Cada uma de nossas fórmulas é completamente diferente, porque estamos lidando com um problema diferente. Mas, no fim das contas, ainda são produtos de cuidados capilares. Acho que, em algum momento, vou querer encontrar outra maneira de fazer a diferença.”