Crédito, Simon Urwin
- Author, Simon Urwin
- Role, BBC Travel
A cidade de Luang Prabang é o coração espiritual do Laos. Ela é conhecida pela sua rica herança budista, templos ornamentados e uma população significativa de monges com suas túnicas alaranjadas.
Muitos acreditam que o centro espiritual, que abriga 50 mil habitantes, possui a maior população de monges per capita do mundo.
Luang Prabang já foi um dos destinos mais isolados do sudeste asiático. Mas a abertura da ferrovia de alta velocidade Laos-China, em 2021, trouxe um forte aumento do número de visitantes para a cidade, que é Patrimônio Mundial da Unesco.
Seus moradores afirmam que, nos últimos anos, o desenvolvimento do turismo prejudicou muito as antigas tradições locais. Com os visitantes, os rituais sagrados do budismo passaram a ser objeto de comercialização, como a oferta de esmolas pela manhã.
“O turismo tem seus prós, mas também muitos contras”, afirma o ex-monge Anat Khamphew, do monastério Wat Xieng Mouane.
“Observamos pessoas se comportando de forma muito desrespeitosa em relação aos monges. Estátuas históricas de Buda foram roubadas dos monastérios e importantes símbolos de devoção servem de panos de fundo para selfies no Instagram.”
Em resposta, Khamphew criou um canal no YouTube para mostrar aos turistas que visitam Luang Prabang como sua permanência na cidade pode ser mais positiva. Ele orienta os viajantes a se afastarem dos pontos mais visitados e destaca a importância das raízes budistas da cidade.
“Eu quis ajudar, fazendo minha parte para recuperar a alma e o coração espiritual de Luang Prabang”, destaca Khamphew. E ele não está sozinho.
Diversos outros ex-monges da cidade também criaram agências de turismo para promover melhor compreensão dos costumes e da cultura budista tradicional de Luang Prabang, como a Orange Robe Tours e a Spirit of Laos.
Um dos antigos colegas de monastério de Khamphew também criou a loja de artesanato LaLaLaos, para ajudar as meninas das zonas rurais pobres a cursar o ensino médio. E outro ex-monge criou o renomado restaurante vocacional Kaiphaen, que treina jovens marginalizados das aldeias locais.
“Essas empresas oferecem não só uma experiência mais ética e autêntica, mas também a chance de retribuir”, explica Khamphew.
“É como o turismo deveria ser: consciente e benéfico para todos. E isso traz carma positivo.”

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Capital mundial dos monges
Localizada na confluência dos rios Khan e Mekong, aos pés do monte Phou Si (“Montanha Sagrada”), coberto pela floresta, Luang Prabang é a antiga capital real do Laos.
Fundada no século 14, a cidade logo se tornou um centro de aprendizado budista e da vida monástica – um papel que ela exerce até hoje.
Cerca de 33 wats (templos ou monastérios budistas) opulentamente decorados estão espalhados pela cidade. Muitos deles datam dos séculos 16 e 19. A cidade abriga uma população estimada de mil monges.

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Centro espiritual
O nome de Luang Prabang vem do Phra Bang dourado, o mais sagrado símbolo de Buda do país. Ele fica no complexo do Museu Nacional da cidade, em um templo exclusivo para ele.
“O Phra Bang representa a chegada do Budismo ao Laos”, explica Khamphew. “Acredita-se que ele proteja a nação; é por isso que a cidade é tão venerada.”
Visitar os wats, realizar os pujas (atos devocionais), oferecer esmolas e cultivar méritos com boas ações fazem parte fundamental do dia a dia da população budista, que é maioria em Luang Prabang.

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O paradoxo do turismo
A profunda e onipresente espiritualidade de Luang Prabang, aliada à sua arquitetura eclética (uma mistura dos estilos laociano, budista e colonial francês), faz com que a cidade seja cada vez mais popular entre os visitantes, incluindo influenciadores e instagramers.
“O problema é que um local antes espiritual, agora, foi transformado pelo mundo digital”, lamenta Khamphew.
“Muitas pessoas são levadas pelas listas de [locais] ‘Top 10’ ou ‘mais instagramáveis’; elas vão aos mesmos lugares e vivenciam exatamente as mesmas coisas – tudo pelo celular.”
“Acabam perdendo a essência de Luang Prabang e, em última análise, estragam aquilo que vieram apreciar”, explica ele.

