A cúpula de chefes de Estado do Brics, grupo que reúne 11 países, começa neste domingo (6), no Rio, com o desafio de superar pressões da China, um dos fundadores do grupo e do Irã, incorporado na última expansão do bloco. Na presidência temporária do Brics, o Brasil também enfrenta o desafio de evitar que o bloco dê uma guinada antiocidental.
O Brics é atualmente formado por 11 países em desenvolvimento – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia, Indonésia e Irã.
A cúpula terá a presença de chefes de Estado e representantes de 28 países e cinco organismos multilaterais. A ausência mais importante do encontro é a do presidente da China, Xi Jinping.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, apesar de não ter vindo presencialmente à reunião, vai discursar de forma remota na cerimônia de abertura da cúpula hoje. Segundo fontes diplomáticas, o pedido da participação on-line do chefe do Kremlin foi feito pelo governo russo e foi aceito pelo Brasil como uma gentileza.
Dos demais países que formam o acrônimo do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, estarão presentes na cúpula os chefes de Estado indiano, o premier Narendra Modi, e sul-africano, o presidente Cyril Ramaphosa. A China, por sua vez, estará representada pelo primeiro-ministro Li Qiang.
Um dos tópicos que deve ser tratado no comunicado final é o “tarifaço” aplicado mundialmente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo interlocutores, o texto vai “condenar” esse tipo de medida comercial, mas sem citar o chefe de Estado norte-americano. A proposta de evitar citações diretas a Trump ou aos EUA foi puxada pela China, gigante asiático que, recentemente, conseguiu um acordo com os norte-americanos para reduzir temporariamente as tarifas sobre os produtos um do outro.
Ainda que a sugestão tenha partido dos chineses, o Valor apurou que a diplomacia brasileira endossou esse encaminhamento. Na visão dos negociadores do Itamaraty, o Brasil tradicionalmente tem a postura de evitar “funalizações”, para não acirrar o clima político entre os países.
Ontem, a trilha de Finanças do Brics terminou com um comunicado conjunto e duas declarações específicas. O comunicado, emitido pelos ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais, manifestou “séria preocupação” com a escalada da guerra comercial, numa menção indireta à política que vem sendo implementada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Também mencionou que houve progresso na identificação de possíveis caminhos para a interoperabilidade dos sistemas de pagamentos dos países do bloco, ou seja, avanços em identificar formas de integrar os sistemas de pagamento para que os países possam aumentar o uso das suas moedas locais, sem necessidade de passar pelo dólar, o que traria redução de custos para as operações.
Houve, ainda, uma declaração específica de apoio às negociações da convenção tributária da Organização das Nações Unidas (ONU), com menção à tributação dos super ricos, um tema caro à presidência brasileira.
A segunda declaração específica tratou sobre revisão de cotas e da governança do Fundo Monetário Internacional (FMI), defendendo que seja feita uma mudança na forma do cálculo de cota dos países, com maior destaque para o PIB e para a paridade de poder de compra, o que favorece os países do Brics. Foi a primeira declaração específica do Brics sobre FMI.
Após seis dias de negociações, os sherpas, negociadores que representam os chefes de Estado em fóruns internacionais, concluíram neste sábado (5) a versão final da declaração conjunta dos líderes que deve ser divulgada neste domingo (6).
O Valor apurou que o texto traz soluções para os impasses que vinham emperrando as discussões: a linguagem sobre o conflito no Irã, que envolve Estados Unidos e Israel; o reconhecimento de Israel como parte de uma solução de dois Estados para o conflito Oriente Médio; e a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
As negociações para a cúpula deste ano foram especialmente tensas devido aos ataques recentes dos Estados Unidos e Israel ao Irã, convidado a integrar o Brics em 2023 junto com outros países árabes.
Nos últimos dias, Teerã vinha resistindo a uma declaração conjunta em que a criação de dois Estados – um israelense e outro palestino – fosse apontada como solução para a crise no Oriente Médio, segundo apuração do Valor.
O país persa, no entanto, teve dificuldades de sustentar a oposição porque a chamada “two state solution” (solução de dois Estados), no jargão internacional, é aceita por todos os membros do Brics.
O texto final também não deve trazer menção direta a Israel ou aos Estados Unidos, de acordo com pessoas a par das negociações.
O tom adotado no comunicado final deve ser semelhante ao de uma nota conjunta divulgada pelo Brics no mês passado. O texto condenou ataques ao Irã e pediu uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio, sem citar EUA ou Trump.