Elevações da carga tributária e das despesas públicas desencadeiam um efeito cascata, às vezes obscuro para boa parte da população afetada por ele, por toda a economia. Grosso modo, o governo tem duas principais ferramentas para pilotar a economia: o quanto ele arrecada (via impostos pagos por famílias e empresas) e o quanto ele gasta (de construção de estradas a salários de diplomatas).
A principal forma de aumentar a arrecadação é mexendo na carga tributária: ampliar a alíquota do Imposto de Renda e de tarifas de importação são alguns exemplos. Na versão mais simples do bê-á-bá econômico, isso significa que, se por um lado o governo vai ter mais dinheiro, por outro, a sociedade terá menos — as empresas, porque seus lucros vão diminuir, e as famílias, porque terão uma renda disponível menor.
Empresários também podem repassar o aumento de imposto para o preço final dos seus produtos, fazendo com que o consumidor pague mais caro, e, assim, pressionar a inflação. Menos lucro ainda pode ter outra consequência perversa: menos investimento e empregos. Se o retorno do negócio cai, empresários deixam de expandi-lo e podem demitir. Nesse cenário, as famílias, que já lidam com renda menor, ainda passam a enfrentar uma taxa de desemprego maior.
“Menos consumo e menos investimento empresarial significa crescimento econômico mais lento e com menos dinamismo no mercado. Você pode gerar inclusive uma estagflação, que é inflação sem crescimento”, explica João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
E, se a economia desacelera, também desaceleram os impostos arrecadados pelo governo, já que eles dependem do nível de atividade, ou seja: empresas investindo, contratando e vendendo; famílias trabalhando e consumindo. Com menos receitas, governos podem aumentar impostos novamente para fazer frente a seus gastos, gerando um ciclo vicioso.
Mas aumentar a carga tributária nem sempre é negativo. Um governo pode tomar essa decisão com o objetivo de ter mais recursos para fazer investimentos que aumentem a produtividade da economia, como gastos em educação e desenvolvimento tecnológico, e, potencialmente, impulsionar o crescimento no futuro, gerando mais atividade e arrecadação.
Assim como avaliar o aumento de impostos depende de entender no que essa arrecadação está sendo gasta, as consequências de uma elevação das despesas públicas depende também do que está bancando essa decisão. Se um governo gasta mais para investir, sobra menos para bancar a máquina pública. No Brasil, o gasto com pagamentos para o funcionalismo gira em torno de 13,5% do PIB, enquanto na OCDE essa média é 9,5%, diz Olenike.
Como toda família e empresa, se um governo gasta mais do que arrecada, ele precisa completar esse buraco de alguma forma: pegando emprestado ou, opção exclusiva dele, imprimindo dinheiro. E, como o segundo caminho leva à inflação, o primeiro é mais comum. Nesse caso, o governo emite títulos da dívida, como os do Tesouro Nacional, para captar recursos de bancos, fundos de investimento e outros agentes de mercado. “Mas, se o governo gasta muito e a dívida pública cresce, o mercado começa a perceber um maior risco de o governo ter dificuldade para pagar essa dívida no futuro”, afirma Olenike.
Essa é a chamada incerteza fiscal: a dúvida de credores se vão receber mesmo lá na frente. “O resultado é que investidores exigem juros cada vez mais altos para emprestar para o governo”, completa o presidente-executivo do IBPT.
Uma vez que os juros pagos pelo governo são o referencial básico da economia, quando eles sobem, todas as outras taxas de juros também sobem — como as cobradas em empréstimos para empresas, financiamento imobiliário e crédito pessoal. Nesse cenário, empresas podem desistir de fazer investimentos, já que o crédito ficou mais caro, aumentar preços ou fazer demissões para compensar as despesas mais altas com juros.
No caso de famílias, o efeito vem via inflação (resultado da alta de preços) e desemprego (em razão do desaquecimento do mercado de trabalho). O crédito mais caro para pessoas físicas também desestimula o consumo, enfraquecendo o principal motor da economia. “Não é que todo gasto público seja ruim. A questão é a qualidade dele. Se você investir mais em educação, saúde, tudo isso vai ter um reflexo. Mas ele não é imediato”, pontua Olenike.
Um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), vinculado à Faculdade de Economia da USP, observou que, para cada R$ 1 gasto com investimento e benefício social, o PIB brasileiro tende a aumentar R$ 2,60 e R$ 2,15, respectivamente, após 25 meses.
“Do ponto de vista tanto de crescimento econômico quanto de um potencial controle do endividamento público, a melhor política é a combinação de aumento de receitas e de gastos com investimento público ou benefícios sociais”, afirmam os pesquisadores Marina da Silva Sanches, Hiaman Rodrigues e Guilherme Klein em nota técnica publicada em agosto de 2024