Em fevereiro de 2023, um agricultor da região de Caracaraí, a 140 quilômetros de Boa Vista, foi algemado e torturado por agentes do Batalhão de Operações Especiais de Roraima e da Polícia Civil do Amazonas. De acordo com seu relato, foi interrogado sobre o roubo de 18 toneladas de cassiterita. Depois de se convencerem de que ele não tinha qualquer relação com o roubo, os policiais o soltaram sob ameaça de morte caso denunciasse o ocorrido. Só que o agricultor tinha um irmão policial. A história chegou à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público (MP), que passaram a investigar o caso. Concluíram que o dono da carga encomendara o interrogatório violento aos policiais. No fim do mês passado, a PF realizou uma operação contra o grupo e prendeu seis pessoas, entre elas dois policiais civis do Amazonas, acusados de sequestrar o agricultor, o delegado a que estavam subordinados e um policial militar de Roraima.
O episódio expõe a relação entre as milícias formadas por policiais e a mineração ilegal na Amazônia. O envolvimento começa com os “bicos” dos policiais fora do expediente, segundo o pesquisador Rodrigo Chagas, da Universidade Federal de Roraima. Chega a ser normal que eles tenham no garimpo uma fonte adicional de renda. “É uma estrutura histórica. Os policiais são os operadores dos donos do garimpo, empresários e políticos”, diz Chagas. Essa aliança respalda uma das atividades que mais agridem o meio ambiente, por contaminar os rios com mercúrio, usado para separar o ouro do cascalho, e destruir a floresta.
É preocupante a progressiva “milicianização” do garimpo que resulta, nas palavras de Aiala Colares Couto, pesquisador da Universidade do Estado do Pará e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “do volume de recursos da atividade ilegal que alimenta toda uma rede de corrupção de agentes públicos”. Ações da PF e do MP têm sido frequentes na Amazônia. Houve no mínimo dez nos últimos dois anos. O GLOBO consultou mais de 700 páginas de decisões judiciais e relatórios sobre a atuação de milícias junto a atividades ilegais de mineração. Elas prestam serviços de segurança privada, fazem lavagem de dinheiro, fornecem armas e munições a garimpeiros. Levantamento do MP de Roraima constatou envolvimento de pelo menos cem policiais militares com a mineração ilegal no estado. Um investigador afirma que o número deve ser maior, pois os garimpeiros em áreas ilegais não costumam denunciar extorsões de milicianos.
No sul do Pará, a PF encontrou uma milícia no controle de garimpos na reserva indígena caiapó. Cobrava taxas e fazia ameaças. Em setembro do ano passado, um delegado, um escrivão da Polícia Civil e dois sargentos da Polícia Militar foram presos. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) afirma que a mineração ilegal acelerou entre 2016 e 2022. Os povos indígenas são os mais atingidos. A situação só tende a piorar caso não haja uma ação determinada do governo federal, única esfera de poder capaz de enfrentar a contaminação das instituições locais pelo crime organizado.