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Erosão cultural
Um dos rituais afetados pelo crescimento do turismo na cidade é o Tak Bat, uma cerimônia solene diária criada há mais de 600 anos.
Nela, centenas de monges descalços formam filas pelas ruas para recolher as esmolas de madrugada.
Placas pedem que os observadores se comportem adequadamente, mas elas são frequentemente ignoradas.
“Observar este desrespeito parte meu coração”, afirma a ex-monja Parn Thongparn. Hoje, ela é guia turística e evita a cerimônia, levando seus convidados para uma experiência com menos burburinho em outro lugar.
“Adoramos os visitantes, mas, se eles dedicassem algum tempo para entender melhor nossa cultura, poderiam nos ajudar a proteger nossas belas tradições.”

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Motivos de reflexão
Outra questão específica são as esmolas inadequadas ofertadas pelos turistas, como restos de comida ou alimentos de má qualidade, embalados em plástico.
“Os alimentos consumidos pelos monges devem ser frescos, limpos e puros; todos os pratos devem ser vegetarianos, evitar especiarias e, idealmente, devem ser preparados em casa na mesma manhã”, explica a cozinheira Linda Heu, do monastério Wat Munna, em Luang Prabang.
“O mais importante é que [a oferta] deve ser um gesto significativo, não apenas uma oportunidade para tirar fotos.”

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Viaje como os monges
O ex-monge noviço Bounthan Sengsavang criou sua própria agência de turismo em 2024, a Spirit of Laos, para garantir uma abordagem mais respeitosa em relação aos monges de Luang Prabang. Ele também oferece aos visitantes a oportunidade de vivenciar o budismo de forma mais profunda.
“As pessoas mais ligadas ao assunto devem ser as que irão guiar você”, explica ele.
“Se você não tiver sido um monge, nem vivido em um monastério, você não sabe como é. O próprio Buda ensinava pela experiência. Gosto de fazer o mesmo.”

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Vida simples
Em vez de visitar uma longa lista de templos em um tour corrido pela cidade, Sengsavang prefere passar tempo de qualidade em algumas poucas edificações e mostrar em detalhes o dia a dia dos monges para os turistas.
“Os monges vivem de forma muito simples”, ele conta.
“A riqueza e as posses são consideradas raízes do sofrimento. Sem elas, os monges podem se dedicar à meditação, ao estudo e à vida ética.”
“E, como os monges dependem apenas das esmolas da comunidade para comer, eles praticam a humildade e a gratidão.”

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Juntos em harmonia
Sengsavang também oferece sessões de oração, cânticos e meditação na companhia de monges, mediante solicitação.
Ele conta que é possível aprender a meditação em um ou dois dias; que ela pode ser feita andando, sentado, em pé ou dormindo; e que seus benefícios incluem acalmar mentes estressadas e superar a depressão.
“Os monges sempre ficam felizes quando nos unimos a eles”, conta Sengsavang.
Ele destaca que, muitas vezes, os monges gostam de interagir com os visitantes após a atividade.
“É uma grande forma de conexão com os monges para descobrir quem eles são, por que entraram no monastério e para ajudá-los a praticar o seu inglês.”

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Amor de mãe
A maioria dos meninos do Laos passa algum tempo em um monastério, que pode variar de algumas semanas até a vida inteira.
Além de receberem educação gratuita, sua ordenação é considerada fundamental para o bem-estar e a reencarnação dos pais, especialmente da mãe.
“Na tradição budista do Laos, quando um menino se torna um monge, aquele mérito ajuda a elevar o carma da mãe”, explica Sengsavang. “Isso aumenta as chances de um renascimento bom e feliz após a morte.”

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Círculo da vida
Os tours de Sengsavang não ignoram a realidade da vida. Eles podem incluir uma visita a uma cremação budista.
Os visitantes são bem-vindos nessas ocasiões, desde que mantenham uma distância respeitosa.
“Tudo termina; só não sabemos quando”, explica ele.
“Assistir a uma cremação é importante; ela relembra às pessoas o valor da curta vida que temos.”
“Talvez também os ajude a encontrar seu propósito ou os inspire a viver melhor suas vidas. Se isso acontecer, é uma forma de iluminação”, conclui Bounthan Sengsavang.