Crédito, Getty Images
- Author, Jess Anderson e Sonia Oxley
- Role, BBC Sport
O primeiro incentivo para que Thomas Sweeney se tornasse um juiz de linha do tênis foi ganhar um sanduíche grátis.
Já para Pauline Eyre, que fiscalizou as linhas de Wimbledon por 16 anos, os blazers elegantes e a possibilidade de comprar ingressos para o torneio eram a principal recompensa pelo trabalho que ela fazia durante as férias.
Atualmente, os melhores juízes podem ganhar até 200 libras (cerca de R$ 1,49 mil) por dia, mais despesas.
Mas se dedicar à atividade nunca foi questão de dinheiro para essas pessoas que passam horas agachadas para frente, com as mãos nos joelhos, observando atentamente uma linha de giz para determinar, em uma fração de segundo, em qual lado da linha a bola amarela quicou.
Para Eyre, ficar tão perto da tenista checa Jana Novotna (1968-2017) na quadra central, a ponto de ver seu pé vibrando ao ganhar seu primeiro ponto em uma final de Wimbledon, ou ser “intimidada” pelo norte-americano John McEnroe, são experiências impagáveis.
E tem também a questão das roupas.
“Não há nada como andar nas icônicas quadras de grama do torneio de Wimbledon vestindo o uniforme dos árbitros que muitos consideram os mais bem vestidos de todos os esportes”, declarou à BBC o presidente da Associação Britânica dos Árbitros de Tênis (ABTO, na sigla em inglês).
Mas os tempos mudaram. Neste ano, não haverá juízes de linha em Wimbledon, pela primeira vez em 148 anos de história. Eles foram substituídos pela arbitragem de linha eletrônica.
Os jogadores e os árbitros já se acostumaram com a nova configuração, que é adotada por outros torneios há algum tempo. Mas, na grama verde de Wimbledon, onde os logotipos publicitários são abafados e os jogadores se vestem de branco, as quadras mais vazias podem chamar um pouco mais a atenção.
“É tudo uma tradição de Wimbledon – as pessoas e os uniformes engraçados – e é um pouco da personalidade que desaparece”, explica Eyre.
“Acho que são todas essas pequenas coisas que fazem com que Wimbledon seja Wimbledon.”
Os tradicionalistas sentirão falta dos fiscais de linha, mas os fãs da tecnologia irão destacar o progresso.
A BBC Sport procurou saber o que os árbitros principais, jogadores e juízes de linha acham da mudança.
Os desafios estão ‘fora’
“[Novak] Djokovic questiona a decisão na linha de fundo direita; a bola foi considerada fora.”
Seguia-se um burburinho entusiasmado sempre que o árbitro principal indicava a repetição em vídeo de uma decisão do juiz de linha.
As palmas ritmadas cresciam até o momento da exibição do vídeo no telão. E vinha o obrigatório “ooooooooh”, quando o julgamento feito pelo olhar humano em uma fração de segundo era exposto para a arena lotada e para milhões de pessoas assistindo pela TV.
Mais de 14 mil pares de olhos na quadra central se voltavam para o juiz de linha que poderia ter errado por uma distância menor do que a largura de uma vidraça. Quando ele estava certo, os torcedores eram obrigados a disfarçar a arrogância mostrando seus rostos incrédulos.
Neste ano, os jogadores ainda podem pedir a repetição dos lances na tela, mas o suspense dos torcedores se restringirá às “decisões difíceis”, não à disputa entre o instinto humano e a tecnologia.
E, se os torneios recentes servirem de amostra, seus risos podem ser causados pelo atraso da reação a algumas das chamadas “bolas fora”.
Paul Hawkins é o inventor da tecnologia Hawk-Eye, introduzida em Wimbledon pela primeira vez em 2007. Ele afirma que o sistema de desafio, provavelmente, “ficou ultrapassado” junto ao público.
“Quando era novidade, certamente era mais emocionante – as pessoas meio que o adotaram”, ele conta.
Mas aquilo “chegou ao ponto em que havia uma certa sensação de que ‘já passamos por isso, brincamos bastante, vamos continuar apenas com o tênis’. E, obviamente, eliminar o sistema de desafio significa que poderemos dar prosseguimento ao jogo com um pouco mais de rapidez.”

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Alguns juízes de linha ainda estão ‘dentro’
A ausência de juízes de linha, agora, oferece aos jogadores menos pessoas em quem descontar sua frustração.
Eyre, por exemplo, se lembra de ouvir gritos de jogadores e de ser atingida por muitas bolas.
O tenista sérvio Novak Djokovic foi desclassificado do Torneio Aberto dos Estados Unidos em 2020 por atingir acidentalmente uma bola em um juiz de linha.
E, no ano passado, o russo Andrey Rublev foi eliminado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, por gritar cara a cara com outro juiz de linha.
Nem todos os 300 juízes de linha cortados estarão fora de Wimbledon. Cerca de 80 deles servirão de “assistentes de jogo” e ficarão disponíveis no caso de falha da tecnologia.
Eles também desempenharão tarefas como escoltar jogadores que precisarem deixar a quadra.
Mas suas oportunidades de trabalho em grandes torneios estão se reduzindo. O Aberto da França agora é o único dos quatro torneios do Grand Slam que não usa a arbitragem eletrônica.
