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quinta-feira, junho 5, 2025

Agressão a Marina é sobrevivência da escravidão no Senado

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Acabamos legalmente com a escravidão em 1888, mas a escravidão não nos deixou. Ela sobrevive nos costumes e no comportamento dos reacionários que abominam a vertente igualitária legitimadora das divergências constitucionais nas democracias.

A escravidão foi abolida, mas não abolimos essas expressões coléricas, reveladoras de quem se pensa senhorialmente e, assim, se arroga a distribuir inferioridade aos adversários, numa clara aversão à equidade.

São rotineiras as manifestações anti-igualitárias no nosso mundo de pessoas “livres”, mas que não são consideradas iguais entre si, como comprova a vergonhosa emboscada que alguns senadores armaram para a ministra Marina Silva.

Agressões verbais destinadas a inferiorizar são comuns em ambientes igualitários como o trânsito, as filas e outros espaços onde somos obrigados a esperar ao lado de desconhecidos — essa gente que não sabemos classificar—, o que os torna candidatos a uma inferioridade tácita.

Na minha obra, tenho afirmado que esses rituais de inferiorização social são resto abominável de uma sociedade escravocrata, aristocrática e patrimonialista, dominada por letrados estadomaníacos, convencidos de que a sociedade será resolvida por um Estado onipotente, administrado por sábios-salvadores inimputáveis.

Dessa estadolatria decorre um triste axioma do poder à brasileira: a correspondência entre impunidade e cargos públicos, cujos ocupantes, blindados por suas prerrogativas, são isentos de igualdade. Num livro baseado em pesquisa, intitulado “Fila & democracia”, publicado em 2017, Alberto Junqueira e eu demonstramos essa ojeriza à equidade — essa hóspede indesejável dos regimes democráticos.

Sentimos a tonelagem dessa questão quando nos damos conta de que, por quatro séculos, espaços públicos inquestionavelmente ordenados por senhores e escravos foram formalmente redefinidos pela República. Um regime que os reacionários leem como subversivo, pois como adotar liberdade e igualdade numa sociedade que amarrava casas-grandes e senzalas? O senhor e o escravo, como disseram Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre?

Como institucionalizar a igualdade numa coletividade formada por negros africanos escravizados, senhores autocráticos e por bacharéis fazedores de leis universais válidas somente para seus adversários? Como um sistema fundado no “cada qual sabe bem seu lugar” não reagiria a uma incômoda equidade?

Uma saída desvirtuada para a igualdade como valor é esse conjunto de expressões saudosas das antigas hierarquias: “Ponha-se no seu devido lugar!”, “Quem você pensa que é?”, “Você sabe quem eu sou?”, “Quem manda aqui sou eu!”, “Se continuar assim, dou-lhe voz de prisão!”.

E o assustadoramente anti-igualitário “Você sabe com quem está falando?”, que, neste país onde todo mundo é culto e progressista, além de conhecedor de política e sociologia, jamais foi analisado como rito autoritário, revelador de uma palpável nostalgia da escravidão hierárquica. Sistema escravocrata formador do nosso sistema cultural, em que o saber do seu lugar era (e ainda é) algo prescritivo e imprescindível.

Tais expressões não são anedotas passageiras ou mera falta de educação aplicável a desconhecidos ou adversários políticos. Não! Além de sua desprezível selvageria política, elas são expressões de uma história que requer bocas mais fechadas e olhos mais abertos.

Impossível apagar um passado que se reafirma nos particularismos ilegais e nas ambiguidades e malandragens do jogo político, que, numa democracia, não deveria ser um jogo, mas um seriíssimo trabalho de construção e correção nacional.

[Fonte Original]

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