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- Author, Fábio Corrêa
- Role, De Belo Horizonte (MG) para a BBC News Brasil
Está prevista para esta segunda-feira (16/6) uma votação na Câmara dos Deputados para derrubar a portaria do Governo Federal que pretendia proibir o trabalho aos feriados em supermercados, farmácias, concessionárias de veículos e outros tipos de comércio sem uma negociação entre trabalhadores e empregadores por meio de uma convenção coletiva.
A portaria 3.665, de 2023, foi publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas, após uma reação inicial negativa no parlamento, a implementação dela foi prorrogada para 1° de julho de 2025.
Anteriormente, o governo já havia afirmado que pretende adiar o início das regras enquanto não houver acordo entre empresários e trabalhadores, segundo disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, à TV Globo: “Enquanto não tiver solução, nós vamos prorrogar.”
Marinho disse ainda que “a solução definitiva pode ser que passe pelo Congresso”.
Parlamentares de oposição, empresários e sindicatos patronais têm pressionado para que o governo prorrogue a data mais uma vez e, eventualmente, aceite uma contraproposta — e a tentativa de derrubada da portaria agendada para esta segunda-feira é mais um capítulo dessa história.
Na época, foi descartada a exigência de convenções para o funcionamento do comércio em datas comemorativas.
A portaria publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do governo Lula não muda totalmente a medida da gestão Bolsonaro, afetando apenas 12 (todas no comércio; confira no final da reportagem) das 122 atividades cujo funcionamento foi liberado pelo governo anterior.
Hotéis, construção civil, serviços de call center, indústrias e atividades de transportes, cultura e educação podem continuar abrindo no feriado, sem uma convenção coletiva.
Na prática, a mudança dá mais poder de barganha aos sindicatos na negociação com as empresas, já que na convenção são determinadas as contrapartidas recebidas pelos funcionários que têm de trabalhar nos feriados — como folgas compensatórias, remuneração extra e vale-alimentação para esses dias.
Caso a portaria entre em vigor e haja descumprimento das regras, os patrões podem ser punidos com multas administrativas.

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Devido à pressão contra a medida, a entrada em vigor da portaria do governo Lula já tinha sido adiada pelo menos quatro vezes.
Em 7 de maio, Luiz Marinho reuniu-se com representantes da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços (FCS) e da União Nacional de Entidades de Comércio e Serviço (Unecs), que tinham ficado de entregar, em 3 de junho, uma proposta de texto que seria enviada pela pasta ao Congresso.
De acordo com o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar de Empreendedorismo (FPE) na Câmara, Marinho teria sinalizado uma nova postergação da entrada em vigor da portaria.
“Ele [o ministro] se comprometeu a fazer um novo adiamento da portaria, para retirar e não ficar nessa ameaça. O problema deles é mais político, já que a base dele vai reclamar. Mas seria uma prorrogação de seis meses, durante a qual ficaríamos responsáveis por entregar uma proposta alternativa”, afirmou o parlamentar à BBC News Brasil em reportagem publicada em maio.
Procurado na ocasião, o Ministério do Trabalho não havia respondido se de fato haveria uma prorrogação, mas enviou um comunicado confirmando que Marinho negociou com a FCS e a Unecs o recebimento de uma contraproposta.
A contraposta ficou nas mãos do deputado federal Luiz Gastão (PSD-CE), também presidente da Federação do Comércio de Bens Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE), mas a reportagem não conseguiu contato com o parlamentar naquele momento.
Passarinho, que está trabalhando com Gastão no projeto, garantiu que a proposta não tentará “retroceder para métodos antigos”, mas defendeu que a eventual entrada em vigor da portaria sobre feriados resultaria em uma situação inviável.
“Uma cidade pequena no Pará, por exemplo, não tem sindicato de trabalhador no comércio das praias. Então, [com as regras previstas na portaria e sem convenção] se uma central sindical parar, vai parar todo o Brasil”, critica.
Já Julimar Roberto de Oliveira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio e Serviços da Central Única dos Trabalhadores (Contracs/CUT), diz que passar por um acordo é algo imprescindível.
