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sexta-feira, junho 6, 2025

História Por Trás da Foto: Beijo na Times Square completa 80 anos e reacende debate sobre consentimento

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O marinheiro George Mendonsa avistou Greta Friedman, girou o corpo da jovem e rapidamente selou seus lábios em um beijo que marcou a história da fotografia. Alegre e embriagado, o rapaz comemorava a rendição do Japão para os Estados Unidos, fato que completa 80 anos em 2025. Os dois desconhecidos estavam na Times Square, em Nova Iorque, quando foi dada a notícia do final da Segunda Guerra Mundial. Nomeada como “V-J Day in Times Square” (“Dia da vitória sobre o Japão na Times Square”, em português), a foto é conhecida simplesmente como “The Kiss” (“O Beijo”) na atualidade.

Quem eternizou o momento foi o fotojornalista Alfred Eisenstaedt em 14 de agosto de 1945. A fotografia ficou consagrada ao aparecer na capa da Life, revista que circulou de 1883 a 1972. Com a agitação coletiva na Big Apple, ele não conseguiu anotar o nome dos dois. Esse beijo se tornou um símbolo da euforia norte-americana após o fim da guerra, porém gera debates sobre a natureza consensual do gesto até hoje.

No imaginário coletivo, a imagem simbolizava o reencontro romântico de um casal apaixonado. O fotógrafo, no entanto, relatou ter flagrado algo peculiar: o marinheiro beijava todas as enfermeiras que via pela rua, incluindo Greta — o vestido branco levou Mendonsa a acreditar que ela era uma profissional da saúde. Eisenstaedt havia saído de casa para celebrar a notícia com uma câmera em mãos para registrar a reação das pessoas.

— É uma foto que reforça o momento histórico de alívio, de liberdade e de um novo começo de vida, de esperança em um futuro leve, delicado e suave. O papel da fotografia é, sempre, entregar essa narrativa. É uma representação do contexto pós-Segunda Guerra Mundial — avalia Weiler Finamore, professor de fotografia e fotojornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Outro fotógrafo da Life, William C. Shrout também teve a ideia de eternizar o dia da vitória norte-americana e retornou à redação com diversas imagens da comemoração. (Confira as fotografias dele na reportagem publicada no site da revista). Paralelamente, o fotojornalista Victor Jorgensen registrou o mesmo momento eternizado por Alfred Eisenstaedt, porém em um ângulo diferente e menos dramático. A fotografia foi publicada pelo jornal The New York Times no dia seguinte.

Em Nova York, a enfermeira Greta Zimmer é beijada pelo marinheiro George Mendonsa, na comemoração do término da Segunda Guerra, momento registrado por Victor Jorgensen — Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

De férias durante o “clique”, George Mendonsa atuava no Pacífico durante a Segunda Guerra. O marinheiro norte-americano sempre garantiu ter sido ele na fotografia. A confirmação, porém, só aconteceu décadas mais tarde, com a tecnologia de reconhecimento facial.

Greta Friedman morreu em 2016, aos 92 anos, e Mendonsa em 2019, aos 95. Após a morte dele, a estátua “Rendição Incondicional”, exposta em Sarasota, na Flórida, foi pichada com a inscrição “#MeToo”. A frase escrita na perna da moça foi interpretada como protesto contra o assédio. Na época, a polícia estimou em cerca de R$ 3,7 mil o custo da restauração da obra.

A identidade da mulher na fotografia “V-J Day in Times Square” permaneceu um mistério por décadas. A partir dos anos 1980, atribuiu-se à imagem à enfermeira Edith Shain, fato contestado há pouco tempo. Em 2012, os autores do livro “The Mystery Behind the Photo That Ended World War II” concluíram, a partir de pesquisas com antropólogos forenses, que a moça em questão era Greta Zimmer Friedman.

Embora não seja a jovem na foto, Edith ganhou bastante fama nos Estados Unidos. Até sua morte, em 22 de junho de 2010, a nova-iorquina foi convidada para inúmeros eventos ligados à Segunda Guerra Mundial, onde prestou homenagens às vítimas.

“Minha mãe sempre estava disposta a enfrentar novos desafios, e cuidar dos veteranos da Segunda Guerra Mundial lhe dava energia para aceitar outra chance de fazer a diferença”, publicou o filho Justin Decker, em comunicado na época.

