Depois de esperar por 14 anos o andamento do processo de titulação do território quilombola, a comunidade Kulumbú do Patuazinho, no Oiapoque, Amapá, conseguiu na Justiça Federal uma liminar que estabelece o prazo de 30 dias para a União apresentar um cronograma de cumprimento das etapas.
A decisão é resultado de uma ação civil pública movida após ameaças ao território com o andamento do processo de exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
De acordo com a liminar emitida pelo juiz Pedro Brindeiro do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foram apresentadas como provas imagens, vídeos e notícias divulgadas na página do Ministério Público que comprovam ataques ao território quilombola. A decisão também destaca o relato dos autores da ação civil: “nota-se que indivíduos não quilombolas destroem hortas, plantações de subsistência, desmatam a vegetação local, realizam queimadas para ali construírem moradias e assim, muitos fixaram-se no local por meio de ameaças à integridade física das famílias tradicionais e ameaças às suas tradições culturais e religiosas.”
Ao reconhecer o direito da comunidade Kulumbú do Patuazinho à propriedade definitiva e o dever do Estado de emitir o título, o magistrado decidiu que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Cultural Palmares e a própria União Fedreal deverão apresentar “cada qual no limite e no âmbito de suas atribuições”, os prazos definidos para a realização de todas as etapas pendentes até a regularização fundiária, “inclusive comprovando a previsão orçamentária e aporte de recursos para o efetivo cumprimento no tempo”, destaca a decisão.
Desde 2009, os moradores de Kulumbú do Patuazinho são certificados pela Fundação Palmares como comunidade quilombola, processo necessário para o início da tramitação da titulação do território. Em 2011, a comunidade deu entrada no processo junto a superintendência regional do Incra no Amapá, mas o pedido não avançou.”É inaceitável que órgãos públicos continuem retardando um direito garantido pela Constituição. A morosidade administrativa e o racismo institucional continuam sendo obstáculos diários para milhares de comunidades quilombolas em todo o país”, declarou por meio de nota a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
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Constituída na década de 1990, a comunidade quilombola Kulumbú do Patuazinho se estabeleceu no território do município de Oiapoque, nas fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa. Liderado por Benedito Furtado, o pai Bené, um pequeno grupo familiar migrou de outra comunidade quilombola localizada em Pindaré-Mirim, no Maranhão, em busca de melhores condições de vida.
Após peregrinação em outros estados da Região Norte, pai Bené orientado por guias espirituais de matriz africana localizou o lugar aos pés de uma Sumaúma onde deveriam ser estabelecidos o Santuário de São Benedito de Aruanda, e o assentamento de uma nova comunidade.
Com o passar dos anos, a proximidade com o perímetro urbano do município e o avanço da possível exploração de petróleo na costa da região, os moradores relatam um crescimento de conflitos territoriais “a ponto de adentrarem em área considerada sagrada e destruírem a escultura denominada ‘Pedreira de Xangô’, construída pelo patriarca da comunidade, Sr. Benedito, que a deixou como legado, reservada para a realização do culto à espiritualidade, localizada na parte conhecida por ‘Caminho dos Orixás’, descreve outro trecho do relato destacado na decisão.
De acordo com o Incra, atualmente o processo de titulação na fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que é a primeira etapa realizada para regularização fundiária. Nesse estágio são produzidos estudos técnicos e científicos de caracterização espacial, econômica ambiental e sociocultural do território quilombola, “devidamente fundamentado em elementos objetivos, contendo informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas, etnográficas e antropológicas da comunidade quilombola e do território reivindicado”, informa a instituição por meio de nota.
Segundo o comunicado, na próxima semana, dois servidores estarão na área para uma visita técnica. “Em relação à determinação Judicial, a Superintendência do Incra no Amapá atua para apresentar resposta à demanda dentro do prazo estabelecido”, conclui a nota.