“O sindicato negocia o benefício para o trabalhador — além da folga, um dia em dobro, um tíquete-alimentação melhor, estipula uma carga horária menor… Aí vai depender da negociação. O trabalhador está abrindo mão de um dia de feriado, de passear com a família… Ele está indo trabalhar e tendo um retorno por isso”, argumenta Oliveira.
Segundo o deputado Joaquim Passarinho, o projeto que ele e colegas preparam deve tratar também de uma nova maneira de financiar os sindicatos, tanto os laborais quanto os patronais.
Números do MTE publicados em 15 de maio mostram que o volume de contribuições sindicais, cuja obrigatoriedade foi suspensa pela reforma trabalhista no governo Michel Temer (MDB), caiu de R$ 3 bilhões em 2017 para R$ 57,6 milhões no ano passado.
A reportagem procurou em maio representantes da Confederação Nacional do Comércio (CNC), da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), que não quiseram se posicionar sobre as discussões acerca do trabalho em feriados.
Portaria versus lei
Para Julimar Roberto de Oliveira, da CUT, a portaria do governo atual visa reforçar o que já é determinado pela lei federal 10.101/2000 — mas cujo conteúdo entrou em conflito com a portaria do governo de Bolsonaro, decisão que ele classifica como uma “canetada”.
O ministério de Luiz Marinho tem afirmado que a portaria do governo Bolsonaro foi “ilegal”, pois uma portaria não poderia se sobrepor a uma lei.
Dois entrevistados da área do Direito ouvidos pela BBC News Brasil concordam com essa interpretação.
“Essa portaria [de 2021] foi uma clara tentativa, num ato do Poder Executivo, de se passar por cima de uma lei. Isso não é permitido no Direito”, argumenta Rodrigo Carelli, professor de direito do trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Natalia Guazelli, advogada especializada em direito empresarial e do trabalho e membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB/PR), explica que uma lei federal, por ser um ato legislativo, tem uma hierarquia maior que uma portaria, que é um ato administrativo — e, por isso, não pode se sobrepor.
Segundo Guazelli, a situação atual gera insegurança jurídica.
Por um lado, os auditores do trabalho têm dificuldade de fiscalizar e aplicar multas, já que o empregador abrindo no feriado sem convenção pode argumentar que está dentro da legalidade, com base na portaria de 2021.

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E, pelo lado do empregador, é preciso se organizar e definir como será o funcionamento de seus negócios a partir de 1º de julho, quando está prevista a entrada em vigor da nova portaria.
“O setor empresarial está muito resistente à medida [do governo Lula], pois ela traz um aumento de custo e uma dificuldade para alguns setores, porque esses trabalhadores precisarão ser remunerados com horas extras, por exemplo, e isso gera mais custo”, avalia a advogada.
Carelli lembra que a Constituição prevê a realização do descanso conjunto, aos domingos e feriados, para que a comunidade possa se encontrar e realizar trocas sociais. Segundo ele, em países como Alemanha, o funcionamento do comércio nesses dias chega a ser proibido por essa razão.
“Aqui, temos a autorização”, diz. “A convenção coletiva vai ser a regulamentação disso: quanto vai ser pago nesse feriado, quando vai ser a folga, qual vai ser a escala… Você pode trabalhar, quando for autorizado. Como a lei coloca isso como requisito, é do interesse das empresas assinar a convenção.”
Quanto aos domingos, segue vigente no Brasil o previsto pela lei 10.101/2000 — os funcionários podem trabalhar nesses dias sem a necessidade de uma convenção coletiva, desde que, a cada três semanas, pelo menos um domingo seja de repouso.
Confira abaixo as atividades comerciais que, segundo a portaria do governo Lula, podem precisar de convenção coletiva para abrir aos feriados, se a medida entrar em vigor:
- varejistas de peixe;
- varejistas de carnes frescas e caça;
- varejistas de frutas e verduras;
- varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário);
- mercados, comércio varejista de supermercados e hipermercados, cuja atividade preponderante seja a venda de alimentos, inclusive os transportes a eles inerentes;
- comércio de artigos regionais nas estâncias hidrominerais;
- comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias;
- comércio em hotéis;
- comércio em geral;
- atacadistas e distribuidores de produtos industrializados;
- revendedores de tratores, caminhões, automóveis e veículos similares
- comércio varejista em geral.