A fotografia de Alfred Eisenstaedt para a revista "Life" registra um beijo não consensual — Foto: AFP
A fotografia de Alfred Eisenstaedt para a revista “Life” registra um beijo não consensual — Foto: AFP

Por outro lado, a assistente de dentista — o que explica as peças de roupa brancas — Greta Zimmer Friedman era judia e fugiu do regime nazista. A austríaca foi para os EUA quando a Alemanha invadiu seu país, em 1938. Os pais dela morreram em um campo de concentração.

Diferentemente de Edith, Greta não sabia ter sido fotografada em 1945. A assistente só descobriu o registro duas décadas mais tarde, o que a levou a pedir uma cópia da foto à Life. A revista negou o pedido ao explicar que muitas mulheres afirmando ser a moça na imagem.

Em 2005, aniversário de 60 anos do fim da guerra, Greta desabafou sobre o ocorrido à Biblioteca do Congresso dos EUA, quando revelou que a foto registra um gesto não consensual. “De repente, fui agarrada pelo marinheiro. Não era exatamente um beijo. Senti que ele era muito forte, e estava me segurando firme. Não tenho certeza sobre o beijo… era só alguém celebrando. Não era um evento romântico”.

Ela trabalhava como assistente em uma clínica odontológica na Times Square. A aura comemorativa nas ruas levou Greta a sair do trabalho para descobrir o motivo de tamanha comoção. Nesse momento, a austríaca foi surpreendida pelo marinheiro. Muitas outras mulheres foram beijadas sem consentimento nesse dia, em situações semelhantes.

A fotografia continuou icônica mesmo após o relato de Greta. O que parecia ser uma cena romântica ilustra, na verdade, o momento de assédio de uma mulher que foi beijada à força por alguém alcoolizado.

— A enfermeira não se sentiu tão bem quanto a foto parece querer mostrar ao mundo. Esse é um dos maiores desafios da fotografia moderna: clicar o que pode representar. O registro de Eisenstaedt não sai da categoria “arte” enquanto técnica de captura do olhar humano. Ao ver a foto em um primeiro momento, entendemos o que ela quer representar, mas, depois, com a realidade à tona, percebemos que está bem além do que a foto pode simbolizar — atenta o fotógrafo e educador Weiler Finamore.

O professor avalia que “essa foto ainda gera debates por ser um ato machista de um homem que, em um momento de euforia, invade a intimidade de uma mulher”. A exemplo do registro “V-J Day in Times Square”, ele destaca que a arte fotográfica se resinifica ao longo do tempo e permite uma leitura “sempre atualizada” da história.

— A fotografia congela esse instante para sempre. É recorte. O registro que estampa esse contexto histórico questiona, ao mesmo tempo, o comportamento do homem com a mulher. A fotografia não é cumplice de comportamentos, mas apenas um registro do tempo perpetuado para sempre — finaliza.

A vice-secretária de Operações de Saúde do Departamento de Assuntos de Veteranos (VA) dos EUA, RimaAnn Nelson, propôs uma reavaliação da fotografia em fevereiro de 2024. Ela elaborou um documento que visava proibir exibições públicas da imagem nas instalações do trabalho. A foto “V-J Day in Times Square” estaria registrando um “comportamento impróprio”, fruto de “um ato não consensual”, conforme descreve o memorando.

Polêmica sobre o beijo da Times Square foi capa do jorna "New York Post" — Foto: Reprodução/NY Post
Polêmica sobre o beijo da Times Square foi capa do jorna “New York Post” — Foto: Reprodução/NY Post

O documento rapidamente viralizou nas redes sociais. Naquele mesmo dia, o secretário da AV à época, Denis McDonough, defendeu a fotografia, ignorando a solicitação do memorando. “Deixe-me ser claro: esta imagem não foi banida das instalações da VA e a vamos mantê-la”.

Em consonância, o governo norte-americano também rejeitou o memorando. “Posso definitivamente dizer que o documento não foi sancionado, então não é algo que sequer estávamos cientes”, pontuou a ex-secretária de imprensa da Casa Branca Karine Jean-Pierre.

[Fonte Original]

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