O ATP Tour masculino, organizado pela Associação de Tenistas Profissionais (ATP, na sigla em inglês), e os torneios conjuntos da ATP e WTA (Associação de Tênis Feminino) introduziram a tecnologia este ano. E os eventos promovidos apenas pela WTA estão tomando o mesmo caminho.
Eyre receia que estas decisões possam trazer impactos sobre a qualidade da arbitragem nos próximos anos. Afinal, ser juiz de linha é parte do caminho para se tornar árbitro principal.
“Por que você seria juiz de linha no torneio sub-12 do Clube de Tênis de Finchley [bairro no norte de Londres] se você não tiver a cenoura que diz ‘talvez, um dia, eu seja juiz de linha em Wimbledon?”, questiona ela.
Eyre foi juíza de linha em 12 finais de Wimbledon nos anos 1990 e 2000. Agora, ela é humorista e apresenta um show contando suas experiências nesta atividade.
Mas Grzyb afirma que o caminho do desenvolvimento dos árbitros evoluiu. Ele destaca que os juízes de linha ainda são empregados em muitos eventos secundários do tênis.
“Em vez de começar apenas como juízes de linha, os novos árbitros, agora, recebem treinamento em arbitragem de linha e de cadeira desde o princípio”, segundo o presidente da ABTO.
“Isso permite que eles progridam com mais rapidez, até se tornarem árbitros principais.”
“[Isso] não é diferente dos sistemas em vigor em muitos países que não contam com um Grand Slam e conseguiram produzir árbitros principais de classe internacional.”

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‘Fora… eu acho’ – você não está falando sério!
Ser um juiz de linha normalmente significa ficar de pé por um longo período de tempo e, principalmente, gritar a decisão de forma a deixar claro o que está acontecendo.
O tenista nº 1 do Reino Unido, Jack Draper, descobriu no torneio ATP de Queen’s que a arbitragem de linha automática nem sempre é ouvida com um público barulhento.
Um dos set points da semifinal do torneio foi marcado por uma confusão, quando nem Draper, nem o público, tinham certeza se a bola havia ido “fora”.
Com os jogadores não contando mais com os gestos dos juízes de linha com os braços para indicar se a bola saiu, Eyre afirma que o volume das vozes usadas no torneio de grama não era suficientemente alto.
“Eles usaram vozes muito calmas – sons como se a voz não tivesse certeza”, ela conta.
“Meio como se dissesse ‘fora… eu acho’. Parece um tanto esquisito. Psicologicamente, é muito diferente de ouvir algo em tom incisivo.”
Alguns preferem a tecnologia. A tenista britânica Heather Watson afirmou recentemente que as más decisões dos juízes de linha no torneio de Birmingham, na Inglaterra, “arruinaram a partida”. Mas outros não têm a mesma certeza.
Sua compatriota Sonay Kartal conta que enfrentou dificuldades no Aberto da Austrália. Ela conseguia ouvir as decisões automáticas das outras quadras, o que gerou confusão e chegou a fazer com que as jogadoras interrompessem o jogo, achando que o grito viesse da sua quadra.
Ainda não se sabe como serão as vozes em Wimbledon. O torneio irá usar as vozes de alguns dos seus guias e funcionários de bastidores.
O All England Club, promotor do torneio, usará vozes distintas em diferentes quadras, para evitar confusão entre as quadras vizinhas.
Eyre sugere que teria sido ótimo usar a potente voz do próprio McEnroe como um dos juízes de linha.
“Seria engraçado ouvir McEnroe decidindo sobre as bolas, não seria? Estaríamos todos gritando para a televisão ‘você não pode estar falando sério!'”
“Eu iria gostar disso, poderíamos gritar para ele e gerar carma positivo.”
Os árbitros principais podem ser os próximos?
Primeiro, era um lápis, papel e um cronômetro. Depois veio um sistema de placar eletrônico e, em seguida, o Hawk-Eye.
A tecnologia continua a se desenvolver e a necessidade de intervenção humana diminui. O que virá depois? Os árbitros principais?
John McEnroe, sete vezes campeão de simples do Grand Slam, é conhecido pelas suas explosões na quadra. Ele já sugeriu que nos livrássemos dos árbitros e passássemos a confiar na tecnologia.
Thomas Sweeney, com seu sanduíche grátis, foi o árbitro principal da final feminina de Roland Garros, na França, em 2023. Ele trabalhou em inúmeras partidas na quadra central de Wimbledon e não consegue imaginar o fim dos árbitros principais no tênis de primeiro nível em um futuro próximo.
Para ele, “sempre haverá a necessidade de ter um ser humano onde a tecnologia apresenta limitações”.
“Existem aspectos da vida para os quais não se pode preparar e você precisa daquele ser humano que seja capaz de absorver a pressão, fornecer a oportunidade de compreensão e empatia por um jogador e conseguir ajudar, orientar e dirigir a forma de operação da própria quadra.”
Mas, com nove pessoas a menos em quadra durante os jogos, Sweeney afirma que “pode parecer um pouco solitário ali”, após a “tradição de vivermos o jogo juntos, nos incentivando mutuamente a manter a concentração”.
Os gandulas e os árbitros principais permanecem nos seus postos, auxiliando em tarefas como oferecer toalhas para os jogadores e coordenar intervalos para ir ao banheiro. E um árbitro revisor monitora a tecnologia.
“Ainda temos esta equipe”, destaca Sweeney. “Mesmo com menos pessoas, ainda somos uma equipe muito forte, que apoia uns aos outros. Só a aparência é um pouco diferente.”